A Esperança venceu o Medo


18 dias de mobilizações intensas, enfrentamento contra a ordem vigente, mais de 300 mortos, no entanto o Egito se libertou. Dias antes a Tunísia tinha nos mostrado que é ainda possível mudar a coisas e para desmentir a regra, o Povo Egípcio derrubou seu Ditador, que sempre foi apoiado pela maior Democracia do Mundo. Estas duas ultimas semana foram incríveis, mais uma vez vimos a História passar pelos nossos olhos e se fazer no presente e assistir pela Tv um povo se libertar.

É claro que o que vemos está um pouco distante da realidade, pois que nos mostra, apresenta tais fatos com seus olhos e julgamentos. Nesse sentindo precisamos buscar outras referência para entender o que ocorre no Oriente Médio, pois se ficarmos na dependência da Globo, Veja e Folha, acreditaremos que de um lado está a democracia e do outro a questão Islâmica. E não é bem essa dicotomia que está em jogo, e sim como este novo Egito se comportará em relação ao todo poderoso Estado de Israel e demais relações que constitui esta nação.


Aparentemente nos parece que a Democracia é algo simples, ou é Democrático ou não é, como uma Gravidez, não existe uma mulher meia Grávida. Entretanto a Democracia é muito mais complexa que isso. Por exemplo, nos Estados Unidos da América o seu povo não elege o Presidente diretamente, eles escolhem os delegados, e estes sim irão escolher o Homem mais poderoso do mundo. Por 25 anos escolhemos o nosso Presidente de forma também indireta, pelo famoso Colégio Eleitoral, no qual Tancredo Neves foi Eleito, em parceria com os militares, para a ordem voltar sob seus desígnios.

Assim quem dirá o que será este novo Egito é seu Povo, pois ele está organizado e não se divide apenas em democráticos e islâmicos, e sim em muitas outras visões de mundo, no entanto sua maioria é islâmica, como aqui, ainda, em maioria somos Católicos. Viva ao Povo Egípcio e Tunísiamo, pois eles nos provaram que a História não acabou e que mesmo a maior verdade do mundo pode cair.

17 comentários:

15 de fevereiro de 2011 às 07:29 Marcos Rosa disse...

O que penso ser mais interessante nestes movimentos, além do forma de organização (por meio das redes sociais) é o fortalecimento dos Princípios Democráticos e da Liberdade, ou seja, já não há espaço, no Mundo Contemporâneo, para qualquer tentativa de governo antidemocrático, pode até demorar, mas o povo se levantará.
E parece que outros povos estão se espelhando nos egípcios, já estaria na hora dos cubanos também defenestrarem a Vossa Majestade O Fidel.

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15 de fevereiro de 2011 às 15:19 Paulo Moraes disse...

Talvez isso não esteja acontecendo em Cuba porque o povo é livre e vive sua democracia, que não é a Liberal/Ocidental, e sim a do seu Povo.

16 de fevereiro de 2011 às 08:18 Marcos Rosa disse...

Livre como aqueles que morrem em banheiras no mar tentando fugir? Ou como Yoani Sànchez? ou até mesmo como os prisioneiros políticos que fizeram greve de fome e os outros que conhecerão o famoso Paredón? 1984 George Orwell acertou até o ano. Liberdade não é oferecer lhes o "bom caminho", liberdade é ofercer-lhes os vários caminhos e deixar que escolham.


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17 de fevereiro de 2011 às 03:52 Jhonatas disse...

Pouco útil à análise crítica fazer interpretações históricas baseadas em tipos ideais, como “liberdade”, considerados abstratamente... A comparação entre o regime político cubano e os predominantes nos países árabes é cabível com a ressalva que se constituíram de modo distinto do ponto de vista da participação popular, se relacionam com o cenário internacional de forma completamente diferenciada e têm uma dinâmica política interna com impacto divergente sobre os direitos da maioria da população (inclusive sobre os direitos de participação política). Por sua vez, a rigor, não é o fato de haver dissidentes em um regime político que o qualifica enquanto ditadura na acepção comum do termo, nem mesmo o tratamento excepcional dessas dissidências é condição suficiente para isso. Em todos os processos revolucionários houveram medidas consideradas, mais ou menos, violentas (não necessariamente de forma física) sobre as antigas classes dominantes e seus representantes políticos: expropriação econômica, cassação política, exílio, execução etc (ver 1789, 1917, 1949, 1959, 1973...). Aliás, aos olhos dos antigos dominantes, todas as novas medidas são vistas enquanto uma “agressão”, já que questionavam seus antigos e arraigados privilégios (penso, por exemplo, na abolição do direito à educação privada ou proibição de certos costumes de status). Basta lembrar o quanto um fazendeiro se sente “violentado” com uma ocupação do MST... Considerando que hoje a proposta mais progressista de democracia é a vontade da maioria em todos os aspectos vitais (nesse caso, a nossa democracia representativa não vale o nome), a questão não é se há dissidentes que se consideram “agredidos” mas se as medidas implementadas foram construídas efetivamente a partir da decisão esclarecida da maioria, reconhecendo a pluralidade de posições e expressando essa diversidade (o que não quer dizer encaminhar todas as posições). Evidentemente, essa não é uma forma de escamotear os muitos problemas do regime cubano, mas superar a débil e televisiva interpretação “Cuba é uma ditadura porque Fidel tá no poder desde 1959”. Diga-se de passagem, a idéia que a “liberdade” é poder eleger um representante político de 4 em 4 anos é, no mínimo, limitada: embora a disputa por representantes populares no Estado tenha importante função para transformar as coisas, sou socialista porque acho que em uma sociedade igualitária não precisaremos de Estado – descartaremos um poder supostamente acima da própria sociedade! Portanto, a questão de democracia e liberdade tem passado pelo desenvolvimento de sofisticadas formas de participação direta das classes populares (a maioria) e, nesse caso, a experiência cubana tem sim muito a nos ensinar em termos de democracia com seus conselhos de prédio, de rua, quarteirão, bairro etc. Por outro lado, o problema está na dualidade dessas e outras formas de participação direta com o modelo de partido único amparado no crescimento do aparato estatal, o que é anti-pedagógico para a população porque a inibe de cada vez mais assumir o governo de si e “soluciona” de forma artificial as reais divergências que existem sobre os rumos da revolução. Não aponto aqui nem parte dos condicionamentos externos para tal situação, lembro apenas que todas as tentativas de construção do socialismo foram forçadas à burocratização e conseqüente endurecimento do Estado por causa do cerco imperialista (para quem vive no mundo das fadas, onde o imperialismo não existe, recomendo ler algo ou assistir filmes sobre a experiência de transição democrática para o socialismo no Chile). Assim, considerar que o problema de Cuba é “não trocar Fidel por outro a cada 4 anos” é ler o mundo pelo “Manual para Ingênuos” do liberalismo da Globo. Da mesma forma, para o povo egípcio a liberdade não está em ter feito Mubarak renunciar, mas na possibilidade de exercer diretamente o poder sobre o Estado, a riqueza, os meios de comunicação, o acesso à arte e patrimônio cultural da humanidade, enfim, sobre o conjunto de uma nova e pulsante vida social.

