Como tomar o poder...no futebol!

|por Franklin Oliveira|
Gente, estou na maior “deprê”! Nem me mandem mensagens... Quando me lembro do tempo que passei na juventude maquinando como tomar o poder no Brasil e vejo o que esses “rebeldes” da OTAN fizeram em apenas seis meses fico puto da vida. Nos 70, quando li Princípios fundamentais de filosofia, de Georges Politzer, e entrei numa organização comunista minha vida mudou. Passei anos discutindo a revolução, Iá numas quarenta reuniões por semana. Tinha quase toda a coleção dos livros de Lenin, Trotsky, Mao Tse Tung e Che Guevara. Decorava as táticas e as estratégias e sabia tudo da Russia e da III Internacional. Só não sabia mesmo o que ocorreu no Brasil pro proletariado não fazer a revolução!


Pensamos primeiro na insurreição, quando as massas iriam tomar o Palácio do Inverno, não o de Petrogrado, mas o do Planalto em Brasília. Ficamos muito tempo nessa viagem de botar o povo na rua, só deixei de idealizar os operários quando contratei um para pintar o apartamento onde iria morar com Cybele e que me roubou legal. Quando ia na Fonte Nova só pensava em despertar todo aquele pessoal para a revolução.

Mas um dia alguém leu Regis Debray e achou que a solução era a guerrilha, foi assim que o pessoal começou a organizar a guerra popular. Nem lhes conto o tanto de viagens para o interior para escolher as áreas onde iríamos começar a luta armada. Em vez do operário, passamos a gostar  do camponês e de treinar com espingardas substituíndo os badogues da minha infância.

Alguns anos depois, quando cheguei numa reunião, me disseram que a última novidade era a “luta democrática”. A conjuntura tinha mudado e tínhamos de acumular forças para derrotar a ditadura, então a coisa mudou radicalmente. Guardamos as armas e as botas, deixamos de ler os guias militares e saímos à luz do dia frequentando abertamente sindicatos e partidos e disputando eleições.

Passei anos nessa brincadeira em que o argumento da força foi substituído pela força do argumento. Mas confesso que mudávamos de estratégia e a tal da revolução não vinha. De conversa em conversa ganhamos uma eleição sindical aqui, uma associação de bairro ali, mas parlamentar que é bom levamos dez anos pra eleger, e a maioria, pouco depois de estar lá no parlamento, nos deixava com a brocha na mão.

É por isso que me “bateu” depressão quando li o noticiário recente e vi que os “rebeldes” da OTAN fizeram em seis meses o que não fizemos em trinta anos. Será que eles se reuniam tanto quanto a gente? Não sei nem se podia com gente falando líbio, inglês, francês e italiano, dialetos tribais, isso sem contar os mercenários!

Mas o certo é que conseguiram e nos deram a “receita” pra fazer a revolução no Brasil. E olhem que nem precisa de muita gente pois isso atrapalha. A primeira coisa a fazer é arranjar uma meia dúzia de insatisfeitos com a situação e dar-lhes o status de “rebeldes”. Logo depois temos que fazer um programa político que, entre outras coisas, inclua a entrega de um bom pedaço da Amazônia e do Pré Sal para os Estados Unidos, a França, a Inglaterra e a Itália.

O restante é, como dizíamos antigamente, articulação política. Tem que esperar Obama estar em dificuldades no congresso e querer aproximar-se dos republicanos e procurar a CNN, a ABC e a NBC, dizendo a ambos que não aguentamos mais a ditadura de Dilma e estamos muito interessados em fazer parcerias com eles. Exigir que conste o nome da presidenta na lista dos terroristas, e aliás isso é bem feito, pois ela militou em uma organização concorrente no meu tempo.

Depois disso é só esperar para eles prepararem o clima. Tudo começa com umas notinhas, mas depois é que vem a informação mais pesada, espalhando para opinião pública mundial que está existindo no Brasil supressão das “liberdades”, “matança” da oposição, fabricação de armas de “destruição em massa”, e crimes de “lesa-humanidade”. Nem se preocupem com as grandes redes de TV e agencias de informação pois elas só farão copiar.

