Estavam brincando com você

(Ou os resquícios de uma sexta-feira)


Uma vez um professor querido pronunciou durante uma das suas primeiras aulas na minha turma: “Felicidade é uma coisa vagabunda”. Aquilo chocou aquela menina que estava ali sentada, cursando letras por gostar de literatura e por achar que isso de alguma maneira fazia sentido. Chocou porque passamos a vida inteira pensando que ser feliz é a coisa mais importante e o real sentido de tudo o que há na existência. Logo em seguida, tentando esclarecer, ele nos perguntou se alguém se interessava em saber se Einstein havia sido feliz, ou Jesus Cristo ou Charles Darwin. Passado o choque isso começou a fazer um sentido descomunal. Afinal, estávamos aqui pra sermos felizes ou pra fazermos alguma coisa que nos significasse?


Músicos gravam discos, escritores fazem livros, fotógrafos deixam fotos. E todo esse material nada mais é que uma tentativa (louvável, quando não descartável) de permanência no Tempo, na História. Gilberto Gil fez administração de empresas. Tom Zé, lá de Irará, teve condição de estudar em Salvador por conta de um bilhete premiado de loteria que tirou sua família de uma situação difícil.
 





 

 






 Calma, as coisas estão meio confusas aqui.



















Acontece que por uma ligação óbvia, levando em conta o pensamento dominante na nossa sociedade, é nossa obrigação ser feliz e isso só é possível se cursarmos direito ou engenharia, talvez uma coisa mais moderna como publicidade e propaganda e ganharmos muito dinheiro com isso e rapidamente de preferência.  É uma porcaria de vida. É desestimulante. É opressor. Mas é a realidade da maioria que nos suprime.

A mim, ao menos, é degradante perceber o quanto isso está em evidência quando tomamos grande parte das nossas decisões. E do outro lado, aqui deste lado da linha, encontramos outros opositores, estamos comprimidos entre as pessoas que não queremos ser. Quando olhamos pro lado não queremos ser como os que vemos. Sabe, é por isso que a Tropicália fez e faz todo sentido.



“São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa ...” (Parte do discurso de Caetano Veloso no festival de 1968)

 

Por isso também os Dylans, os Tins e Bens e Tais.

E continuar levando porque o caminho será sempre feito like a rolling stone. 

4 comentários:

31 de março de 2010 às 07:18 Unknown disse...

Eu gosto muito de coisas vagabundas...
Prefiro ser feliz como Ivan Henrique a infeliz como Einstein.

31 de março de 2010 às 11:51 Anônimo disse...

Gil e o seu "caminho inevitável para a morte" - impulso primitivo do homem. Foi ele também quem disse "tem que morrer pra germinar, plantar n'algum lugar, ressucitar no chão nossa semeadora", "rebento simplesmente porque estou vivo". Quer coisa mais subversiva que a morte e a própria vida? ressignificar as escolhas, os passos dados, os caminhos tortos é uma forma de morrer também. Mas é nesse sentido de transformar tudo o que foi vivido em algo que poderá ser apropriado e des-re-construído por outras pessoas, em outros espaços e tempos. E, quando não mais para nós, ao menos para elas dar um sentido pra viver.
Curioso lembrar de uma aluna de direito, cabreira, que escolheu o curso porque um dia [acredite] pensou que esse saber hermético e, por isso também, opressor poderia ser decodificado e flexibilizado para se tornar acessível para si e para "os seus"/ "o nosso". tsc, tsc. Tomou na cara, "de cara" e de primeira. Oscilava entre o movimento frenético de "apreensão" [condicionado pelo padrão de ensino] e o de revolta com todo aquele "dever-ser" desconexo da realidade de muita gente [implacável] e conveniente pra pouca gente [flexível] - mas decisivo para ambas. Revoltava-se, evadia-se das salas de aula para que não a fizessem engolir güela abaixo aquela boa quantidade de absurdo e de apatia dos colegas.
Mas, concordando com essa idéia de que "felicidade é uma coisa vagabunda", e tendo saboreado o gosto de desencantos, ela tá por aí olhando em volta e, como não está só no seu desejo de ruptura das formas arcaicas de viver, tem ressignificado muita coisa, e por enquanto tem permancedido "torta" porque é o que afinal lhe faz sentido.
Salve, Maria.

31 de março de 2010 às 17:33 Marvin disse...

Dia desses pensava nesse mesmo assunto, quem não se lembra do filme "Uma mente brilhante", baseado na vida de John Nash, uma vida no mínimo solitária, onde até os poucos amigos que o cara criou tiveram que ser esquecidos, o que quero dizer é que concordo com o filosofo alemão Arthur shcopenhauer quando diz que a solidão é a sorte dos espíritos excepcionais, e por acaso há caminho mais rápido para a tristeza do que a solidão???
Apesar de que o próprio Einstein defendia a idéia de que a solidão era a perfeita companhia para um cientista.
Concordo plenamente com o texto, muitos hoje esquecem de "regar o seu jardim" e cuidar para estarem sempre bem, e procuram sempre se satisfazer com suas realizações profissionais, ou com pessoas sem rosto, levando uma vidinha sem emoção e sem sequer se darem conta disso, afinal de contas há algo mais emocionante que se entupir de trabalho e esquecer dos amigos? Ou melhor lembrarr deles para dizer que se está em um novo trabalho muito bem remunerado. Que trocar de namorado mensalmente?
A meu ver o sentido real de felicidade só é preservado por aqueles que ainda trazem a inocência de viver, a partir do momento que se tem consciencia de onde vivemos, as coisas mudam.

5 de maio de 2010 às 16:40 À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

Olá Dolores, seu texto é uma delícia!
Fico feliz(vagabundamente, rs) ao constatar que não é uma angústia só minha, ou umam reflexão só minha pensar sobre isso...Por isso que curto o desequilíbrio, ao equilíbrio confortável...Fazer o significativo, diferente, fora da unanimidade...pensar nos outros, não vender a vida pro sistema como diz um amigo meu.

Postar um comentário