19 de fevereiro de 2011 às 09:50 Marcos Rosa disse...

Olá Jhonatas e demais...

Quanto a origem dos regimes autoritários de alguns países árabes, sabemos que distingue da origem do regime cubano sim. Mesmo atentando para o fato que no Irã, a juventude e a população teve papel preponderante para a ascensão destes que aí estão no poder, ou seja, houve participação popular, assim como, inicialmente a população apoiou Fidel contra F. Batista, no entanto, assim como lá no Oriente, também ali na Ilha nem todos os direitos da população são reconhecidos, pois existe uma "casta de iluminados" que dirigem o país ao seu bel prazer.

"Direitos de participação política"- O que é isso? Reunião de condomínio? associação de bairros? participação política não é só isto. É sonhar, discutir e propor encaminhamentos econômicos diferenciados, é ter liberdade de iniciativa econômica também, inclusive ter liberdade para sair do país quando bem entender. É não ficar a mercê do mercado negro ou da benevolência do Estado, enquanto um pequeno grupo diz o que pode e o que não pode fazer, restando para a população apenas um horizonte de conformidade, ou encenação, ou presídio, ou fuga espetacular, ou Paredón. Participação política, não é só eleger representantes de 4 em 4 anos, mas é isto também. É a chance de poder optar por modelos diferentes. É a manutenção dos seus Direitos e Liberdades Individuais. De que adianta os "conselhos de rua, bairro, prédio" que decidem apenas questões cotidianas, são importantes, mas um país não se resume a isto. A população, a partir do Sufrágio Universal, pode dar rumos diferenciados a um país, seja na política interna ou externa, evidentemente que atualmente dificilmente um país, principalmente os mais industrializados, farão mudanças abruptas em seus encaminhamentos econômicos, porém existe um espaço de atuação da população que pode ter consequências diferenciadas no futuro. Vejamos o movimento dos trabalhadores no Brasil que começou com greves e a ideia de um partido, lá no fim da década de 70 e início de 80, proporcionando a ascensão de um operário a presidência mais de duas décadas depois. Por mais que a política econômica não se diferencie muito do seu antecessor o peso simbólico deste evento é enorme, e sua repercussão prática, social e econômica também. Afinal, um partido popular tem uma certa dívida com seu eleitorado. Em outras palavras, Liberdade está além da Democracia, mas precisa passar por ela, não que o melhor modelo seja o Liberal Ocidental, mas ainda assim supera o limitado modelo cubano, venezuelano e de algumas repúblicas árabes.

Optar em viver isolado do mundo, em um sistema econômico fracassado, submetendo sua população a racionamento, privação da produção tecnológica e cultural que agita o planeta, é uma atitude que se assemelha aos "Déspotas" que se aliam aos EUA apenas com o objetivo de aumentar sua força e manter se no poder, ao custo da submissão do seu povo.

Sociedade igualitária, seja lá o que for isto, se for buscada através de um Estado autoritário e cerceador da liberdade, certamente tende ao fracasso, passando a ser uma sociedade oprimida e carente, mesmo que seja este um Estado rico, e se for um Estado nos moldes da economia socialistas a situação da população será ainda pior.

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22 de fevereiro de 2011 às 19:52 Jhonatas disse...

Marcos e demais

Fico feliz com o aprofundamento da discussão, uma vez que ultrapassar a pauta televisiva é sempre passo incontornável para a crítica genuína. Todavia, me permita a expressão de pequenas diferenças de percepção.
A construção histórica de uma sociedade igualitária não é a idealização de uma maquete, sujeita apenas aos caprichos de uma mente que pensa “o que deveria ser”. Na prática, experiências alternativas à ordem estabelecida são radicalmente históricas, ou seja, são sujeitas tanto a avanços quanto a retrocessos no seu desenvolvimento em torno de propósitos políticos igualitaristas. Nesse sentido, é fundamental a crítica à forma como essas experiências se desenvolveram e, por isso mesmo, avaliar a experiência cubana de forma negativa é plenamente possível. Embora discorde do conjunto da sua argumentação, não tenho oposição de princípio à intenção de crítica. Não obstante, considero que uma “crítica” a uma experiência histórica que abdique da própria história não se sustenta enquanto tal. O que você considera “optar em viver isolado do mundo, em um sistema econômico fracassado”, eu tenho como objeto de reflexão necessariamente a partir das determinações contextuais mais amplas, ou seja, é impossível entender bem a experiência cubana desconsiderado os contigenciamentos da Guerra Fria, da derrocada dos regimes burocráticos do Leste europeu, do avanço do Neoliberalismo etc. Não que os problemas (e virtudes) da experiência cubana não sejam resultados de opções políticas, dos dirigentes ou do conjunto da população, mas “optar” me parece um termo simples demais para descrever o quanto essas opções políticas foram feitas no cenário que se tinha e não naquele que se gostaria de ter. Essa é minha primeira divergência de concepção de análise histórica.
Por sua vez, discordo da argumentação acerca do “racionamento, privação da produção tecnológica e cultural” a que população cubana supostamente estaria submetida. Sobre o contato com a produção tecnológica e cultural contemporânea, é oportuno lembrar que a intensidade do intercâmbio universitário de pesquisadores cubanos provavelmente supera o Brasil e curiosamente está em encaminhamento a cobertura total da Ilha com internet de banda larga (em parceria com Venezuela e outros países do Caribe). Acerca do racionamento é importante ter em vista que se trata de expediente econômico possível em qualquer país em maior ou menos escala, vide o período do nosso célebre “apagão” alguns anos atrás e as medidas tomadas à época. A questão em Cuba é que o racionamento é involuntário, previsto e debatido enquanto um problema político, já que não se trata do efeito de um equívoco administrativo (como o “apagão” brasileiro) – não custa lembrar o bloqueio econômico que esse país vivencia há décadas por política internacional deliberada dos EUA define um arco de comércio internacional muito restrito para a Ilha. Portanto, desconfio que dificilmente o “racionamento” e a “privação” são “objetivos” do regime cubano para sua população. Aliás, na contramão de uma noção menos superficial da política econômica cubana, a orientação foi sempre ampliar as possibilidades de consumo no país (salvo no período “Especial”, após a derrocada da URSS e avanço neoliberal nos anos 1990 porque o campo de relações internacionais de Cuba se restringiu ao extremo). Nesse caso, a minha divergência é pelo uso descontextualizado de um aspecto da realidade cubana.

