Fenômeno no Twitter comprova importância da banda Los Hermanos



Algum filósofo disse: “Tudo pode ser mais útil do que sua utilidade primeira”. Concordo com esta afirmação e já adianto com um exemplo: o twitter, para além das suas funções já conhecidas, me foi útil para perceber a marca profunda que a banda Los Hermanos deixou no Brasil do final do século XX e início do século XXI. Dê login com seu twitter, vá na caixa de pesquisa e digite “carnaval”. É provável que se assuste: a maioria dos tweets, agora que já acabou o carnaval, possui a seguinte frase no seu conteúdo: “Todo Carnaval tem seu fim”. Como se sabe – não adianta negar, você sabe – essa frase é um verso e também título de uma canção dessa banda hoje mítica. As ocorrências de tweets com essas frases são muitas; algumas poucas da de Chico Buarque (“me guardando para quando o carnaval chegar”), mas nada que assuste. Vejamos alguns exemplos:

denitess: Todo Carnaval Tem Seu Fim (:

Mi_ushida: Todo carnaval tem seu fim...agora sim 2010 pode começar!!!!

emersonnnnnn: o véio....prq todo pobre zé ruela depois do carnaval coloca no nick: "todo carnaval tem seu fim" sejam mais criativosss....... [esse aqui foi mais, digamos, criativo]

lappiwish Ja dizia o barbudo "Todo carnaval tem seu fim" AINDA BEM

bento_magalhaes Getchoo, do Weezer = Todo Carnaval Tem Seu Fim, do Los Hermanos.

FilipeLour Todo carnaval tem seu fim... graças a Deus!

lila_melo RT @marinadebrito: porque todo carnaval tem seu fim? :/

lii_ra todo carnaval tem seu fim ♪ só pq acabou faz tempo e ninguém fez essa piada :( [ninguém???????????????????????]

tainatomaz Frase de msn mais usada no momento : "Todo carnaval tem seu fim..." , so no meu msn tem 5 com essa frase hauahuahauhahauahu

cakes__ Todo carnaval tem seu fim, já diria o grande Camelo.

garritoo Todo carnaval tem seu fim.... todo carnaval tem seu fim, é o fim, é o fiimmmmmm!!!


O mais surpreendente é que à medida que íamos vendo esses tweets (eu e Ederval), a cada minuto aparecia lá em cima “1 new tweet” com o mesmo conteúdo. Perceba na imagem abaixo (clique para vê-la maior):


Muitos jovens, hoje em dia, vivem uma vida paralela, aquela onde constroem seu sentimento em relação a Los Hermanos. Por que essa banda virou paradigma? Por uma questão de carência? Por falta de coisa melhor? Primeiro veio a paixão avassaladora. Todos eram loucos por Los Hermanos, sabiam todas as letras, tinham todos os discos, eps, singles, covers, gravações obscuras. Era a banda mais obscura de todas. Você dizia “Gosto de Los Hermanos” e seu interlocutor dizia “Só conheço Ana Júlia... e Primavera”, e você sentia o gosto da soberania, seu espírito atingia altos níveis de prazer ao considerar que aquele na sua frente era medíocre musicalmente. “Medíocre musicalmente”? Pode esquecer o “musicalmente”. Para os fãs de Los Hermanos, conhecer e não conhecer esta banda ultrapassava as noções de música. Nem sequer era religioso (como Beatles, como Nirvana); era uma questão espiritual, fisiológica, inerente à alma do jovem.

Los Hermanos não aparecia no Faustão. Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante eram Paul McCartney e John Lennon (e ninguém tinha vergonha de proferir esta comparação!). Los Hermanos já tocou em Feira de Santana. Todos os shows deles eram os mesmos rituais de insanidade do público; uma paixão doentia (mas pelo ninguém morreu, como uma fã num show de, se não me engano, KLB – seria KLB mais mítico que Los Hermanos então?). Porém, assim como as maiores paixões, essa também acabou. Amarante toca no Little Joy, uma banda que muitos acham boa e que a maioria desses muitos talvez não saiba o porquê (eu sei; você sabe?); Medina sabe-se lá o que faz; Barba tem mil projetos paralelos; Camelo tocou com Sandy e Junior e vai se casar com Mallu Magalhães.