O próximo passo é arranjar um “pistolão” no Conselho de (In)Segurança da ONU para exigir uma resolução dura sobre a ditadura brasileira. Nem adianta desanimar pensando que nos 21 anos de ditadura militar ele nem aprovou uma resoluçãozinha condenando o país, mas isso foi porque não souberam operar com malícia. O negócio tem que ser mesmo por “debaixo do pano”, prometer repartir a PETROBRAS e a Amazônia entre os países aliados dos EUA e arranjar umas obras para os outros se absterem. E se o chato do Hugo Chaves aparecer, sempre se pode aumentar a lista dos terroristas...

Se houver muita chiada basta aprovar qualquer resoluçãozinha condenando o Brasil. Aí pode deixar a coisa com a OTAN que ninguém vai reclamar. E é certo pois “condenação” é para quem cometeu crimes e esses não podem ficar sem castigo, logo, bloqueia-se todos os fundos do país no exterior (para que não possa pagar os funcionários e que haja fome) e tascar bomba nele. Não sei porque não pensei nisso antes, tinha poupado muito treinamento e leituras. Agora é só mandar encomendar o terno de posse, posar na porta do Quartel general de arma na mão e jogar no chão o feio retrato de Dilma.

Mas se naquele tempo eu me preocupasse com a Bahia saberia que isso já tinha ocorrido no nosso futebol, na fabricação da crise que abalou o futebol baiano entre 1965 e 1966. Como todo mundo sabe em 1964 os “milicos” tomaram o poder na marra em 1964. O golpe atingiu a Bahia em cheio, afastando centenas de pessoas de seus empregos, prendendo e matando outros, destituindo políticos, sindicalistas, dirigentes de entidades e instituições e acabou a afetar também o nosso futebol.

Na época o negócio fugiu um pouco da receita da Líbia. Já tinham havido crises no passado, em uma delas o jornalista Cléo Meireles foi agredido por policiais no gramado do estádio da Fonte Nova. E em outra o futuro presidente da ABCD Moacir Nery foi agredido pelo próprio presidente da federação, o coronel Bendocchi Alves.

Nestas duas crises o comportamento dos Diários Associados foi o de jogar areia na questão, exigindo do comando militar a punição dos que participaram da agressão, e agindo nos bastidores para transferir o coronel da Bahia. Mas na crise de 1964 o jornal “soltou as cachorras”.

O campeonato estadual de 1964 começou em abril, quando havia muita gente presa em Salvador, e o Vitória saiu na frente ganhando o título do turno. Nessa época Cléo Meirelles começa a divulgar que um jogador rubro negro estaria irregular (o que depois não se confirmou) e que o clube iria perder pontos, acabou sofrendo uma agressão num ônibus, atribuída aos deputados Ney Ferreira e Henrique Cardoso (o "Henriquinho”), respectivamente presidente e diretor de esportes do EC Vitória.

A coisa engrossou mas, só esquentaria mesmo com a “invasão” dos Diários Associados que mereceu manchete de primeira página do Diário de Notícias:

Ney Ferreira e seus bandidos invadem “Associados” para matar os diretores

O jornal transformou o ato em tentativa de assassinato.  O motivo era fazer a imprensa e o rádio baianos, não intimidados com o crime, sob o mando protetor da imunidade parlamentar.

Na época a federação era dirigida pelo Bel. Renato Reis e o próprio general presidente do Conselho Nacional de Desportos-CND, Elói Menezes, comparece a Bahia pra “botar panos quentes”. Nesse clima a federação toma a decisão absurda (pois se tratava de um clube privado) de intervenção no EC Vitória. No entanto, passou-se duas semanas sem que o interventor conseguisse entrar na sede rubro-negra, que mas parecia a fortaleza de Kadhafi.

O CND, tendo em vista o impasse, suspende todas as atividades futebolísticas no Estado da Bahia, “até a solução do impasse”, e seu general-presidente passa um telegrama para o governador Lomanto Junior pedindo a sua interferência na questão. É a justificativa, tal como a do Conselho de Segurança da ONU, para que os Diários Associados deixem de falar do EC Vitória, logo estendida aos órgãos de imprensa local, à exceção do corajoso Esporte Jornal, de Luiz Eugenio Tarquínio e Fernando Protázio.