22 de fevereiro de 2011 às 19:55 Jhonatas disse...

Continua:

Entretanto, mais problemático é a idéia subjacente ao comentário sobre o “fracasso” da economia cubana. Vejamos, a avaliação de fracasso é baseada sempre em um critério. Qual o critério utilizado? Ora, me parece que se o critério é liberdade econômica, entendida como “livre iniciativa”, o processo cubano realmente tem muito pouco a oferecer em termos de dinâmica econômica no nível do consumismo que marca as sociedades capitalistas centrais (e mesmo algumas periféricas, como o Brasil) – Diga-se de passagem, hoje a discussão ecológica mais consistente tem refletido sobre os efeitos destrutivos de uma hipotética (e inviável) extensão do padrão de consumo estadunidense ao restante da Terra. Contudo, o critério básico para uma economia socialista é a substituição do lucro pelas necessidades sociais enquanto eixo da produção e consumo. Nesse caso, Cuba tem inúmeros problemas, como restrição de tipos de produtos e morosidade na produção e distribuição de outros, mas foi com essa economia “fracassada” que o país assegurou pleno emprego, extinção da fome e miséria, níveis elevados universalizados de educação e saúde etc. Assim, Cuba com seu modestíssimo PIB resolveu problemas que atormentam as “bem sucedidas” economias capitalistas (inclusive EUA e Europa). Isso é fracasso ou sucesso? Aqui a divergência é pela falta de complexidade na abordagem, somado à discordância no juízo implícito: diante das múltiplas dificuldades em estabelecer uma economia socializada, Cuba deveria então aderir ao fácil caminho do capitalismo? É isso? Onde estaria então um elemento central de qualquer “sonho” político, de qualquer utopia: a capacidade de resistência, de se manter alternativa em tempos de consenso conservador? Leio Cuba a contrapelo, como já diria W. Benjamin... Interessam não só os seus resultados, mas a possibilidades inscritas no processo. Afinal, nem só eleições presidenciais têm “peso simbólico”...

22 de fevereiro de 2011 às 19:55 Jhonatas disse...

Continua:

Voltando à questão da “participação política” em Cuba, é preciso qualificar a idéia de “conselhos” já que parece haver uma incompreensão: um conselho é uma instância prioritariamente de decisão política ao contrário de uma “reunião de condomínio”, cuja atribuição é administrativa (embora com maior ou menor grau de politização). Na estrutura cubana, assim como em outras experiências socialistas, o objetivo era (é) que a democracia direta tivesse um papel tão (ou mais) central que a representativa e, por isso, um conselho de fábrica, por exemplo, é fundamental para o avanço da revolução porque é uma forma de autogoverno que serve de contraponto efetivo à possível burocratização de dirigentes estatais. Todas as tentativas de transição socialista tiveram problemas justamente em avançar nesse aspecto, impossibilitando assim uma efetiva redução do Estado. Dessa forma, a questão da democracia direta não é um elemento menor, mas o centro de um sistema democrático de fato. Na nossa sociedade, uma associação de moradores tem um papel político, ao mobilizar e reivindicar, mas não governa politicamente a área a qual está vinculada (salvo em situações revolucionárias). Por outro lado, sobre a democracia representativa em Cuba é importante ter em vista que: (a) existe direito de voto universal para qualquer pessoa com mais de 16 anos; (b) os candidatos são definidos em assembléias públicas; c) o voto é livre, igual e secreto; (d) só são eleitos canditados que obtém mais de 50% dos votos válidos; (e) há eleições para todos os órgãos representativos do poder de Estado; (f) os mandatos são revogáveis a qualquer momento por vontade popular; (g) os deputados eleitos para a Assembléia Nacional têm mandato de 5 anos; (h) entre os deputados eleitos da Assembléia Nacional elege-se o Conselho de Estado e seu Presidente; (i) o Presidente do Conselho é Chefe de Estado e Chefe de Governo; e (j) as organizações sindicais, estudantis, de mulheres, sociais e dos próprios cidadãos têm direito de iniciativa legislativa, requerendo 10 000 assinaturas de eleitores para tanto. Portanto, existe democracia representativa efetiva em Cuba, o que não há é eleição direta para o cargo que equivale a Presidente no Brasil. Não obstante, se esse é o critério supremo de discussão sobre democracia (o que não considero) o mesmo parâmetro deveria ser utilizado para analisar os países com eleição indireta para presidente, como EUA ou a maior parte dos regimes parlamentaristas e monarquias constitucionais européias. O problema não é criticar Cuba, mas fundamentar a suposta crítica no senso comum televisivo – aquele mesmo cuja moeda corrente é “dois pesos, duas medidas”: por exemplo, todos os países que apontam o Irã como uma “ameaça nuclear” possuem os maiores arsenais nucleares do planeta! Vejo a mesma debilidade no argumento midiático em torno da Venezuela, uma vez que o sistema político de lá tem se complexificado bastante nos últimos anos. Mas, é claro, isso não importa já que o problema venezuelano é Chavez!

22 de fevereiro de 2011 às 19:56 Jhonatas disse...

