Considerações sobre os juros...

|por Giliad de Souza|

Frente a toda essa celeuma recente que o Brasil vem passando em função da “batalha dos juros”, algumas perguntas devem ser respondidas: i) o que de fato são juros? ii) O que determina a taxa de juros? iii) Qual a real importância de sua variação para o povo? Para apresentar respostas, penso que o melhor caminho é retornar a Marx.

No terceiro livro d’O Capital, Marx apresenta como a mais-valia, o excedente social produzido, se distribui entre os capitalistas. Ele inicia demonstrando essa distribuição entre os capitalistas industriais, tanto a equalização da taxa de lucro entre diferentes setores industriais, quanto pela equalização dos preços de produção, numa mesma indústria. Após, ele introduz nessa equalização da taxa de lucro outras formas de capitalistas, como os capitalistas comerciais. São estas classes que fazem o capital funcionar, ou seja, gerar (capital industrial – mediante exploração do trabalho produtivo) e realizar (capital comercial) a mais-valia. Só que dessa mais-valia gerada, uma parte ainda se transforma em juros (também em impostos, royalties, salário dos administradores das empresas, etc.).

Nas palavras de Marx, “uma parte do lucro [que se paga ao capital de empréstimo] chama-se juro, o que portanto nada mais é que um nome particular, uma rubrica particular para uma parte do lucro, a qual em funcionamento, em vez de pôr no próprio bolso, tem de pagar ao proprietário do capital”. Ou seja, um determinado tipo de capitalista é dono do capital, na forma-dinheiro, empresta-o para aquele o faz funcionar, mediante exploração do trabalho, tornando-se, ao fim do circuito, um volume de capital maior do que o início do circuito. Então aquele capital inicial retorna para mão do seu proprietário adicionado uma parte, que é o pagamento pelo empréstimo, ou seja, o juro. Assim, o juro é meramente uma parte do lucro que deve ser pago pelo capitalista (industrial ou comercial) que tomou emprestado ao capitalista, dono do capital, que emprestou. “O juro remunera o capital enquanto propriedade, direito sobre a exploração do trabalho, por outro lado, o lucro remunera o capital enquanto função, executando a exploração do trabalho”.

A taxa de juros, que significa a razão entre a parte adicional que deve ser paga ao emprestador (juro) sobre o capital total emprestado, é definida única e exclusivamente pela concorrência, isto é, pela quantidade necessária de capital a ser emprestado frente à quantidade total de capital disponível a empréstimo. Dessa forma, não existe uma “taxa natural” ou “taxa ótima” de juros, ou seja, não existe qualquer tipo de regulação ou lei econômica que defina a taxa de juros, a não ser a concorrência. Por isso, a taxa de juros é inequivocamente um produto da disputa intra-classe dos capitalistas. Ainda que o juro seja regulado pela taxa média de lucro, a taxa de juros é determinada apenas pela oferta e demanda de capital de empréstimo. No entanto, quando esta disputa adentra numa esfera de análise nacional, outros condicionantes importam, sobretudo aqueles que dizem respeito à regulação jurídica e às políticas macroeconômica.

Mas, o que de fato isto importa para os trabalhadores? Antes de qualquer coisa, é importante saber que a real antítese do capitalismo é entre capital e trabalho. O juro extingue aparentemente este caráter antitético, sugerindo que a real antítese é entre capitalistas financeiros/rentistas (aqueles que detêm a propriedade do capital) e capitalistas industriais/comerciantes (aqueles que fazem o capital funcionar). O rebatimento desta disputa sobre o trabalhador é indireto e diz respeito sobre as dificuldades em obter dinheiro. Quanto maior a taxa de juros, maior é a transferência da renda ao pagamento dos juros (endividamento pessoal) e maiores as dificuldades de se conseguir empréstimos (compras a prazo se enquadram neste caso).

E sobre o cenário atual do Brasil? i) É fato que essas sucessivas reduções da taxa de juros (taxa básica, cheque especial, financiamento de carros e imóveis, etc.) refletem uma substancial perca do poder de barganha e na correlação de forças dos capitalistas financeiros/rentistas. Possivelmente é o resultado direto da crise econômica nos países do centro; ii) Setores industriais, que estão numa posição mais favoráveis na correlação de forças, e que têm seus custos pressionados pelos juros, terão estímulos para ampliar a escala, possibilitando uma queda substancial do desemprego nestes setores; iii) Haverá mais estímulos para o consumo da classe trabalhadora em geral, tendo em vista que conseguirá acessar níveis de empréstimos que outrora não conseguia. Lógico que outras questões podem e devem ser ponderadas ao fazer este debate, rompendo os limites da discussão macroeconômica e de curto prazo, adentrando em espectros bem mais estruturais da economia do desenvolvimento.

Em síntese, juros é a remuneração pelo uso do capital-dinheiro tomado emprestado – uma remuneração pela propriedade do capital, e sua taxa varia conforme varia a oferta e demanda por capital de empréstimo.

Giliad de Souza é Economista pela UEFS e Mestre e Doutorando em Economia pela UFRGS.

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