“Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” é quase o começo de A Metamorfose do escritor Franz Kafka, romance no qual o personagem principal acorda metamorfoseado em um inseto (aparentemente, uma barata). Mas é também o título do quarto álbum de Otto Maximiliano Pereira de Cordeiro Ferreira, o Otto - músico pernambucano, nascido em Belo Jardim.
Otto de fato acordou de sonhos intranqüilos tendo que enfrentar por seis anos a batalha que é se fazer música neste país, tendo a carreira marcada por relações conflituosas com gravadoras. O músico diz que elas, as gravadoras, se preocupam muito com os números e que isso evidentemente tira muito da sua autonomia em relação ao trabalho que é realizado. A velha cobrança mercadológica que nunca teve muito a ver com Otto e com qualquer outro músico que tenha uma relação amorosa e respeitosa com a música fez com que este disco fosse lançado primeiro nos Estados Unidos do que aqui. O porquê? Otto afirma que aqui nem quiseram ouvir suas propostas. Já nos EUA o lançamento desse álbum foi motivo de disputa entre quatro gravadoras.
Acordou de sonhos intranqüilos, assim dessa maneira tão bonita e com o amor devotado neste disco, realizado de maneira independente, no estúdio de amigos e com a produção de, além dele próprio, Pupillo – baterista da banda Nação Zumbi. A gente percebe que o cenário musical pernambucano é marcado por um forte traço de fraternidade, sempre vemos um grande número de participações em discos e shows, é uma troca muito grande não só sentido de serem influenciados uns pelos outros mas em estarem fazendo aquilo juntos de verdade, numa construção coletiva. Neste cd Otto contou com a ajuda de amigos e mais do que nunca isso foi importante, pois ele pôde enfim assumir o disco em sua totalidade e fez um trabalho pontualmente seu: "É como se fosse meu primeiro disco. Contei com os amigos, não teve grana. [O cineasta Paulo César] Saraceni se ofereceu para fazer um clipe e [o artista] Tunga, a capa", completa.
Link para download do cd: http://lix.in/-74d9d9
O álbum conta com dez faixas e tem a participação da mexicana Julieta Venegas que canta em “Lágrimas Negras” de Jorge Mautner e Nelson Jacobina e “Saudade”. Em “Meu Mundo” quem colabora é Lirinha, vocalista do extinto grupo Cordel do Fogo Encantado. Participa ainda Fernando Catatau, guitarrista do Cidadão Instigado.
“Crua”, que abre o álbum, tem uma união interessante de orquestra e instrumentos de percussão. Mostra um pensamento de Otto de que seja impossível se apagar as lembranças (“Dificilmente se arranca lembrança, lembrança, lembrança, lembrança...Por isso da primeira vez dói, por isso não se esqueça: dói”.), deve ser por isso que o artista tem na sua obra os sons que o formaram sobretudo no passado, cultivando como relíquias sonoridades tradicionais passando até mesmo pelas cantigas de roda . “O Leite” traz a participação da cantora Céu. Além de conter uma releitura do samba-canção "Naquela Mesa", de Sérgio Bittencourt.
Dançante e melancólico, profundo, intenso. Com este trabalho, lançado no final de 2009, Otto se mostra mais maduro. Antes um pouco desconsiderado não sei por qual motivo exatamente, desde que conheci o álbum “Samba pra Burro” vi que Otto tinha muito pra dar, baixei seus outros discos e vi que não estava enganada. Talvez suas letras lacônicas, cheias de brechas e significações flutuantes tenham afastado algumas pessoas, além da sua sempre junção de música eletrônica e batuques – o músico é percussionista e foi dessa maneira que se manteve dois anos na França tocando nas ruas e metrôs de Paris -, vindo do movimento Mangue Beat, notoriamente irônico e inteligente, chegou a hora dele mostrar sua mais bonita fase.
Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranqüilos mostra que Otto de fato acordou e está aberto pro mundo.
“Crua”, que abre o álbum, tem uma união interessante de orquestra e instrumentos de percussão. Mostra um pensamento de Otto de que seja impossível se apagar as lembranças (“Dificilmente se arranca lembrança, lembrança, lembrança, lembrança...Por isso da primeira vez dói, por isso não se esqueça: dói”.), deve ser por isso que o artista tem na sua obra os sons que o formaram sobretudo no passado, cultivando como relíquias sonoridades tradicionais passando até mesmo pelas cantigas de roda . “O Leite” traz a participação da cantora Céu. Além de conter uma releitura do samba-canção "Naquela Mesa", de Sérgio Bittencourt.
Dançante e melancólico, profundo, intenso. Com este trabalho, lançado no final de 2009, Otto se mostra mais maduro. Antes um pouco desconsiderado não sei por qual motivo exatamente, desde que conheci o álbum “Samba pra Burro” vi que Otto tinha muito pra dar, baixei seus outros discos e vi que não estava enganada. Talvez suas letras lacônicas, cheias de brechas e significações flutuantes tenham afastado algumas pessoas, além da sua sempre junção de música eletrônica e batuques – o músico é percussionista e foi dessa maneira que se manteve dois anos na França tocando nas ruas e metrôs de Paris -, vindo do movimento Mangue Beat, notoriamente irônico e inteligente, chegou a hora dele mostrar sua mais bonita fase.
Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranqüilos mostra que Otto de fato acordou e está aberto pro mundo.
Fotos de Talita Miranda
13 comentários:
Massa, Dolores. Fico encantada com a disposição que os pernambucanos têm de, não só dar o ritmo, mas também misturá-los, mostrando como mundos 'aparentemente' tão estranhos* podem coexistir, no mesmo universo, em uma verdadeira...transa (ah-rá!) ou diálogo.
A mistura de música de raiz/regional, os batuques, os instrumentos da música erudita, os instrumentos de sopro...é de deixar qualquer cidadão 'instigado' mesmo.
Tava escutando esse álbum novo sem parar no dia anterior àquele em que resolvi aprender depressa a 'tirar proveito das manhãs em que acordar de sonhos intranqüilos'.
Portanto, acho muito apropriada, por vários motivos (que não caberiam aqui relatar), essa 'releitura' que Otto fez de 'A Metamorfose'.
* assim como Narciso acha feio o que não é espelho, a família de Gregorsamsa não conseguia encarar aquele ser assombroso que, antes parasitado por eles, viria a se tornar um 'encosto', um parasita para os próprios. E a história se repete.
[Ai, ai...Roda mundo, som e movimento. Vivendo em um mundo nosso e dos 'outros']
Gostei Dolores!!
O cara é genial de fato!!
Andei sabendo, que ele já está com o próximo disco em mente, e que a produção será assinada por Pupilo e Naná Vasconcelos!!
Espero agoniado!!!
Muito legal isso de reconhecer essa figura coletiva de se fazer música no Pernambuco. penetrando pelo universo musical de lá veremos que esse instinto fraterno fortalece e infinitualiza esse cenario.
Vou correndo baixar esse cd e ouvi-lo em stereo(hahaha).
É, Uyatã! Ele diz que "Certa Noite..." é o primeiro de uma trilogia, que é como ele considera que os três anteriores também foram.
Ah, obrigada.
Dolores parabéns pela "resenha",esperava anciosamente por esse disco e quando ele saiu superou as expectativas,na minha humilde opnião o melhor disco brasileiro de 2009 e ponto!
" Não precisa falar,nem saber de mim. E até pra morrer,você tem que existir."
Fazia tempo que eu não ouvia um cd tão bacana.
Otto é instigante. E as guitarras do Catatau( que também instiga pra caralho com a Cidadão) casam direitinho com as letras e toda atmosfera desse disco.
Não consigo enxergar todo esse talento nele. Mas o texto consegue estimular a tentar ouvir o cd completo.
Eu amo. Acho as letras surpreendentes. Frases isoladas ou amarradas em um contexto, são sublimes nesse CD. A voz se torna mero detalhe, até fica embotada pela musicalidade envolvente e pela melodia e poesia. Me arrepia Lirinha em "Meu Mundo Dança", por exemplo, musica perfeita!..Parabens Lolly, pela bela explanação.
Ivan vale à pena conferir o disco, é realmente muito bom, não sou fã dos trabalhos anteriores de Otto, mas este é excelente, assim como Hum barbaro, também concordo se tratar de um dos melhores discos de 2009, tem Vagarosa de Céu que é muito bom também, e nesse album ainda conta com o novo hype do momento Fernando Catatau, que produziu outro disco que está na minha lista de melhores de 2009 que é o Iê Iê Iê de Arnaldo Antunes. Parabéns dolores, belo texto!
Não sei se tem fundamento, mas após o relato de um amigo pernambucano, bom conhecedor do movimento Mangue Beat e da música produzida no nosso estado-irmão, voltei a ouvir ou ler o disco buscando essa percepção. Trata-se da percepção da melancolía relatada no (seu) belo texto. Segundo esse amigo os "sonhos intranquilos" de Otto começaram após separação com Alessandra Negrini (fofoca). Pois, não sei se há fundamento, além do tom melancólico. Este existe em vários albuns/artistas que tem as relações conjugais/sexuais mais diversas. Eu particularmente, seguindo o raciocínio desse amigo, ADORO acordar de "sonhos intranquilos".
Pois é, meu caro, os rumores do fim do casamento deles não são só rumores, de fato estão separados. Mas se isso é influência direta no tom melancólico do disco, acho que nem o próprio Otto saberá afirmar com alguma veemência! Rs
Mas evidentemente, como você bem tratou, é recorrente o amor e o sexo estarem presentes nas criações musicais de maneira direta e congruente com a vida pessoal do músico/compositor...
Obrigada!
...não entendi nada muito bem, mas achei genial a foto das agulhas gigantes, o cara ta fazendo acumputura na terra, é isso mesmo?
Bom, a foto que você gostou é a que compõe a capa do novo cd de Otto. O que é exatamente eu não saberia dizer. Tunga é o seu criador, ele é um artista também pernambucano.
Otto disse em uma entrevista que seus amigos falam que essa foto se trata dele espetando o olho do mundo ou alguma coisa assim. Enfim, Tunga, Otto e suas artes.
Quanto a tudo mais que você não entendeu, estou aberta para maiores esclarecimentos.
Postar um comentário