Dilma e os Juros...

|por Gabriel Barbosa|

Algumas semanas atrás, o governo tomou a decisão de cortar os juros dos maiores bancos público do país - Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. A medida foi adotada na tentativa de criar competição no mercado de crédito, forçando a baixa dos preços (juros aos tomadores de empréstimos). Muito rebuliço causou a atitude do governo. A Febraban logo se pronunciou, a grande mídia também, mas logo cederam. Hoje a queda dos juros se expande para os bancos e instituições financeiras privadas, ainda que de uma forma lenta e com contrapartidas, como aumento de tarifas e diminuição de oferta de crédito.

Para quem é de, vive ou pensa a esquerda, a medida causou ânimo, mas o grau desse último varia bastante. Há desde os proclamadores da superação do neoliberalismo aos mais cuidadosos e descrentes. Eu particularmente não me posiciono entre os mais descrentes, mas estou bem mais próximo desses que dos entusiastas, e aqui pretendo explicar o porquê.

A medida sinaliza sem dúvida uma mudança na concepção do papel do Estado e da política econômica, mas ainda está longe de ser uma concepção de esquerda, é uma concepção “neodesenvolvimentista”. Também sinaliza uma mudança no perfil político do governo, do estilo mais negociador de Lula a um mais firme e tecnocrata de Dilma.

O perfil dilmista não é nem pior, nem melhor que o lulista, é diferente. Na atual conjuntura, Dilma se encaixa bem, especialmente depois da popularidade que conquistou após sua faxina ministerial em reação às denúncias de corrupção – o que mostra que para o brasileiro, o componente moral tem mais peso que qualquer outro, mas isso é outra conversa.

Dilma se encaixa bem nessa conjuntura por estar disposta a avançar - até certo ponto, óbvio - contra interesses políticos e corporativos para pôr em prática seus planos. Seus planos, por sua vez, no que tange a economia, seguem a orientação de uma nova corrente desenvolvimentista. Essa orientação entende que as receitas (neo)liberais foram/são insuficientes para se alcançar desenvolvimento econômico, e prega maior participação do Estado na economia, mas, por outro lado, não as refuta completamente, visto que seu horizonte teórico epistemológico deriva do mainstream da ciência econômica, embora não de todo.

Grosso modo, e aqui quem sabe um pouco de teoria econômica poderá me entender bem, o neodesenvolvimentismo herda idéias heterodoxas de pensadores como Keynes e Schumpeter, mas herdam também todos aqueles “microfundamentos” típicos da teoria neoclássica.

Para os mais leigos entenderem, os governos dentro desse pensamento são imprescindíveis e devem intervir, ma non troppo. O mercado é o senhor, mas ele possui falhas, descompassos e assimetrias, que devem ser corrigidas. Na prática, o governo continua sendo fiel ao ajuste fiscal e à ideia de que rupturas são nocivas (pois bagunçam as expectativas dos mercados), mas lança mão eventualmente de direcionamento de crédito, incentivos fiscais, políticas de incentivo à concorrência.

Além disso, há o entendimento de que o Estado não deve ser empreendedor, mas regulador e fiscalizador, e já podemos ver isso no recomeço da privatização de alguns setores e no esforço em aparelhar e fazer funcionar de modo eficiente os órgãos fiscalizadores e as agências reguladoras. Há a crítica de que essas já se encontram capturadas pelos grandes grupos, mas esse também é outro assunto.

Mas vamos voltar a falar especificamente de juros. A política de incentivo à concorrência via diminuição do custo do crédito ofertado pelos bancos públicos foi certeira, mas demorada (dez anos, pelo menos). No Brasil, o perfil do setor bancário é concentrado e conservador. Isso significa altas taxas de lucro e baixa oferta de crédito. A baixa oferta ainda é incentivada pelas altas taxas de juro básicas (a famigerada Selic) e o fato dessas taxas - por natureza de curto prazo - balizarem as taxas dos títulos do tesouro - por natureza de prazo mais longo – uma contradição existente na economia brasileira.