Continua:

Por fim, resta a capciosa questão sobre o que é uma sociedade igualitária. Tal questão remete à relação geral entre democracia e capitalismo, obviamente ligada à questão se a “situação da população será ainda pior” em “economias socialistas”. Primeiro, sem me alongar no argumento, se observado o processo de expansão do sufrágio do século XIX para cá, os liberais dirigentes dos países capitalistas não demonstravam qualquer intenção de ampliar os processos de participação política às classes populares. Não à toa, os primeiros regimes de voto eram censitários, ou seja, dependiam da renda dos indivíduos. Foi o movimento de trabalhadores e trabalhadoras que conquistou, com avanços e recuos, a consolidação de um sistema de sufrágio universal de massas. Assim, não há qualquer relação natural e inevitável entre democracia política e capitalismo – no século XIX, na Europa, o “partido” da democracia era antagonista do liberalismo típico dos capitalistas. Para ser ameno, o capitalismo parece pouco afeito a um requisito básico à democracia: a igualdade concreta para além da igualdade formal. Achar que a igualdade de direitos individuais formais entre Eike Batista, com seus 27 bilhões de dólares, e um trabalhador rural, com sua força de trabalho, garante decisão democrática de “rumos” é desconhecer o poder econômico enquanto fundamento do poder político. Portanto, com capitalismo não é possível democracia de verdade, já que quem tem mais influencia mais. Em segundo, realmente nunca na história humana houve tanta riqueza produzida, mas a idéia que a “livre iniciativa” de mercado proporciona uma situação melhor do que a economia socialista parece frágil à luz da realidade mundial. Pensemos o ano de 2009, com base em dados da “revolucionária” ONU e suas agências: (a) 1,02 bilhão de pessoas são desnutridos crônicos; (b) 2 bilhões de pessoas não tem acesso a medicamentos; (c) 884 milhões de pessoas não têm acesso à água potável; (d) 925 milhões de pessoas são “sem teto” ou residem em moradias precárias; (e) 1,6 bilhões de pessoas não tem acesso à energia elétrica; (f) 2,5 bilhões de pessoas não são beneficiados por sistemas de saneamento, drenagens ou privadas domiciliares; (g) 774 milhões de adultos são analfabetos; (h) 18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria de crianças menores do que cinco anos de idade; (i) entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação no PIB mundial de 1,16% para 0,92%, enquanto os 10% mais ricos acrescentaram fortunas em seus bens pessoais passando a dispor de 64% para 71,1% da riqueza mundial. Basta dizer, a título de ilustração, que mesmo com todos os seus problemas econômicos (que não são poucos) nenhum desses indicadores se aplica à realidade cubana. Nesse sentido, não se trata de considerar Cuba um paraíso terreno, mas sua existência se relaciona ao projeto de uma sociedade igualitária: mulheres e homens conscientemente envolvidos na construção, com erros e acertos, de uma nova sociabilidade onde a igualdade formal seja a expressão de condições de igualdade concreta entre as pessoas e, por isso mesmo, a desigualdade não seja o pressuposto do exercício da diferença.

4 de março de 2011 às 11:04 Marcos Rosa disse...

Jhonatas e demais,

Foram vários os pontos interessantes em sua última postagem, entretanto tentarei me ater apenas a alguns deles, em virtude da dupla espaço tempo.
“é impossível entender bem a experiência cubana desconsiderado os contigenciamentos da Guerra Fria”
Também acredito que Cuba só tem algum destaque mundial – principalmente no ainda relutante debate capitalismo X socialismo - em virtude das ações tomadas pelos seus dirigentes no século passado. Se estes dirigentes se colocaram de um lado no embate é correto esperar decisões que façam jus ao lado que tomaram, e foi isso que naturalmente fizeram. Não julgo e nem poderia julgar esta tomada de posição, estando aqui no conforto do século XXI. Entretanto, o que critico é: diante dos rumos tomados, diante das decisões anteriores, e estes rumos, inegavelmente, não se tornaram mais agradáveis frente a atual conjuntura: no sentido da ausência de liberdade individual aos cidadãos cubanos, penso que seria este o momento para repensar o caminho que Cuba deveria tomar. Nos tempos atuais os valores democráticos são universais e estão postos em paralelo com o valor a Vida e a Liberdade. Que modelo de democracia estarão dispostos a adotar, só os cubanos dirão, porém que seja uma democracia ampla que garanta plenamente os direitos e liberdades individuais; é impossível imaginar uma sociedade que se afirme livre ao mesmo tempo que barreiras são impostas aos seus cidadãos: por exemplo o direito de ir e vir. Direito a propriedade privada, descentralização Estatal, liberdade de expressão são objetos de luta de personagens do distante século XIX. Me sinto solidário aos árabes, que deram suas vidas por liberdade política, que não querem ver seu país personificado na figura de um Ditador, assim como, espero que um dia Fidel e sua trupe sejam expulsos da direção de Cuba, que as novas cabeças, tomem a direção e falem por si, escolham seguir o caminho que quiserem, não o que os viúvos de uma ideologia ultrapassada desejam.
Não adianta cuba projetar uma cobertura de banda larga para ilha, quando uma quantidade irrisória dos seus habitantes pode comprar um computador, e pior, o usuário estará a mercê do olhar fiscalizador e sempre atento do “Grande Irmão”.
Não se trata de oferecer resistência a evolução da História em busca de uma sociedade menos injusta, mas sim, no meu ponto de vista, de apontar a inaplicabilidade do modelo cubano, tanto na perspectiva econômico quanto política. “Os conselhos” têm poder de liberar as fronteiras para quem quiser sair de Cuba? Tem poderes de mudar o rumo econômico de Cuba? Ou os Conselhos só decidem o que racionar?
Quais são nossas necessidades? Pão e água? Quanto vale nossa liberdade? Qual cidadão hoje que tenha experimentado a “dor e a delícia” do nosso mundo burguês, estaria disposto a abdicar dos seus valores conquistados ao longo dos últimos 200 anos? Lá em Cuba, apesar dos “Conselhos”, a decisão final quanto ao rumo político e econômico do país não é dos “liberais” ou “grandes empresários” ou do “povo”, mas sim de uma elite “iluminada”, da “vanguarda revolucionária”. Ou seja, de que adianta colocar-se nos extremos? Nem uma Ditadura Socialista nem uma Democracia Liberal Irracional. Concordo que “não há qualquer relação natural e inevitável entre democracia política e capitalismo”, pois a História não é um sistema que funciona perfeitamente como uma engrenagem. Se existem grupos que estão se beneficiando da conjuntura, dificilmente abrirão mão do seu poder, a não ser pela força. E os avanços que conquistamos ao longo destes séculos- inclusive o Estado de Direito - foram através da luta (seja ela qual for). Daí acreditar que uma sociedade socialista extinguiria a necessidade da luta, resistência, que com ela, naturalmente, os avanços estariam a mercê do cidadão é um “conto de fadas”. Assim como, acreditar que o Capitalismo é a Caixa de Pandora da humanidade.

