|por Roberta Costa|**
Defender a descriminalização da maconha é buscar uma política alternativa, que respeite a soberania do individuo sobre seu corpo e assim possibilite políticas publicas adequadas no caso do uso problemático. Não precisamos aceitar a repressão e a militarização como resposta, podemos procurar respostas mais humanas e libertarias. É preciso compreender que as drogas não são um problema em si, seu abuso pode ser. Em qualquer droga – inclusive as licitas, de bar, mercado ou farmácia – os efeitos dependem do uso, podendo ser benéficos, ou não.
Proibir o uso é o melhor jeito de enfrentar a questão?
A simples proibição, por sua vez, além de não impedir o uso, é criadora e fortalecedora do trafego de drogas – sem regulamentação quem manda no comercio é a violência, com lucro sem limites e sem qualidade dado o monopólio, criando um esquema gigantesco de corrupção que envolve a policia, o judiciário e o legislativo. O proibicionismo não permite o tratamento adequado quando o uso é problemático ou mesmo políticas publicas mais adequadas como redução de danos.
A proibição hoje mata muito mais do que o próprio uso de drogas: a guerra contra o trafico tem milhares de vitimas a mais do que o mal uso destas – no caso da maconha nem se fala, para morrer de intoxicação de THC é preciso fumas 900 baseados de uma vez: muitos tentaram, ninguém conseguiu!
A possibilidade de punição também é um instrumento de poder e de segregação social – no Brasil existem poucos dados, mas nos EUA os “hispânicos” representam 20% dos usuários e 58% dos condenados – a mesma realidade se reproduz aqui onde todas as classes sociais fumam maconha, mas quem vai preso é o jovem pobre, geralmente negro, o rico nunca vai preso por isso. A proibição também torna o trafico um negocio muito rentável, é uma mercadoria barata vendida a um alto custo para cobrir o perigo. Nesse sentido o trafico é quem paga os melhores salários nas periferias virando uma grande tentação para crianças e adolescentes, motivados também pela miséria e falta de empregos. .
É necessário atentar sobre o poder que se exerce na vida privada das pessoas quando se intervém com uma política de proibição. Todos deveríamos poder decidir, assim como escolhemos o que comemos, sobre que substancias vamos ingerir. O vicio é de fato um problema, mas a maconha tem a metade dos índices de dependência do álcool e um terço do tabaco; o próprio relatório “ La Dain ” encomendado pelo governo canadense concluiu que a maconha é menos prejudicial que o álcool. A defesa da descriminalização da maconha é uma luta pelos direitos civis e se assemelha muito a luta feminista pelo direito ao próprio corpo. O Estado deve apontar os riscos e pode intervir quando o uso de substancias prejudicam terceiros – como dirigir bêbado – mas ele não deve legislar sobre como utilizamos o nosso corpo.
Sempre que se coloca a defesa da descriminalização da maconha é comum o questionamento de que se ela não é a porta de entrada para as outras drogas. A resposta é não. A maioria dos usuários de cocaína e LSD usou maconha antes, mas mais de 90% dos usuários de maconha jamais experimentaram outras drogas – é normal as pessoas começarem pelo menos perigoso e o mais disponível, ou seja, talvez o álcool e o tabaco sejam mais parecidos com uma porta de entrada do que a maconha.
Por fim é bom lembrar que a escolha de que drogas serão permitidas, e conseqüentemente quais não serão, possui motivações econômicas, políticas, culturais (da cultura dominante), morais, religiosas e geopolíticas. Não podemos esquecer o papel que o “combate às drogas” cumpre para o imperialismo norte americano na América Latina.
Na guerra entre a policia, o trafico e o usuário, o único que não esta armado é o usuário. Precisamos de uma política pública que, diferentemente das atuais, o usuário não seja tratado como criminoso, doente ou alguém que não tem discernimento sobre seu corpo, pelo contrario, devemos respeitar o direito ao uso de seu próprio corpo e dar a assistência quando necessária.
Assim se reconhece que não existe uma resposta definitiva sobre alternativas ao proibicionismo, mas que ele não funciona é um fato. O mais importante nesse momento é estar aberto para dialogar sobre o tema. Se o proibicionismo não deu certo vamos debater o assunto de forma ampla, democrática, sem preconceitos e buscando o respeito à vontade individual, assim estaremos em direção da resposta mais equilibrada, ou seja, a melhor resposta para essa questão – que, definitivamente, não deve ser resolvida na bala.
* Em homenagem ao coletivo autônomo “DAR” - Desentorpecendo a Razão - pela importante iniciativa de se organizar para debater seriamente essa questão.
** Roberta Costa é estudante de Sociologia da USP e diretora de Mulheres da UNE.
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