Simona Talma - A moça mais vagal que há (Independente – 2008)

                                                                                               | Por Jó Patife|*

Nós há muito já sabemos que o blues não é dos estilos musicais mais populares por aqui. E se blues já é algo para poucos, imagine cantoras de blues no Brasil? É algo raríssimo. Claro que quando me refiro a blues em nosso país, sempre me refiro à coisa feita em bom português e com elementos que deixa a sonoridade mais abrasileirada. É! O blues tem esse diferencial de se adequar as dores locais, ajustando-se, de forma magnífica, à cultura onde ele “renasce”. E essa facilidade no geral se dá porque o lamento e a dor - premissas básicas do blues - são sentimentos comuns a todo ser humano em qualquer parte do mundo.


No caso das mulheres bluseras, sinceramente não conheço muitas no Brasil. As poucas que conheço não fazem nada além de covers, e quando se arriscam a gravar em português estão ainda naquela coisa de “versão brasileira Herbert Richard”. Não tentam reconstruir o blues com elementos nossos,  mas sim, traduzir de forma grosseira as vezes, o blues americano carregado de detalhes no cantar e no tocar que não são do modo brasileiro de fazer música.

Mas vamos ao que interessa. O motivo pelo qual fiz toda essa introdução é para apresentar para vocês, leitores da Transa, a cantora potiguar Simona Talma e seu disco “A moça mais vagal que há” lançado em 2008 . Mas, antes de ouvi-la, se desfaçam de um possível “pré-conceito” que possa surgir quando eu rotular o trabalho de Simona aqui comentado, como um disco de Blues. “A moça mais vagal que há” é uma obra belíssima, disco realizado com muito bom gosto, excelentes músicos, ótimos arranjos, e ela, a senhorita Simona Talma, fantástica, cantando de forma irretocável seus lamentos, decepções, ressacas, ódio e todo seu amor em um dos melhores álbuns que ouvi nos últimos anos. Simona é única, não há dúvida; sua mistura de blues tradicional com MPB, Rock e Jazz, somados a seu jeito despretensioso de emitir as notas e palavras a nossos ouvidos, são características que a torna peculiar. Nas letras está presente de forma muito forte temas que sempre foram cantados, ou chorados na história do blues, especialmente pelas mulheres que se aventuraram neste mundo por muitos determinados como masculino, mas que sempre teve presença feminina muito forte. A viagem que se faz nas 12 faixas que compõem o disco é cheia de nuances e balanços. Simona nos leva do céu ao inferno, e nos faz passear entre relações mal resolvidas, bares, a noite, felicidade e declarações de amor. “Quem sabe o que arde em mim sou eu, uma ferida exposta ao álcool de olhares fúteis” canta Simona já nos primeiros acordes do disco dando o tom do que virá nas canções seguintes.

Bessie Smith, Etta James, Billie Holiday, Elis Regina, Cazuza, todos estão presentes nesta miscelânea de influencias que compõe a estética musical da cantora potiguar, mas nem sempre só presente na sonoridade, mas também na atitude, às vezes num jeito debochado de cantar como Clara Smith fazia, às vezes cheia de paixão como Etta James. E ao que parece, todas essas características que compõe o perfil de Simona neste seu primeiro trabalho é algo que veio a ela naturalmente, não há imitação. O que a cantora fez foi “captar o espírito da coisa”, a energia, o jeito de fazer, sem perder o sotaque, reunindo tudo que compõe seu universo musical construído ao longo da sua vida em um disco muito sincero. O motivo pelo qual pedi a você que se desfizesse de todos os seus conceitos de um disco de blues, é que ao ouvir “A moça mais vagal que há” você irá se sentir em casa e irá perceber que quando despido da estética tradicional americana, o blues não se distancia em nada da nossa música, pelo contrário, se harmoniza com o que já estamos acostumados a ouvir e Simona faz muito bem isso, ela “naturaliza o blues”. Portanto, não perca mais tempo, baixe o disco e tire suas conclusões, e quando alguém lhe perguntar se você conhece alguma cantora de blues no Brasil, você agora vai poder dizer: “Sim, Simona Talma!”.

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* Jó Patife é graduando em Ciências Econômicas na UEFS e baixista da banda Clube de Patifes.

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