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10 de março de 2011 às 15:30 Jhonatas disse...

Marcos e demais,

Após breve interlúdio carnavalesco, retomemos nossa pequena discussão acerca de Cuba, democracia, capitalismo e alhures.
Como de costume, tento começar do começo para não me perder: não me parece que a experiência cubana tem a sua relevância atrelada somente ao felizmente distante cenário da Guerra Fria. A Revolução Cubana e seus posteriores desdobramentos merecem atenção pelo simples (mas não corriqueiro) fato de ser uma reivindicação de uma sociabilidade diferente do capitalismo. Essa simples opção política, e aqui realmente estamos no campo da escolha, implica um caminho muito distinto do habitual na relação com todos aqueles aspectos que fazem a complexidade de uma sociedade: saúde, educação, lazer, política, artes, trabalho etc. Como é óbvio para qualquer pessoa que já participou da tentativa de transformar uma dada prática coletiva, isso exige um grau bastante elevado e deliberado de esforço para construção de novas condutas e tal processo é conflitivo porque necessariamente se choca com as práticas “naturais” herdadas da velha sociedade ou antigos hábitos de grupo. Nesse caso, creio que a experiência do povo cubano interessa para quem acha possível aprender com os processos concretos de transformação social, especialmente aqueles cuja orientação explícita é superar o mercado enquanto parâmetro das relações humanas como é o caso de Cuba.
Por sua vez, é inegável que muito da projeção de Cuba se relaciona ao “relutante debate capitalismo X socialismo”. Entretanto, antes de aprofundar as razões do amplo sentido positivo que atribuo a essa relutância, cabe uma brevíssima nota histórica. Tendo como ponto de referência a década de 1960, os anos 1970 e notadamente a década de 1980 (salvo no Brasil) marcaram um crescente período de desmobilização das forças de contestação anti-capitalistas e anti-imperialistas. Com esse quadro somado ao desmantelamento dos regimes burocráticos do leste europeu, o dito “socialismo real”, não faltaram intelectuais em todo o mundo que apregoaram a “supremacia do capitalismo” de diferentes formas: “o marxismo não é mais uma teoria explicativa válida”, “o socialismo é um sistema fracassado”, “essa história de luta de classes é coisa do passado” etc. Alguns foram ainda mais longe afirmando, no início da década de 1990, o “fim da história” – viveríamos agora em uma época de inexistência de projetos políticos que conseguissem rivalizar com o modelo de sociedade de consumo e democracia representativa ocidental (leia-se estadunidense). Como é evidente, essa posição ideológica tinha (e tem) como juízo subjacente a idéia que a discussão capitalismo versus socialismo é “ultrapassada”. Em um campo teórico um tanto mais ingênuo, o pós-modernismo acadêmico, a ladainha habitual foi acerca do “fim das grandes narrativas”, ou seja, a impossibilidade de grandes projetos de transformação estrutural de uma sociedade. Ora, para desespero de muitos, o que observa-se nesse começo de século XXI é justamente a retomada da contestação ao capitalismo, processo que tem assumido formas multifacetadas (inclusive, a reivindicação explícita do socialismo), mas também a agudização das crises econômicas inevitáveis desse sistema social. Nesse cenário, felizmente é sempre recolocado o “relutante debate” por um motivo simples: a nossa dita sociedade de mercado, ou puramente capitalismo para os menos acanhados, é social e ambientalmente destrutiva e, portanto, não serve para garantir bem-estar para a maioria absoluta da humanidade e à preservação de nosso planeta. Nesse sentido, é também evidente que a própria realidade em que vive a maioria dos seres humanos forçará o debate sobre alternativas para a situação. Historicamente, “socialismo” é o nome reivindicado por projetos e experiências que tentaram superar o capitalismo, sociedade baseada no trabalho socializado mas na apropriação privada da riqueza produzida por esse trabalho coletivo.

10 de março de 2011 às 15:32 Jhonatas disse...

Continua:
Em uma sociedade assim, a desigualdade social não é acidente de percurso e por isso, felizmente, a “ideologia ultrapassada” do socialismo irá assombrar permanentemente todos aqueles que querem dormir com a consciência reconciliada nesta ordem de desiguais que é a sociedade do capital. Portanto, acho mais quem bem vindo o velho debate socialismo versus capitalismo, prova inconteste que não fomos imbecilizados ao ponto de tomar uma forma histórica de nossa sociedade enquanto a natural ordem do mundo!
Vejamos, por seu turno, a questão da “universalidade” dos “valores democráticos” e sua relação com Cuba. A universalidade desses valores se refere ao quê? Sua aplicação? Sua aceitação? Ou ao consenso universal sobre o que são? Gostaria que apontasse, para sustentar que atualmente “os valores democráticos são universais”, em qual país contemporâneo a polícia (e o restante do aparato repressivo) do Estado Democrático de Direito não é mobilizada para conter algum tipo de manifestação de um movimento social? Aqui o privilégio não é apenas brasileiro, afinal imagino que você já tenha observado o democrático tratamento dado aos aposentados, estudantes e trabalhadores europeus nas manifestações ocorridas na última crise econômica mundial? Além disso, me parece que em nenhum dos três casos a palavra “universais” tem validade, uma vez que há amplo dissenso internacional e social em todas essas dimensões. Para ilustrar, o direito à propriedade privada deve ser um direito universal? Se o sentido de “propriedade privada” estiver associado a ter bens de consumo (roupas, eletrodomésticos, casa, carro etc.) creio cabível pensar que esse direito enquanto uma possibilidade (digo “possibilidade” porque no capitalismo em muitos casos não passa disso!), mas se o sentido for de controle dos meios de produção (terras, fábricas etc.) julgo que deveriam estar sob propriedade social e coletiva já que para produzir precisam de trabalho coletivo e o que produzem é para uso da sociedade. Em um caso como esse, que reproduz mais ou menos a legalidade de um Estado socialista, há o respeito ao direito à propriedade privada? Eu avalio que sim, mas é muito provável que um empresário discorde radicalmente disso. Aqui, o caminho que sugiro é de maior reflexão para não tomar aspectos singulares da legalidade de um tipo de sociedade como “universais”.
Quanto à Cuba, até onde posso perceber do meu desconfortável lugar enquanto trabalhador no século XXI, o seu regime político é mais democrático que a maioria dos países do restante do mundo, por conjugar democracia social, representativa e direta em proporção bem maior que a média da “comunidade internacional”. O que, como dito anteriormente, não significa dizer que não tenha problemas: já apontei os impasses no avanço na democracia direta e os limites da democracia representativa em Cuba, por exemplo. Ainda assim, seguindo a questão sobre “respeito ao direito de ir e vir” novamente o que se espera no uso de exemplos é um certo rigor histórico, ou seja, qual o contexto em que as atuais restrições de circulação internacional de cidadãos cubanos se estabeleceu? As restrições à circulação, já que não há proibição, estão relacionadas a duas condições históricas básicas:

