|por Rafael Peixoto|
É interessante como a nossa cultura popular (aqui
abro espaço para o cuidado que temos em ter quando classificar o que seria
popular, pois numa sociedade globalizada, o erudito e o popular passaram a se
misturar) vem passando por transformações e mudanças drásticas num cenário
sustentado pelo capitalismo econômico. No dia 27 de maio de 2012 estava
assistindo ao programa da Rede Bahia Revista, em que fez uma retrospectiva dos
acontecimentos do nosso estado e um tema que me chamou atenção foi sobre o São
João nas cidades mais conhecidas da Bahia, como Cachoeira, Santo Antônio, Cruz
das Almas, Amargosa, etc. Evidentemente que esses assuntos me interessam e
muito, afinal de contas, quem não gosta do “danado” dos festejos juninos? Quase
que todos. Mas, abri esse espaço para insultar algo que está mais que
inflamado. A situação da “Guerra de Espadas” cruzalmense.
A “Guerra de Espadas” cruzalmense é uma das festas (queima
de fogos denominada espada) mais conhecida no âmbito regional baiano e é ela
que promove a cidade no contexto nacional. Ou seja, Cruz das Almas é conhecida
nacionalmente como a cidade da guerra de espadas, pelo menos é o que se percebe
nos meses de maio e junho. Só para informação, a festa é sempre veiculada no
Jornal Hoje, Jornal Nacional, Record News, etc. Conhecida por sua expressão
visivelmente “perigosa”, ela compõem outros aspectos interessantes e pouco
conhecida, como a busca por adrenalina e o seu aspecto masculinizado, só para
darmos alguns exemplos. Além do mais, ela é um instrumento de geração de renda no
município. Muitos espadeiros (fabricantes de espadas) aproveitam essa temporada
para comercializar as dúzias de espadas no município e em outras cidades como
(Conceição do Almeida, Sapeaçú, Senhor do Bonfim, Mangabeira, Maragogipe,
etc.). É uma festa, portanto, de suma importância para muitos dos cruzalmenses.
Nos últimos dois anos o evento passou a ser alvo da
justiça, que entendeu o festejo como marginal à cidade. Segunda ela, “a festa
é ilegal devido ao uso de pólvora indevido, sendo reservado somente para as
Forças Armadas. Junta-se a isso, a falta de um local adequado para a
galhofada e a ameaça da festa para uma
cidade que busca aspirações modernas", é só ver que após a expansão da UFRB, a
cidade cresceu exorbitavelmente em vários sentidos, principalmente no aspecto
estrutural como; reformas de Praças, urbanização de ruas, quiosques
reformulados, instituições publicas novas, etc. Assim, a festa das espadas
passou a ser questionada e reanalisada por parte da justiça, que entendeu o
festejo como uma prática subversiva e marginal.
O que causou indignação por parte da população,
inclusive a mim. Entretanto mais indignação foi perceber como a festa foi tratada pela produção do Bahia
Revista – como um objeto pouco importante para a cidade. Na verdade, a única
questão foi informar que o festejo passou a ser marginalizado no município.
Ou seja, passou uma imagem negativa da festa para muitos dos telespectadores e
turistas que estavam acompanhando a reportagem.
No lugar da festa das espadas foi mencionado o
casamento na roça (que era praticado com guerra de espadas) e a levada da
zabumba (grupo de pessoas vestidas a caráter junino e que saem pelas ruas da
cidade com zabumba, triangulo e sanfona interligados num carro de som adaptados
pelos participantes). Evidentemente que diante dessas manifestações juninas, a
“guerra” de espadas é disparada como representação no município. Assim, fica a
duvida: o que há por trás das festas das espadas no município cruzalmense? Por
que a reportagem da TV Bahia não mencionou o histórico da queima de espadas
como a representação cultural de maior importância no período junino? Será que
existe uma política de combate à festa em apreço, com o apoio de parte da
opinião pública?
Vivemos, hoje, numa sociedade mecanizada, elitizada
e sustentada no mundo do capital. A indústria cultural assumiu um papel importante
na massificação de práticas culturais, assim, o legal é produzir e reproduzir
focando essencialmente na mercantilização da cultura. Alem disso, as festas viraram
espetáculos, os festejos juninos em Cruz das Almas são construídos
essencialmente para satisfazer os seus consumidores. Neles, há as produções
culturais da festa que organizam-as focando regras e acordos amparados pelas indústrias
culturais. A cidade hodiernamente valoriza as bandas mecanizadas contratadas
pela administração (pois vemos muito pouco os antigos forrós pé de serra como
atração musical), e referencia a festa do Bosque como um dos eventos de maior
aporte cultural e turístico na cidade.
Com isso, o festejo das espadas vai cedendo lugar
para o espetáculo da cultura de massas. A cidade deixa a prática popular das espadas nas
mãos da justiça, que passou a ser o instrumento que “julga” e opina sobre a galhofada
cultural cruzalmense, e valoriza o que, para ela, dá retorno e visibilidade
regional e nacional, até porque há muito dinheiro em jogo e muitos empresários
da cidade envolvidos.
Diante desse cenário apresentado, a festa das
espadas passa a ser um bem cultural marginalizado e em vias de extinção, muito
parecida com a capoeira e os batuques de negros do século XIX, que mesmo sendo
considerados como manifestação popular negra, por ser popular e não elitizado,
foram marginalizados pela elite local.
O que está acontecendo em Cruz das Almas é o retrato
da espetacularização da cultura, a mercantilização e mecanização da mesma, se
tornando o centro da comemoração junina. Como não bastasse aos instrumentos
dessa mecanização cultural, os meios de comunicação parciais também estão nessa toada fortalecendo os seus campos de disputas e a valorização do consumo e da indústria
cultural.
Portanto, não tenhamos duvida de que todos os anos é
ela, “A GUERRA DE ESPADAS”, que leva o nome de Cruz das Almas ao cenário
nacional, mesmo que de modo pouco analítico. Isso é um fato.
Quanto à situação atual da manifestação popular
cultural da queima de espadas, é necessário propor uma resolução democrática e
pública (audiência pública) com a presença de antropólogos, sociólogos, especialistas
da cultura, etc., sujeitos sociais, justiça, políticos e sociedade civil não
adeptas. Nenhuma justiça é demasiadamente capaz de julgar nem interpor numa
cultura de forma isolada. Ela precisa de discussões interdisciplinares, para
entender e compreender a cultura, para depois propor ou decretar um julgamento, Além disso, a festa das espadas não pode ser um instrumento político. Ela é
sim, um instrumento cultural do povo que os consideram como simbólica.
Portanto, os espadeiros merecem respeito e os meios de comunicação precisam de
mais ética profissional para conduzir reportagens dignas e imparciais.
Quanto à marginalização e estigmatização do festejo,
muito contundente pela justiça, diria que há meios de regulamentação da festa
na cidade. Acredito que uma discussão fundamentada pode resolver esse gargalo.
Precisa-se, portanto, de maior política cultural no município, colocando como
centro, principalmente a festa das espadas como objeto de representação
cultural.
Para finalizar, lembramos que a Constituição Federal
de 1988 adverte que: Art. 215. “O Estado
garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”.
Rafael Peixoto, Professor, Historiador e Mestre em
Ciências Sociais pela UFRB.
2 comentários:
Adorei o texto sobretudo pela oportuna discussão a cerca dos festejos juninos. Parabéns camarada!!
Grande Abraço
Enquanto a cultura de massa passar por popular, como fazer ?
Postar um comentário