Dias depois o DN aderia a “firme decisão” da FBF de sustar a programação de jogos oficiais na Fonte Nova, embora continuassem ali a ocorrer amistosos de todo tipo, á exceção, naturalmente, os do EC Vitória. Continuava, por exemplo, o caça níquel também chamado de Torneio Lomanto Junior, e, cinco dias após a decisão pomposa do CND o Náutico viria ao estado empatando em dois gols com o tricolor para um público de pouco mais de seis mil pessoas, o que já constituía um indicador de que a crise chegava aos torcedores.

O mês de abril se inicia com a ida de uma comissão ao Rio de janeiro para tratar da crise, enquanto o Bahia negocia Gilson Porto para o Santos.  Enquanto isto o DN divulga... o Torneio Rio-São Paulo. Não se passa um dia sem que os clubes do Sul não tenham manchetes nas páginas esportivas divulgando as mumunhas deste certame, num evidente desserviço ao futebol baiano. E, finalmente, no mês de maio, se verifica a decisão do Campeonato Baiano.

Foi à primeira vez na história que os jornais não noticiaram um BA-VI. Na ocasião, após uma vitória para cada lado, o rubro negro, para decepção de grande parte da imprensa, recupera o título após sete anos, derrotando o seu arquirrival por dois a um, aliás a mesma contagem dos três jogos.  Os jornais, rádios e televisão ignoraram o título do Vitória, mas a torcida não estava nem aí. Eu mesmo comemorei a valer, inclusive sendo a única vez em minha vida que cheguei bêbado em casa.

Em junho os jornais puderam ocupar suas páginas esportivas com a realização do Miss Bahia no Ginásio Antônio Balbino.  Mas nesta estava até o pessoal de lá de casa que chegou cedo pra ver Marilda Mascarenhas da Associação Atlética ser eleita representante da Bahia no Miss Brasil. Começava o Campeonato Baiano de 1965 que, mesmo com todo o boicote da imprensa, seria o último certame equilibrado que tive a ocasião de presenciar. O governo anuncia que os funcionários públicos não terão aumento neste ano e o Bahia volta a superar a “proibição” de jogos, trazendo o Fluminense do Rio de Janeiro (pra perder por dois a zero) e o Vasco da Gama, no dia de São João (perdendo de novo, agora por três a zero).

Em julho O JORNAL Estado da Bahia mostrava imagens do planeta Marte e do futebol do Sul em suas manchetes. Ali parecia até que os clubes baianos não existiam excetuando-se os amadores. Em agosto a imprensa voltou-se para as Olimpíadas Baianas da Primavera (lembram-se?). Foi a gloria para os colégios da Bahia que todo dia estavam na “crista da onda” ocupando as manchetes de jornal como se os jogos amadores que fizeram fosse à coisa mais importante do mundo.

Em outubro, enfim, uma nota sobre o amistoso ocorrido na Fonte Nova entre os dois Botafogos, o da Bahia e o do Rio de Janeiro, que não podia terminar diferente que num empate em um gol. Na ocasião alguns times conseguem espaço pra os seus amistosos no interior que eram uma tentativa de jogar e escapar da falência. Enquanto isto o jornal Estado da Bahia anuncia a realização da festa do boxe baiano no “Balbininho” com a presença de Augêncio Almeida exatamente quando a FBF começa uma luta pra reduzir as taxas cobradas pela Prefeitura na Fonte Nova.                    

O início de novembro começava o sensacional super turno do Campeonato baiano entre Fluminense, Ypiranga e Botafogo, ganho espetacularmente pelo ultimo. Mas foi quando da convocação do selecionado brasileiro para a Copa do Mundo do próximo ano é que se viu a inconsequência da atitude da imprensa da Bahia. Pela primeira vez houve grande quantidade de atletas, 43, e até se abriu espaço para Pernambuco, mas os baianos ficaram fora.

O jornal Estado da Bahia se preocupava com assuntos mais importantes, como a instituição do horário de verão e a entrada em órbita do Gemini 7, mas quem estava fora de órbita era o jornal. Já o jornal Diário de Notícias começa o ano de 1966 sem sequer mais ter página esportiva. O Botafogo (BA) aparece no noticiário, mas, não nos enganemos, é em função de organizar um grito de carnaval em sua sede.