10 de março de 2011 às 15:33 Jhonatas disse...

Continua:
(a) desde 1959, ano da revolução, diversos países suspenderam relações diplomáticas com Cuba, o que tornou obviamente a ida a esses países formalmente uma “fuga”; e especialmente (b) os setores sociais contra-revolucionários, amplamente amparados pelos EUA, diante da falha do uso de força armada (tentada várias vezes) contra o regime instituído com a Revolução passaram a investir na desestabilização através do esvaziamento de “recursos humanos” da Ilha, especialmente acenando com a possibilidade de se estabelecerem em Miami (exemplo emblemático é o caso da fuga em massa de médicos após a Revolução – os cubanos tiveram que “se virar” com apenas cerca de 25%). Principalmente considerando “b”, o governo democraticamente instituído de Cuba estabeleceu uma série de restrições visando garantir o funcionamento de serviços essenciais ao conjunto da população cubana, a questão relevante de fato não é discutir abstratamente essas restrições mas sim se hoje continuam tendo sentido para propocionar o bem estar à maioria da população. Mas é claro, tal questão só é admissível se o parâmetro de direitos não é exclusivamente individual, ou melhor, individualista. Nesse sentido, é plenamente possível “imaginar uma sociedade que se afirme livre ao mesmo tempo que barreiras são impostas aos seus cidadãos” se for para garantir que as “liberdades individuais”, que são direitos amparados na possibilidade de seu usufruto coletivo generalizado, não se tornem privilégios que prejudiquem a maioria da sociedade. Curiosamente, Cuba é cercada por México, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Haiti mas os EUA (notadamente Miami) são o alvo daqueles “que morrem em banheiras no mar tentando fugir”. Deixo a sugestão para pesquisa do porquê dessa pequena “curiosidade” histórica, uma vez que entendê-la ajuda a elucidar o cenário concreto em que medidas de força são mantidas em Cuba. Por outro lado, expresso também minha posição sobre o problema específico: não creio que seja mais necessário, no quadro atual das relações internacionais, qualquer restrição à circulação da população cubana e, nesse âmbito, avalio que a manutenção de tal medida (bem como outras) corresponde mais a burocratização do Regime cubano do que a uma necessidade social. Não custa lembrar, para recorrer mais uma vez ao mal tratado conhecimento histórico, o quanto o alinhamento à URSS custou em termos de imitação do modelo burocrático soviético. Sustento tal posição não porque Cuba não continue a enfrentar ataques internacionais, mas porque a população cubana tem educação política para enfrentar como sujeito esses ataques e suas consequências.
Para me alongar ainda um pouco mais, há uma última questão complexa que merece certa reflexão: “adianta colocar-se nos extremos?”. Em primeiro plano de análise, discordo da oposição - “Ditadura Socialista” e “Democracia Liberal Irracional”. Se é socialismo, é democrático no sentido de democracia que já apontei anteriormente: conjugação radical de democracia formal com democracia concreta, articulado por processos decisórios que garantam o interesse da maioria social. Se não caminhar nesse sentido, não é socialismo. Por sua vez, o que critico na Democracia Liberal não é qualquer “irracionalidade”, mas justamente o fato de sua racionalidade ser o pressuposto de uma sociedade desigual: a igualdade formal como “igualdade de oportunidades” é a própria ideologia que recobre a imensa disparidade existente, é o limite de intenções do capitalismo – somos iguais perante a lei e dane-se o resto das desigualdades! Sem dúvida, a existência de um Estado Democrático de Direito enquanto uma esfera pública de conflitos de interesses, constituída por lutas históricas das camadas populares, garante certos direitos relacionados à igualdade de condições e de defesa ante a sanha dos dominantes. Ainda assim, isso nem longe significa uma arena que oferece condições iguais de disputas de interesses. Jogamos um jogo, bem ou mal a depender da correlação de forças, mas com regras que não foram feitas por nós.

10 de março de 2011 às 15:34 Jhonatas disse...