A segunda fase foi a de Odeio Los Hermanos. Você agora acha horrível o fanatismo em torno dela, entra em coma quando ouve alguém dizer que Los Hermanos inovou porque usa metais nos arranjos; passa mal quando comparam as letras de Camelo às de Chico Buarque; se transforma quando comparam qualquer banda com Los Hermanos (até Quinteto Tati já acharam parecido). Se é músico, vai entrar em crise quando toda música que compor fazer melodias com versos seguidos de quebras dissílabas. Quando falarem sobre a banda num ambiente, você se orgulhará de berrar: “Deus é mais!”. Se tocarem Los Hermanos nas rodas de violão, “me retiro!”. O cara que descobriu o trocadilho “Loser Manos” se achou um gênio. Porém, mesmo esta fase passou.

A terceira foi a da indiferença. “Nem ouvi” é uma frase já clássica que muitos ex-fãs dizem em relação ao “4” (o quarto e último álbum da banda). “Nunca achei Los Hermanos uma banda realmente boa” é uma das mais mentirosas. Cresceu o deboche, o desprezo. Não mais ódio. Chegam a considerar que Camelo com Mallu Magalhães “já era esperado” e “bem típico”. E assim acabou a relação problemática com a banda Los Hermanos: com a indiferença total – não se toca mais no nome da banda. E, se hoje você encontra alguém no estágio do ódio, vai ficar incomodado; se encontrar alguém no primeiro estágio, vai ficar horrorizado.

Essa ligação está além da banda em si. A relação também é fortificada pelo contexto: Los Hermanos se tornou a principal banda no Brasil da transição para a maldita e mesquinha “era do mp3”. Não falo nem da discussão da pirataria. O que acontece é que, na passagem dos séculos, o mp3 e suas variadas formas de compartilhamento arruinou o que podemos chamar de “apreciação musical”;  o comum agora não é mais ouvir esmiuçadamente e por meses um único álbum, e sim ouvir uma vez só centenas de álbuns. O furor fetichesco para aumentar sua enciclopédia musical faz o ouvinte adotar uma postura que me parece pior que o próprio modelo de produção fordista. Los Hermanos, então, vem como a última banda (ou uma das últimas) onde as pessoas ouviam seus discos várias vezes, compravam os originais, gravavam as letras, discutiam os encartes, possuíam um apego material (este último, embora representativo, para mim não é relevante). As pessoas se sentiam felizes ao constatar que os hermanos lançavam álbum de dois em dois anos, e criavam expectativa: no ano seguinte tem eleição, copa do mundo, e cd do Los Hermanos. Por isso a banda ganha força e se torna mítica. A culpa não é dela. O sistema é bruto, mas o sistema do mp3 é pior ainda. Muitas pessoas possuem muitas roupas e não usam nem metade delas, mas sempre acham que precisam comprar mais. Com a era do mp3 acontece algo parecido. A nova onda é baixar mil álbuns (e deixar mais mil baixando), e nem sequer descompactar dez ou vinte; desses dez ou vinte, se ouvirá  cinco; dos cinco, só voltará mais uma vez, quem sabe, a um. Mas achará todos bons e os citará sempre que necessário quando se conversar sobre música com alguém.

Uma das maiores discussões já travadas: qual seria o melhor álbum do Los Hermanos?


E essas conversas se tornarão mais superficiais, e não será mais uma discussão sobre música, mas um duelo de enciclopédias para saber quem conhece mais. O mp3 vai matar a apreciação musical. Por exemplo, como é possível ouvir a discografia completa de Gilberto Gil em menos de um ano? Um amigo diz que pra ele é impossível, que nem em cinco anos, talvez, ele conseguiria. Mas tem gente que ouve cinco, sete, dez discografias completas por ano. Se você ainda não ouviu Beirut, você está atrasado; se não ouviu DonaZica, está por fora; se ouviu Madeleine Peyroux por agora, tarde demais: era pra ter escutado há dois anos atrás, no mínimo, porque agora até mesmo na novela ela já passou (o que seria, para muitos, seu atestado de óbito).

