Conta Corrente: versos de quem repugna a poesia

"Quero em Feira/ cantar o meu poema/ e ser ridículo!"

Verso do poema Em Feira de Santana , de Ederval Fernandes

Em tempos de bombas atômicas e vuvuzelas, meus caros, é difícil fazer-se o silêncio. Eis que num dia desses, meu amigo e colega aqui da Transa Revista, Ederval Fernandes me aparece com um poema em mãos: “quero muito/desvendar/por que não vôo,/ por que não presta o meu poema...” Estes eram alguns dos versos do primeiro poema que eu li deste rapaz, e foram eles que me permitiram ver Ederval como um poeta, sendo amigo ele já era visto como poema há algum tempo. É um hábito comum fazerem as coisas pesarem menos escrevendo poesia, acho que sempre foi assim com grande parte destas pessoas que, injustamente ou não, recebem o título de “jovens”. Mas Ederval se destaca, se afasta desta grande massa de escritores fajutos e escreve com uma qualidade de gente grande.
No dia do lançamento da Transa Revista número I, o livro de Ederval Fernandes também foi lançado: Conta Corrente. O título pode ser justificado pelo fato do autor possuir estes poemas como formadores da sua riqueza. Seus versos (silenciosos) são significativos por expressarem o seu mundo individual, mas ressonar em tantos outros mundos, meus, seus, algures.

Feira de Santana é o pano de fundo, é onde tudo acontece em Conta Corrente e acredito que há um movimento que talvez ainda não se veja como tal mas que se configura como um movimento, os insurgentes feirenses. Gente que por alguma razão está junta, e produzindo arte, tanto na literatura, como na música e artes plásticas. Gente de Feira ou que se sente feirense e que quer falar de alguma maneira, mesmo que seja falando de si mesmo, desta terra formosa e bendita. A importância dos poemas de Ederval neste quadro atual é que eu, leitora de poetas feirenses, nunca havia visto nenhum outro que demarcasse o seu lugar da maneira vigorosa como Ederval faz. (“Quero em Feira/ andar por suas ruas,/ sentir incerto/ como um coração/ dentro do tórax/ da cidade, a beleza/ desta arquitetura/ oculta aos olhos,/ aberta às almas.”). É perceptível a sua vontade de se mostrar feirense, e de entrar pelas veias desta cidade cansada, mostrando que aqui além de pessoas também cansadas e das obras de Juraci Dórea que pululam o espaço urbano sem pedir licença (Graças a Deus!), existe também todo um emaranhado de vidas, de pessoas simples e que por isso mesmo acarretam nesta simplicidade todo o teor problemático e caótico que uma existência comporta ("Ás seis e meia/ da noite/ quando o ônibus/ Cidade Nova/Cis/cruza a praça do Tomba,/ vejo três enigmas em pé conversando entre si/e muitos outros sentados"). O cotidiano de Feira nunca foi tão bonito.  Uma vida que vai se revelando, a vida de uma pessoa daqui e que por ser daqui é uma pessoa do mundo, emociona.  Os medos e as angústias deste poeta feirense não são menores ou muito diferentes de um nova-iorquino na Quinta Avenida ("e se penso/ em morrer, / é ridículo?").

Demonstrando seu amor pela sutileza, Ederval faz uso de momentos que corriqueiramente passam pelos nossos olhos e transforma, por exemplo, a nossa manhã em “Manhã”, poema que dedica a “Vó Tintinha” : “Enquanto/ os galos/ passam/o café,/ minha/ avó/e os pardais/ tiram de si/ uma melodia/ de horas e luzes.”  É certo que me emocionei com a leveza de Eder, e com os silêncios que Conta Corrente fez ecoar em mim - tudo isso tem uma razão de ser, não nego. E não sei como explicá-la. Não faz diferença. O que sei é que ao fim de seus poemas um pensamento como “Meu deus, era justamente isso” me inunda.

Conta Corrente faz parte da nova coleção das Edições-MAC chamada Coleção Nova Letra. A edição ainda conta com uma bela ilustração de Tâmara Lyra (outro grande talento feirense); a visão dela nos impele a fazer uma associação entre o que ali está ilustrado e Ederval Fernandes - poeta que, não sei se pássaro ou se ninho, lança pelos ares uma boa nova desta Feira de Santana.



10 comentários:

16 de junho de 2010 às 10:49 M. Correia disse...

Ederval voa. Eu tenho um amigo que voa...

16 de junho de 2010 às 18:16 Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
16 de junho de 2010 às 18:18 Unknown disse...

Eu o admiro muito! Eder escreve muito bem.

17 de junho de 2010 às 07:20 all disse...

Fino! suicídio racional com um adendo a presença fora da mente! Publiquem um adendo "completo" na transa, para apalparmos as lupas verbais!

17 de junho de 2010 às 17:57 Marvin disse...

Parabéns por não ter aderido ao clichê... Você sempre surpreende.

18 de junho de 2010 às 05:39 Anônimo disse...

Pessoa preciosa como é a sua poesia. E me sinto mais em casa, em Feira, compartilhando 'sentidos' com amigos como ele.

18 de junho de 2010 às 05:39 Anônimo disse...

José Saramago morreu hoje.

18 de junho de 2010 às 06:41 Paulo Moraes disse...

Menos um Comuna no Mundo. A cada dia que passa nós diminuímos.

Um Salve à Saramago!

18 de junho de 2010 às 07:59 Anônimo disse...

minha esperança se renova [até mesmo nos dias que parecem ser os piores] e encontro um sentido para os sonhos que, enfim, voltei a ter, quando encontro alguém novo, com o olhar de quem é 'preposto a pássaro'.

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