Continua:
Afinal, em um mesmo lance, o Estado Democrático de Direito estabelece a vida e propriedade enquanto direitos fundamentais, mas o que prevalece na prática? Dessa maneira, não creio que esse Estado tenha que ser o limite das nossas aspirações por igualdade. Em um segundo plano de análise, baseado no campo da escolha política, se a questão dos “extremos” se refere à oposição entre capitalismo e socialismo, respondo, embora isso possa parecer não muito elegante, com outra questão: onde fica a “coluna do meio”? Ou melhor, onde fica o “muro”? Entre uma perspectiva e outra para o que sociedade deve ser, escolho o socialismo. Há um bom tempo tem corrido muita tinta para achar o que já se chamou de “terceira via”, o que diga-se de passagem era mais das proposições de um capitalismo “mais humano”. O problema é que as relações sociais básicas do capitalismo (que nem precisam estar no papel necessariamente) têm alguns pressupostos inevitáveis, dentre outros: (a) desigualdade social, a partir do fato de alguns controlarem privadamente os meios sociais de produção da riqueza e outros serem apenas donos de sua força de trabalho (sendo, por consequência, explorados pelos primeiros); (b) ultra-concentração da riqueza social, transformada em capital a ser investido de acordo com interesses particulares de lucro (que faz com um resort de luxo seja construído em detrimento de um parque para lazer público, por exemplo); (c) irracionalidade da produção, já o seu planejamento é feito sob a perspectiva das metas de acumulação privada das empresas capitalistas concorrentes e não a partir das necessidades sociais (ilustração admirável disso é, nos constantes casos de super-oferta de um produto, a sua destruição para elevar os preços mesmo que milhões de pessoas precisem dele). Próprio de quem acredita em fadas é achar que essas características nefastas podem ser contidas pelo Estado Democrático de Direito, como se o direito criasse o conjunto das relações sociais (e não o contrário) e o próprio Estado não fosse vinculado aos interesses da classe social que controla os meios de produção da riqueza. Para desvanecer essas e outras ilusões, recomendo o documentário The corporation – filme que aborda a forma de operação das empresas capitalistas e sua relação com a legalidade. Infelizmente, tal filme não passou na tv e muito menos no cinema de nenhum shopping, por isso, imagino, não tenha sido objeto tanta atenção... Por seu turno, é claro que sempre há a opção de “subir” e, portanto, a crença que as condições competitivas da sociedade capitalista (a dita “livre iniciativa”) garantem conforto para os mais “aptos”, “empreendedores”, “espertos” ou seja lá que nome se dê para aqueles que conseguem galgar posições na senda da mobilidade social individual. Afinal, Sílvio Santos está aí para provar que é possível “dar certo” no capitalismo. Bem, me parece evidente que o socialismo sempre parecerá “ultrapassado” para todo mundo cuja vida reside em uma confortável aceitação do sonho de um dia “chegar lá” ou consideram, efetivamente, que lá chegaram. Todavia, minha preocupação reside com a imensa massa anônima daqueles que não chegaram e não chegarão porque há uma verdade simples nas entranhas da nossa sociedade: se todos se tornarem patrões, quem trabalhará em uma sociedade baseada na exploração do trabalho? Em outras palavras, no “topo” não tem espaço para todo mundo. Isso tem consequências drásticas para a maioria da humanidade, forçada a formas de privação, exploração e subalternização em aparente paradoxo com a abundância que a cerca. Para bilhões de pessoas nem mesmo pão e água estão garantidos, mas, com certeza, nossas necessidades vão bem além disso: elas são históricas, ou seja, o próprio atendimento de uma necessidade gera diversas outras, materiais ou não. A questão é por que, enquanto espécie, precisamos ainda viver em estado de racionamento generalizado para a maioria enquanto uma minoria controla a maior parte da riqueza humana?

10 de março de 2011 às 15:38 Jhonatas disse...

Continua:
Pensemos nos bilhões de pessoas cuja preocupação central do dia é a fome ou a subsistência elementar (mas também na nossa “nova classe média” preocupada com as contas): quantos artistas, cientistas, atletas deixaram de existir porque bilhões de vidas humanas estão presas à faceta mais medíocre da existência? Realmente somos mais que pão, água e contas, por isso o capitalismo não contempla a humanidade já que não pode oferecer muito mais do que oferece hoje para a maioria humanizar-se. Para a maioria, no nosso mundo burguês, as “dores” superam em muito as “delícias”. Evidentemente, não faltam aqueles que se deliciam com as migalhas... É claro, pode-se pensar “mas e a Europa?”, com seu chamado Estado do Bem-Estar, “não seria um modelo de capitalismo mais humano?”. Desde sua origem, o capitalismo é uma forma histórica em constante expansão internacional, ao ponto que hoje se trata de um “sistema-mundo” com desenvolvimento desigual e combinado. Assim, para não me alongar, existiria Europa do bem-estar sem dominação colonial na África-América-Ásia? Sem a ação contemporânea das transnacionais européias? Em resumo, sem imperialismo e consequente apropriação da riqueza de outros povos? Não há qualquer indicação disso. Somado a isso, como vimos durante a crise econômica mundial, a Europa não foge à regra de que os “de baixo” são aqueles sacrificados quando se trata de salvaguardar os interesses de valorização do capital.
Por fim, como a essa altura já se evidenciou, ante a barbárie do capital e sua valorização de alguns indivíduos escolho o socialismo como projeto histórico de valorização de todos os indivíduos. Diante de certos equívocos, também é importante ressaltar que o socialismo, cuja lógica é ser um processo de transição rumo a uma sociedade sem exploração e opressão, não é a promessa de uma sociedade onde não faz mais sentido lutar porque as contradições acabaram (coisa nunca dita por qualquer político socialista ou livro que tenha lido!). Obviamente, à luz das experiências que tentaram superar o capitalismo, conflitos continuarão a existir porque a própria realidade se desenvolve de maneira contraditória e as diferenças individuais e culturais persistirão. Contudo, a idéia é que a resolução da maioria dos problemas materiais imediatos e redução drástica das horas de trabalho possibilitem o engajamento, mobilização e luta em torno de problemas que não sejam mais tão grosseiros quanto “o pão nosso de cada dia”. Por sinal, se se quer acompanhar temas que têm gerado crescentes debates, mobilizações e manifestações (sim em Cuba há manifestação de rua!) é importante ter em vista as fortes relações de racismo, de sexismo e de homofobia na Ilha. Ora, todas essas questões são profundamente conflitivas em Cuba, inclusive porque implicam em reivindicações muito concretas em termo de política de Estado e proposição de reformas políticas. Como boa parte desses movimentos apontam, é necessário transformar o regime através de pluralismo partidário, ampliação da democracia direta, estímulo à organização de meios de comunicação populares, reorganização da economia etc., mas não do “retorno da velha sociedade injusta e segregacionista de outrora” (palavras do insuspeito de simpatias ao regime Carlos Moore). Em suma, também espero que o povo cubano prove que é necessário revolucionar a própria revolução em direção ao socialismo e continue servindo à discussão internacional sobre alternativas ao capitalismo.
Hasta la victoria siempre!