Ora, mas porque diabos eu tenho que conhecer tantas músicas? Para quê devo saber todas as músicas de Chico Buarque? Ninguém é obrigado a saber tudo, e essa é uma verdade absoluta; caso contrário, todos os homens teriam vida eterna. É por isso que existe a divisão dos trabalhos; as faculdades possuem inúmeros cursos, e não apenas um chamado Licenciatura e Bacharelado em Tudo. Não me importo em nunca ter escutado o Kind of Blue completamente. Não estou nem aí se foi lançado um novo álbum com músicas jamais gravadas de Jorge Ben; conheço o Concerto Brandeburguense de Bach nº 3; são seis, mas jamais ouvi os outros e tão cedo o farei. Prefiro mil vezes não conhecer a discografia completa de Gilberto Gil para, anos depois, alguém me apresentar uma música como “Pai e Mãe”, que eu não conhecia, e eu sentir uma sensação incrível, pela música que ela é, e pelo conforto em saber que “tinha que ser Gilberto Gil, esse grande artista”.

É por essas e outras que a música deve ser extinta, pois ela é uma grande mazela da sociedade. Música não é arte! Música é uma desgraça! Pronto, falei.

9 comentários:

22 de fevereiro de 2010 às 09:01 Raíssa Caldas disse...

Seu texto, desconsiderando o último parágrafo, está muito bom!
Realmente, hoje esse conhecimento é mais superficial e eu já, em muitos momentos me senti constrangida por no meio de alguns amigos desconhecer muitas das bandas citadas nas conversas. Por causa disso eu sentia que só conhecia mesmo Los Hermanos, na hora de falar sobre eles eu sempre tinha mais argumentos, e não é por nada não Daniel, mas pra mim o "4" é o melhor disco deles.
Eu cheguei a sorrir qando você comentou sobre Gil no penúltimo parágrafo. É melhor ser retardatário nessas situações por que a sensação que se tem diante do novo infinitamente melhor.
A culpa de eu gostar dos Hermanos é todinha do meu irmão, ele ainda toca com muita paixão as músicas deles.
Me empolguei com o seu texto.

22 de fevereiro de 2010 às 09:03 Raíssa Caldas disse...

esqueci do é antes do infinitamente.

22 de fevereiro de 2010 às 09:29 Daniel Oliveira disse...

Obrigado, querida.

Porém, confesso que a única motivação para eu escrever esse texto foi o último parágrafo, para mim o mais relevante até agora já postado nesse blog!!!!!!!!!!!!!!!!

23 de fevereiro de 2010 às 07:10 Bela Bahia disse...

Estamos na era do ctrl+c ctrl+v. Copie e cole.

Quem não copia, não cola, não gruda, não encontra eco para suas idéias.

Hoje em dia, ser diferente não é ser incompreendido. Ser incompreendido pressupõe que se é possível compreender, porém isso não ocorre.

Hoje em dia, ser diferente é ser incompreensível.

A linguagem e o pensamento contemporâneos estão se transformando muito rapidamente.

Há um esvaziamento de idéias e super-criação de símbolos.

Sai o argumento, a exposição lógica (que é coisa de intelectual chato)
e entram os
emoticons que pulam e piscam
símbolos e desenhos criados através de caracteres

Eu mesma estou cansada de comentar. Preciso é escrever um livro.

As micro-mensagens se proliferam e a incompreensão humana aumenta.


PS.: Tentei copiar e colar essa mensagem para salvar nos meus arquivos pessoais e percebi que esta tecnologia não existe aqui.

Coincidência?

23 de fevereiro de 2010 às 12:36 Anônimo disse...

