O cabalístico 102


Segundo o Aurélio, a modéstia é a ausência de vaidade, a simplicidade, a despretensão e a desambição. Modéstia à parte, me considero o melhor detetive do mundo atual em atividade. Meu trabalho é lento, porém sempre logro êxito. Prova disso é que, embora tenha demorado vários dias, já descobri quem é o Skinhead Socialista que gosta de futebol (o revelarei num futuro post com as devidas provas). Para além dos trabalhos de espionagem ortodoxos, possuo uma grande qualidade: analiso vários casos ao mesmo tempo. Portanto, venho dissertar sobre outro caso intrigante que ocorre nesta Feira de Santana: o caso do número 102 nos livros da biblioteca da Universidade Estadual de Feira de Santana.


Todos nós, que estudamos para concursos públicos, temos alguma noção de arquivologia. E temos o mínimo bom senso para saber que cada empresa, cada instituição se vale de seus métodos para arquivar e organizar seus documentos. A biblioteca da UEFS, por exemplo, fixa em cada um de seus livros códigos de barra nas capas ou nas folhas de rosto; além disso, inserem o carimbo da biblioteca, com um número de série, em qualquer página do livro. Perdão, eu disse “qualquer”? Pois é aí que todos nós nos enganamos: não é qualquer página. A biblioteca da UEFS carimba exatamente em toda página 102 de seus livros. E eis a grande pergunta, o perturbante mistério: por que não 100, um número fechado, porque não 50, 200, 150, 300, 666, 69, e sim 102? Por que tal número cabalístico?


Primeiramente, deixem-me revelar como cheguei a este problema. Ele me foi alertado pelo ilustre camarada Rodrigo Lobo Damasceno, numa noite chuvosa neste verão de Feira de Santana. Lobo constatou com o tempo tal detalhe, e disse que, na sua opinião, tudo é questão numerológica: embora afirmasse não ter hipóteses, concluiu que “1, 0 e 2 são os três primeiros números, em ordem alterada, 012, sendo que o número 102 é composto por três números, sendo ainda que falta a representação justamente do terceiro número, o 3, que está representado, então, pela quantidade de números compõe o 102.”


Considerei esta uma grande reflexão, e fui questionar a funcionária responsável sobre este assunto. Ela agiu com desconfiança e não quis-me olhar nos olhos: disse que o setor responsável por essa parte não era responsável por essa parte. Olhei-a intrigado e tentei pô-la contra a parede. Mas sua retórica do burocrata falou mais alto: ela conseguiu inventar (para mim inventou, sim) nomes de pelo menos 4 ou 5 locais onde os livros passavam e eram registrados e carimbados para depois voltar às prateleiras.


Inconformado, resolvi questionar a própria diretora da biblioteca. Esta se recusou a me atender. Sempre que a secretária perguntava o assunto, eu, homem de coragem que sou, dizia apenas: “É sobre o número 102”. A secretária me olhava feio, entrava na sala da diretora e não demorava dois segundos voltando com a desculpa mais extravagante. Um dia me impacientei e tentei avançar pela força bruta – o segurança me pegou no ato e me pôs para fora.


Entrando agora disfarçadamente, resolvi investigar por conta própria, pela lógica e pela intuição. Tirei fotos de várias páginas para comprovar o mistério. Livros novos e antigos, todos eram carimbados lá. E, incrivelmente, quando o livro tinha menos de 100 páginas, era carimbado na 51, que é a metade de 102! Por que um número desses, meu Deus?




Resolvi buscar marcas, locais ou algo onde o número era utilizado na sociedade. Suspeitei do avião de caça F-102 Delta Dagger, talvez utilizado pelas nazistas na grande guerra. Procurei emissoras de rádio de freuquência 102 para saber se tratavam de livros ou coisa semelhante que tivesse relação com bibliotecas, sem sucesso. Finalmente, descobri que grandes personalidades nacionais, como Dona Canô e Oscar Niemeyer, possuem 102 anos! Achei isso muito pertinente!

Infelizmente, esses dois já tiveram outras idades, e o carimbo permanecerá eternamente no 102. Logo, eu deveria seguir outro raciocínio.


Já a ponto de desistir, tive uma grande sacada. Flanando pelas ruas de Feira, me veio à mente rachada pelo sol escaldante, a lembrança de que 102 é o número que se liga para consultar a lista telefônica! Fiz, daí, uma associação certeira: enquanto o 102 do telefone consulta-se telefones, o 102 nos livros faz menção à biblioteca, espaço onde se consultam livros? Eis a grande relação e a minha descoberta do mistério!

Porém, muitas perguntas ainda estão sem resposta: por que a funcionária negou-se a responder minhas perguntas com clareza? Por que a diretora estava me evitando? Por que o segurança me barrou quando agi com força bruta? Por que o sol de Feira está tão forte? Essas são as perguntas que não deixarei passar em branco, e que com certeza responderei para resolver 100% todo esse mistério. Nos próximos posts, trarei a resposta definitiva – porque é assim que trabalha o detetive Johnny Boy.

Até a próxima.

5 comentários:

10 de março de 2010 às 07:39 Anônimo disse...

Mr. Johnny Boy, embora esse seja o seu segundo post, digo, o seu segundo "caso", quero registrar que sua narrativa vem crescendo em requinte e ironia - a estética apreciada nos contos policiais e fantásticos. Em meio a tantas verdades/posições, indagações, informações, opiniões e criatividade que se digladiam no nosso cotidiano - do qual este blog é apenas um microcosmo - essa história satisfaz por conter algo que às vezes se esvai com facilidade na comunicação hodierna: a espirituosidade, essencial em tempos "sombrios".

Meus cumprimentos.

11 de março de 2010 às 03:20 Anônimo disse...

Uma Palavra:
Incrível!

16 de março de 2010 às 09:51 Orahcio disse...

Agora fiquei com vontade de achar o número 102 de cada biblioteca que entrar, acabaram-se meus dias de sentar na biblioteca em paz e consultar apenas aquilo que me interessa :)

16 de março de 2010 às 11:21 À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Eu simplesmente ameei!!
Fabuloso, brilhante,interessante!
Parabéns aos criadores*

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