Abre-se um pequeno espaço na imprensa para as eleições da FBF onde há uma oposição que lança o presidente do Galícia, Graça Lessa, como alternativa, mas acaba vencendo Degrimaldo Miranda. E, nessa onda, acabamos por ficar sabendo da disputa do Torneio dos Campeões do Norte entre Bahia e Sport e que a seleção baiana infantil conquistou o III Campeonato Brasileiro de Voleibol. O jornal divulga a ação do grupo constituído do Fluminense, Bahia, Galícia, Botafogo e Leônico que teriam mostrado “acessíveis a uma solução conciliatória” na crise.

Três destes (Fluminense, Galícia e Leônico) vão a audiência ao governador relatar a crise. Mas as noticias do jornal merecem o mesmo crédito daquela que divulga no dia 12, copiada da UPI, que dá conta da “morte de Che Guevara” numa ação de guerra na República Dominicana, onde, aliás, desconheço que esteve.

Enquanto isto se verifica um sensacional super turno na Bahia, agora para decidir o campeão do segundo turno entre Vitória e Galícia, ganho pelo rubro negro, a imprensa divulga o Torneio Rio-São Paulo. Anuncia o roubo da Taça Jules Rimet e a instituição pela CBD do livro de ponto dos jogadores (ninguém merece!). A partir daí somente a seleção ocupa as suas páginas. Se o Esporte Jornal não existisse seria preciso cria-lo, pois foi ele quem cobriu as grandes finais do Campeonato de 1965 entre Vitória e Botafogo. Foram jogos sensacionais e muito disputados, onde o leão sagrou-se bi-campeão. Seria a última vez que o alvi rubro disputaria títulos no estado e esta seria ignorada pela imprensa baiana.


Em junho, no entanto, dois fatos se impõem ao jornal. No dia quinze o governo do estado baixa a Portaria 6362, assinada pelo diretor de educação e cultura Davi Mendes Pereira, fechando a Fonte Nova. E, três dias depois, é realizado no ginásio o Miss Bahia, sendo vitoriosa a representante de Ilhéus Florianael Portela. O campeonato de 1966 começa no campo da Graça, mesmo com a defecção de Bahia, Fluminense, Galícia e Leônico, com a conquista do primeiro turno pelo Vitória em dois meses.

Em julho começa a Copa do Mundo que já era quase assunto exclusivo do jornal, mas o desastre da seleção faz afundar o empreendimento. Sobra agora aos jornais voltarem-se para a Olimpíada Baiana da Primavera para poder preencher suas páginas esportivas. Até outubro não ouviremos falar de outra coisa.

Tudo levava a crer que iríamos entrar em outro ano com esta bendita crise. Mas, dois dias depois da proclamação da república essa mostrou que servia para alguma coisa: resolver problemas do futebol. E enfim sai a notícia tão esperada em manchete de primeira página do Diário de Notícias:

Futebol baiano retornou á normalidade.

Depois de quase dois anos abdicando de seu papel de informar o jornal publica, por exemplo, que: Dentro em pouco empresas de rádio, jornais e televisão, estarão novamente prestigiando nossas atividades esportivas, enquanto o público terá oportunidade de VOLTAR ao estádio da Fonte Nova para REVER seus ídolos e clubes preferidos.

Muitos torcedores, porém se surpreenderam com tais palavras, pois, independente dos Diários Associados, continuaram assistindo aos jogos e vendo seus craques. Mas o jornal, sem “se mancar”, envereda pelo auto elogio: A imprensa baiana e o público esportivo, QUE SOUBE COMPREENDER AS RAZÕES DO SILÊNCIO, deram assim um exemplo de unidade raramente observada em qualquer parte. Debita a resolução da crise ao enviado da CBD, coronel João de Souza Carvalho que é motivo de um “torneio da paz ganho pelo Galícia.

O pequeno público presente mostrou que os torcedores ainda iriam demorar pra entender que a crise havia terminado, e com toda a interferência das OTANs da vida, a Líbia, digo o futebol baiano continuou o mesmo. O EC Vitória volta aos jornais no dia 24 de novembro, depois de 21 meses e onze dias fora das páginas do Diário de Notícias.

Franklin Oliveira Jr. é desportista, escritor, professor universitário e criador do blog memorias da fonte nova.

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