Hum...acho que música é arte. Talvez o que leve você a defender o contrário, João Daniel, seja o fato de nossa geração não mergulhar muito fundo - não em pouca coisa, ou muita coisa, mas, sim, em valores, idéias, emoções estruturantes do nosso tempo. Ao contrário do que muita gente fez entre as décadas de 40 e 70...
Mas nosso tempo é vertiginoso, João. Você, que não é só João, diz-me: e agora? Ainda que seja em condições medíocres, música continua sendo arte. Não dá pra ignorar que ela está aí e o zumbido dela incomoda; a sua batida nos esbofeteia e deixa latente a marca do que não gostamos no nosso tempo: ser ou não ser um "loser"? ser ou não ser um sonhador? utópico? libertário? libertino? "deixa eu brincar de ser feliz"? "deixa eu pintar o meu nariz"? "olhe, não vá que é barril".
Aliás, eu nem posso dizer que não gostamos; talvez a gente não consiga (ou não se disponha) a explicar, somente.
Indo mais além, podemos pensar que alimentamos e confortamos aquele antigo sentimento de culpa por não se sentir capaz de ultrapassar/retroceder esse tempo.
Um amigo meu sempre me lembra de que não é à toa que algumas manifestações contemporâneas - que alguns entitulam como alternativas, populares, regionais, de resistência, de raiz etc. - possuem muito a referência dos movimentos das décadas de que falei. Tem gente aí dizendo "blé, o retrô virou moda!" ou simplesmente assumindo que é retrô. Para mim, são duas faces da mesma moeda. E a terceira banda, então? Simplesmente assume que gosta de ouvir músicas de décadas passadas e pronto. [e faz downloads também. e salva no pen-drive ou ouve nos MP-"ad infinitum".]

***
Pra quem imaginou que eu pretendia concluir: se enganou, porque não estou aqui pra escrever um manifesto das manifestações culturais de nosso tempo. Não estou "disputando" pontos de vista. Nem conseguiria. Querem um exemplo de qudo o que eu afirmei antes? Eu sou prolixa, sabe? E vejo que isso é uma característica minha, que tem muito a ver com a minha maneira de (sobre)viver nesse tempo. [como se lá no inconsciente quisesse simplesmente ignorar o girar, cada vez mais frenético, dos ponteiros do nosso tempo. Mas e daí? Vou me auto flagelar por isso? Eu gosto da transa. E aprecio no meu estilo.]

***
Bom, pelo menos finalizo dizendo que reconheço muito mais hoje em dia que a nossa geração até gosta de experimentar as vertigens. Mas está começando a dar sinais do descontentamento diante do que não é pleno. Seja com a beira da overdose ou com a abstinência, estamos começando a perceber que lidamos com o desgaste de ser uma geração de trans-ição, desejosos de uma trans-formação.

23 de fevereiro de 2010 às 12:54 Paulo Moraes disse...

Eu tenho medo de Couve!

24 de fevereiro de 2010 às 09:28 DSL disse...

Pouco ou nada restou pra comentar sobre o assunto. Contudo, sou impelido a reafirmar minha intransigente oposição à mercantilização da apreciação musical, tal como João Daniel diz. E quanto à extinção da música, meu caro João, é uma das duas salvações viáveis da mesma (por isso aceito e admiro a sua militância). A outra, tenho dito, é João Gilberto. Reitero: o João Mestre Maior Que o Silêncio Gilberto!!

6 de março de 2010 às 04:34 Julio Miranda disse...

O problema é cultural. Los Hermanos nunca fez boa música ou música nova, ao contrário, a música da banda não passa de uma colagem , de uma compilação harmônico-melódica de composições de outros autores desde Beatles até Reginaldo Rossi, mas até aí tudo bem. Gosto ( no presente) apesar disso , de várias colagens , digo, "composições" do "Los" e de outros "hermanos" por aí.Esse não é o problema principal e sim a falta de cultura generalizada e o desinteresse e desconhecimento pelo que e do que seria isso de verdade, tanto da juventude , quanto da sociedade como um todo, e não apenas no Brasil. Primeiro essa busca desenfreada pelo "novo", tanto para quem é "criador" quanto para quem é "consumidor". Isso é uma balela. Nada do que você ouve por aí é novo. Nem Beatles era novo (talvez Bach e ou Stravinsky sejam( fosseem )novos ) O resto é colagem/compilação ( até mesmo Júlio Miranda ...rsrsr). A consequencia disso é esse consumo vazio e quantitativo que coloca Los Hermanos e Parangolé no mesmo patamar. Vou parar por aqui senão...

17 de março de 2010 às 16:34 Jaitan disse...

Massa esse texto, pra mim carregado de doses esperança, desprezo e fascinação.

A arte está presente na música sim.
A música como uma ferramenta pode ser usada de acordo com o que melhor lhe convem, trazendo assim seus efeitos colaterais.

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