Para ser bem didático: imagine você banqueiro. Existe um negócio onde pode ser aplicado seu dinheiro e que te dá alto rendimento sem risco; esse negócio é comprar títulos de dívida na mão de quem nos últimos 30 anos foi excelente pagador, o governo brasileiro. Você também tem a opção, é claro, de outro tipo de negócio que é mais arriscado, que é emprestar seu dinheiro, mas a taxas de juro determinadas por você dentro de uma margem razoavelmente alta (uma vez que você é dono de enorme fatia do mercado). Qual será sua melhor estrategia? Se você pensa como nossos banqueiros, colocará boa parte do seu dinheiro nesse investimento seguro e emprestará pouco, a taxas bastante altas, para compensar seus riscos.

O governo portanto está fazendo a coisa certa, depois de muitos anos. Primeiro está diminuindo gradativamente a Selic, desestimulando os bancos a guardar dinheiro em forma de títulos do governo e consequentemente emprestar mais. Segundo, está “artificialmente” criando concorrência para forçar a baixa das taxas de juro oferecidas pelo mercado.

É ainda o começo. Os bancos ainda tem muita gordura pra queimar e não vão ceder com rapidez. Ainda, a queda da Selic pode não persistir, visto que ela ainda é o único remédio, na concepção do governo, para segurar inflação. Importante lembrar do terrorismo da mídia em relação uma possível volta da inflação, o que pressiona o governo a aumentar as taxas ao menor sinal de aumento dos preços.

Em outros fronts da política macroeconômica, a coisa continua indo devagar, senão parada. Apesar do aumento da tributação para o ingresso de capitais externos, jamais se cogitou um controle mais efetivo do fluxo de capitais, evitando entradas e saídas de natureza especulativa que, entre outros prejuízos, bagunça nosso câmbio. O superávit primário então, esse é “imexível”.

Apesar do maior papel do crédito direcionado, notadamente via BNDES, esse crédito é concedido majoritariamente para formação de grandes conglomerados, fortalecendo a centralização de capitais. Enfatizo que essa estratégia foi adotada pela Coréia do Sul, mas com firmes exigências de baixa de preços aos consumidores e principalmente de aumento de investimento privados em pesquisa e desenvolvimento. Por conta disso, os chaebols (conglomerados coreanos) dominam o mercado nacional, mas os prejuízos para os consumidores oriundos da queda da concorrência foi amenizado e a produção de bens intensivos em tecnologia cresceu exponencialmente naquele país.

O desenvolvimentismo repaginado é insuficiente para a retomada de um projeto de país, como aquele do governo militar (que era um projeto conservador e concentrador de renda, mas era um projeto). O que ele traz de novo em relação àquele velho é a responsabilidade fiscal, um menor “dirigismo” estatal e uma inédita preocupação com a assistência social (principal marca positiva do governo petista). Herdou do velho duas características perversas: a primeira, deixar em segundo plano políticas universais de segurança social e educação. A segunda, um traço autoritário. Antes que reclamem por ser injusto, não quero comparar de maneira nenhuma os dias de hoje com os da ditadura. Contudo, é possível notar que o governo segue sua agenda ignorando a sociedade civil e os movimentos sociais. Só são atendidos os pleitos e interesses que coincidem com os do governo, isso em plena democracia. Se alguém duvida do que estou falando, comece a reparar a (in)sensibilidade do governo às greves e manifestações.

Em suma, as mudanças da política econômica são sim, muito bem vindas, mas é bom estar alerta: elas não só podem durar menos do que o necessário, como também, ainda que durem, são insuficientes para consolidar um novo modelo econômico, preocupado em reduzir vulnerabilidades e promover maior justiça social.

Gabriel Barbosa é Economista pela UFBA e Mestre em Economia pela UFPR.

2 comentários:

5 de junho de 2012 às 12:07 Unknown disse...

Bom texto Biel.
Leva muito jeito pra Macro!!
Cleiton

14 de junho de 2012 às 06:24 Unknown disse...

Valeu, professor Cleiton. Qualquer dia eu vou a Feira pra gente resenhar.
Abraço

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