Retrocesso no avanço

                                                                                       |Por Uyatã Rayra|








Obrigar uma pessoa que tenha sanidade mental a fazer algo que não queira é no mínimo imbecilidade.

O trabalho escravo, por exemplo, deveria ser transtornante - cada tarefa realizada espirrava ódio e rancor, como sangue esguichante a cada estalo do chicote. É óbvio que os frutos desse trabalho não apresentariam o mínimo de prazer ou eficiência, sem contar que muitos daqueles escravos sabiamente sabotavam as moendas ou ateavam fogo aos canaviais. Tal figura imagética, eu sei, nem de perto se assemelha com a obrigatoriedade do voto, embora, incinere em nós as labaredas da revolta contra a sujeição, a força, e a imposição.
Será então, que obrigar os indivíduos a votarem é uma medida garantidora da cidadania? Refletindo sobre a eficácia desta imposição, concluo que, pessoas que só votam porque são obrigadas incorrem em parcas alternativas, em sua maioria raquíticas:
a) Vendem seu voto;
b) Simplesmente não votam, e inventam qualquer desculpa na justificativa;
c) Votam em qualquer santinho que recebem;
d) Votam em branco;
e) Votam nulo.
   



De todas essas alternativas, creio que somente o voto nulo tenha algum respaldo, pois é o reflexo da resistência e insatisfação do eleitor perante o desprestígio desse pseudo processo democrático. Se pressupusermos que o voto seja um artifício de intervenção e participação ativa dos cidadãos nas diretrizes políticas do Estado - com o intuito de evoluir na repartição equânime da riqueza e do bem-estar social -, fica explícito que as alternativas “a”,”b”,”c” e “d”  são ocas e inférteis. Então, porque a idiotice se pereniza?
    
A obrigação do voto legitima o controle vigiado sobre as pessoas, e para que este se efetue, aplica-se um sem números de sanções como: multa, impossibilidade de renovar a carteira de identidade, de assumir cargo público, de se matricular na universidade pública, de obter empréstimos em instituições financeiras públicas... Assim, chego à conclusão de que o voto compulsório favorece, preferencialmente, os interesses do capital, pois este corrobora com toda essa rede de interdependência de obrigações, e, aliado a isso, utiliza os meios mais esdrúxulos de influência e compra de votos. Uma vez que, grande parte da nossa sociedade é carente, atrai-se facilmente às “benfeitorias efêmeras” ofertadas, revalidando assim, o recuo social.
    


A extinção da obrigatoriedade do voto não causará uma deterioração descomunal na cidadania. Quem tem consciência política, ou é beneficiário de qualquer candidato, jamais deixará de votar, isso é fato. Já a obrigação, perpetua e multiplica o voto ineficiente, frágil e irracional; não assevera de forma alguma a evolução social. Votar e ter consciência política não consiste necessariamente numa relação causal, mesmo que alterado a ordem dos fatores.  A conquista do direto de votar é sim um sucesso, a obrigação de exercício desse direito, retrocesso.

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