Futebol Moderno para o Mundo Moderno

|por Rafael Almeida|

A sociedade moderna é movida pela razão. Após o renascimento, o desenvolvimento das relações sociais, regidas pela ciência, busca oferecer um critério, um método e um objetivo para todos os campos da vida. É a era da efervescência científica. O que antes estava misturado ou embaraçado na sociedade é separado, medido e nomeado. Neste novo mundo, tudo que é mágico, artístico, místico e irracional está transformado ou em vias de transformação em algo objetivo. É o mundo administrado: na definição de Adorno, tudo que é irracional pode ser domado pela razão, pelo cálculo. Esse processo está presente nas artes e na religião, e no esporte não poderia ser diferente.

É bastante evidente que a magia do futebol está cada vez mais sendo “polida” pela objetividade do mundo racionalizado. Nesse novo contexto a magia pode existir, desde que esteja a serviço (convertida) do objetivo final, o ponto aonde se quer chegar. Nas artes, esse ponto é o lucro; no esporte, esse ponto são os resultados.

Demorou, mas o futebol moderno chegou de vez ao Brasil. Agora o resultado final é o único e exclusivo objetivo. O ditado “venceu, mas não convenceu” está em vias de extinção, visto que o verbo convencer está virando sinônimo de vencer. O primeiro passo para esse processo foi a chegada do campeonato nacional de pontos corridos em 2003, uma competição longa e sem decisão, na qual o time mais regular vence. A partir daí o “futebol do 1 a 0” passa a ser mais interessante. O novo modelo demorou um tempo para ser “digerido”, mas a mudança de conjuntura é evidente. Os técnicos que fizeram sucesso até meados de 2005 foram suprimidos pelo novo paradigma, cuja filosofia é “todo mundo marca, todo mundo apoia e o gol é uma questão de paciência”. Volantes que só sabem marcar não são mais bem vindos, nem armadores que apenas armam (estranho, não?). No ponto atual, até mesmo atacantes já marcam (vide Jorge Henrique, do Corinthians). É o chamado futebol retranqueiro. A nomenclatura não deixa de ser coerente, visto que uma partida na qual todo mundo marca fica amarrada, e o placar de 1 a 0 é o mais provável. Ainda que os volantes apoiem (novidade), é bem mais fácil ensinar um jogador a marcar do que a armar. Os times, então, inevitavelmente se tornam mais defensivos.

Esse estilo de jogo é mais eficiente, sobretudo no formato de pontos corridos. A consistência do time passa a valer mais que os talentos individuais. A magia cede espaço para o placar; os dribles são substituídos pelos lançamentos na área; a pressão dá lugar ao contra-ataque; quem acertou mais perde espaço para quem errou menos; e o gol deixa de ser uma questão de competência para ser questão de oportunidade. O cenário atual revelou novos talentos, os técnicos que seguem a nova cartilha dominam o esporte. Muricy Ramalho é o mais competente deles, mas outros nomes já estão em destaque, como Tite, o atual campeão brasileiro.

Para verificar como essa realidade já é bastante presente, basta observar os últimos times e técnicos que ganharam títulos importantes.

2006 – Campeão Brasileiro: São Paulo (Muricy)
2007 – Campeão Brasileiro: São Paulo (Muricy)
2008 – Campeão Brasileiro: São Paulo (Muricy)
2009 – Campeão Brasileiro: Flamengo (Andrade)
2010 – Campeão Brasileiro: Fluminense (Muricy)
2010 – Campeão da Libertadores: Internacional (Jorge Fossati e Celso Roth)
2011 – Campeão Brasileiro: Corinthians (Tite)
2011 – Campeão da Libertadores: Santos (Muricy)

Em todas essas conquistas o futebol apresentado esteve dentro do novo paradigma da retranca, principalmente as que vieram após 2007. O Flamengo de 2009 enganou muita gente por conta da magia do sérvio Petkovic, que protagonizou lances históricos. Mas o talento individual do armador estava submerso na retranca armada por Andrade, que na reta final da competição utilizou três volantes de contenção. Para não restar dúvidas a esse respeito, basta verificar os números. A arrancada que levou o Flamengo ao título aconteceu nas últimas 17 partidas. Dessas, somente uma teve placar elástico (3 a 0 contra o Coritiba).O Inter de 2010 dava sono assistir, pior ainda o Corinthians de 2011.

A ficha está caindo aos poucos. Este ano Abel Braga já compreendeu que jogando de forma ofensiva não se chega mais a lugar algum, e seu time já se enquadrou na lógica. Hoje sentimos sono vendo o Fluminense jogar, mesmo com Deco, Fred, Rafael Sóbis e Thiago Neves em campo. Não vamos nos deixar enganar por momentos pontuais (e inesquecíveis) como Santos 4 X 5 Flamengo em 2011. O novo paradigma é o futebol de resultado, do 1 a 0, dos três pontos. Quem persistir em bater de frente vai continuar convencendo e perdendo, como o Vasco de 2011, infelizmente!

Para finalizar, uma frase de um dos primeiros técnicos retranqueiros do país:
“O gol é apenas um detalhe!” (Parreira)

Rafael Almeida é Flamenguista, Economista pela UEFS e Mestrando em Ciências Sociais pela UFRB.

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