27 de maio de 2011 às 18:41 Marcos Rosa disse...

Olá Jonatas e demais,

As discussões em blogs, sites, fóruns virtuais possuem uma peculiaridade muito interessante: sempre podem ser retomadas. Assim, continuamos com este debate que já fugiu um pouco do tema original.

Crise e capitalismo são elementos que dificilmente não se encontram em um algum momento pelo menos, ou seja, é da natureza capitalista passar por crises, seja de produção, de consumo, de matéria-prima, etc. E mais interessante ainda é a forma como este sistema se auto-renova a partir destas crises. Logo, a existência de crises, que são naturais ao capitalismo, não é condição, por si só, para negá-lo e combatê-lo. Ainda assim, quanto ao “ambientalmente destrutivo”, penso que as soluções para as questões ambientais surgirão no seio do próprio sistema, como por exemplo: substituição de matéria-prima, desenvolvimento tecnológico, etc.

O capitalismo do início do século passado não é o mesmo de cem anos depois, as relações trabalhistas não são as mesmas, assim como as relações inter-Estados também não são as mesmas. Ou seja, em linhas gerais houve um progresso, uma evolução, certamente que não foram mudanças resultante da benevolência do capitalismo, mas também das inúmeras e constantes negociações- pacíficas ou não - entre os diferentes sujeitos envolvidos. Em fim, houve evolução e certamente os próximos cem anos também serão irreconhecíveis aos nossos olhos. E isto que acontece não é o simples “desenrolar de engrenagens”, não é o “caminho natural de um sistema econômico-produtivo”, mas sim, o desenvolvimento das relações sociais em um ambiente profícuo e fértil. A profundidade e complexidade de relações desenvolvidas no capitalismo propiciam um horizonte inimaginável. Não podemos afirmar o mesmo do socialismo, vide o atual contexto cubano em que o Estado tenta, através de pequenas reformas liberalizantes, adiar o inevitável: seu fim.

Porém, a diferença mais importante entre estes dois sistemas não é a vitalidade, ou capacidade de produção, mas sim suas formas de governo. Nos Estados socialistas é necessária a existência de uma centralização asfixiante, infelizmente não só na área econômica, mas também uma normatividade que extrapola para outras áreas, inclusive até a dimensão religiosa. Esta máquina burocrática, conseqüentemente, gera uma casta de “iluminados” que, em nome de uma “igualdade” mantém todos na miséria assistencial, além do sempre oportuno, discurso amedrontador: “o inimigo externo”. A diferença da Democracia nos Estados Capitalistas para as Ditaduras nos Estados Socialistas não é apenas a escolha dos representantes do Executivo ou Legislativo, mas sim, a força das Instituições Civis. Um governo democrático deve ser forte o suficiente que possa governar e, ao mesmo tempo, frágil o suficiente para se submeter as regras.

27 de maio de 2011 às 18:43 Marcos Rosa disse...

Quanto a questão da universalidade dos valores democráticos, receio, que deverei me exprimir melhor: A democracia é um valor caro para os nativos dos países capitalistas burgueses e fundados nos preceitos da filosofia liberal. Talvez, só o nacionalismo em alguns países seja capaz de sobrepor o anseio democrático. Cabe ressaltar ainda que, por Democracia, como afirma Florestan Fernandes, não devemos esperar a materialização de conceitos perfeitos, haja vista que a perfeição só existe no Mundo das Idéias de Platão. Ainda assim, penso que, ao passo que um Estado se aproxima do modelo capitalista-burgues-liberal, conseqüentemente seus nativos passam a exigir uma maior abertura democrática, ou seja, participar, ou se sentir participante, das decisões do Estado. (É o que parece está acontecendo em algumas monarquias árabes neste instante). Desta forma o termo Universal que eu empreguei realmente não é válido, exatamente porque existem sociedades que ainda não experimentaram a Democracia burguesa, apesar de este ser um “vírus” contagioso e de difícil “medicação”. Em fim, salvo nos casos dos desenfreados discursos nacionalistas, os Estados que experimentaram esta Democracia muito dificilmente abdicarão dela em prol do discurso da Igualdade, comumente levantado pelos socialistas. Pelo contrário, cada vez mais os socialistas estão sendo vistos como algo “excêntrico”, “estranho”, “de fora”. Não é que as pessoas estão se tornando “más” “egoístas”, “imbecilizadas” ou “alienadas”, mas perceberam que as perdas com o socialismo são maiores que os ganhos. Por isso, penso que não é apenas um recurso retórico opor Socialistas à Democracia.

Lembremos ainda que a existência ou não de Democracia nada tem haver com ação repressiva do Estado. Um Estado tende a ser mais, ou menos repressivo, de acordo seus pilares fundantes, e da relação com seus cidadãos.
Pôr a Desigualdade como centro da crítica ao Capitalismo é algo corriqueiro e até mesmo u exercício que facilita a desvalorização do capitalismo. Porém é preciso lembrar que não foi este sistema que gerou a desigualdade, haja vista desde o surgimento do Estado (não o estado moderno seiscentista) a desigualdade está presente na sociedade, inclusive no Estado socialista, ou vai dizer que a “casta de iluminados” soviética, cubana, norte-coreana também passa (ou) por privações? O capitalismo, como sistema de produção, é bem sucedido. Talvez o que precise seja exatamente a expansão dos valores capitalistas-liberais-burgueses pelo mundo afora, principalmente a filosofia liberal. E que a intervenção estatal seja para proporcionar uma maior participação dos seus cidadãos na trama, seja individualmente, ou através da sociedade civil organizada. Não precisamos de um Estado assistencialista, tutor, limitador, ou pretenso salvador. Precisamos de oportunidades e multiplicidade de escolhas.

Da mesma forma, justificar o fracasso econômico de alguns países africanos, asiáticos, latinos na Colonização, Imperialismo, Neocolonialismo é muito confortável, além de eximir os dirigentes destes países da responsabilidade pela política social e econômica que fizeram ou fazem. Quem sabe o grande inimigo da sociedade seja o Estado centralizador e ineficiente, e não o Capitalismo.

Ainda assim, por mais que um liberal encontre um cenário ideal, certamente este cenário não satisfará a todos, pois não podemos ter tudo o que queremos, assim como existem pessoas que não querem “tudo”.

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