Minha primeira visita ao MAC (Museu de Arte Contemporânea) foi assim: dia de sol, mão no ombro do colega, seguindo a professora... Aquela alegria de criança nos dias que lhe dizem que haverá passeio - no português infantil quer dizer "ultrapassar os muros", tanto da escola como do relógio. O evento fazia parte de uma atividade da instituição particular de ensino fundamental onde estudei. Ela também ficava no centro da cidade e existe até hoje, bem perto do museu. O propósito da expedição: conhecer os “artistas da terra” e conhecer mais um...“ponto turístico do nosso Município”.
Não me recordo de ter feito em sala de aula qualquer atividade posterior que estivesse relacionada àquela visita. Só lembro de ficar na minha mente uma "coisa" sinalizando "ó, Feira tem até museu, sabia?". Minto. Li cordéis e até pediram para que fizéssemos o nosso próprio cordel.
Mas o curioso mesmo é que permaneceu em mim uma vaga e estranha lembrança de ter ficado intrigada com aquelas imagens da seca, as ossadas de boi, alguns utensílios domésticos antigos dividindo espaço com imagens de casas apinhadas, cercas e tons amarelados. Os cordéis... Ah, tinha ainda aquelas pinturas misturando o traço sóbrio do rosto do vaqueiro – (anti)herói sertanejo com olhos arregalados – e um floreio que me atraía pela beleza, mas que passava um pouco longe das imagens da maquete de cidade e média periferia na qual vivi nos meus primeiros anos.
Mais tarde eu encontraria, nas figuras medievais e histórias de cavalaria que li, uma correspondência singela: a saga, a sina, a viola, o cavalo, o amor, a tristeza nos olhos, a festa profana, dentre outras referências ao popular. No mais, busquei com os livros, as telas de outros museus e de outros lugares, além das "telas de vidro" preencher com colorido o desbotado das minhas poucas lembranças sobre aquela manhã no museu.
E a moldura de Feira ficou vazia.
O tempo passou e ainda quis, por muitos anos (uns quinze, pelo menos), entrar novamente naquele espaço. Entrei em pouquíssimas ocasiões. Na maioria das vezes, ou o museu estava fechado, ou eu realmente não o sentia como parte do meu cotidiano; parecia algo bem distante da minha realidade de feirense que atravessava a cidade (calorenta), rumo ao centro, no sentido comércio ou no das feiras. Como poderia, no ritmo gradativamente frenético da Princesa do Sertão, dispor de tempo para entrar lá? Ora, a "princesa" é uma moça exigente, nariz empinado, pede pressa aos seus subalternos. Gosta muito de se vestir com o que vem de fora, mas não se olha no espelho pra ver se a roupa lhe caiu bem. Nunca foi de esperar e, ultimamente, tem apertado cada vez mais o juízo de sua gente.
Mas, enfim, seguindo com as minhas lembranças, recordo também como a imprensa sempre utilizou a expressão “artistas da terra” nas reportagens em que apresentava os "vultos feirenses" ou o próprio museu, com música estilo movimento armorial ao fundo e tudo mais. Pra mim (não sei se com vocês acontece o mesmo), essa “deferência” soa como desenhar um quadrado no chão e colocar todo mundo junto, apertadinho, sufocado, no canto da parede.
Não cabe aqui, nesse momento, tentar explicar os motivos de pensar assim. Só lhes digo que acho pequeno e cheio de caricaturas os espaços que "reservam" a todos que se propõem a expressar suas idéias aqui em Feira. E mesmo assim, quando penso nas pessoas que circulam por esses espaços, imagino um conjunto uniforme de pessoas sem rosto e sem expressão. Nessa mesma escola onde estudei, por exemplo, tive aulas sobre os "vultos feirenses", que geralmente correspondiam àquelas pessoas da elite da cidade alteza (juízes, padres, coronéis, prefeitos, a autora do hino de Feira, a moça que se vestiu de soldado e lutou etc.)
É. Mas e quanto aos outros da terra? E os "novos feirenses"? Como a cidade passa por eles? Passamos por eles, nas ruas?
Nesse baú de memórias, não poderia esquecer dos grupos populares que foram, aos poucos, conquistando o seu espaço. E a Quixabeira da Matinha? Ah! Suei tanto no dia que dancei o samba de roda, na abertura da Semana Jurídica, promovida pelo diretório Acadêmico do curso de Direito da UEFS... Foi aí que resolvi buscar, criar e retomar certos espaços que a Princesa escondia. E olhando em volta, vi que tem gente há um bom tempo fazendo o mesmo.
E não é que agora tem esse lançamento da Transa nº2 aí no MAC? Às 19h00 do dia 6 de maio. E é talvez, por essas e outras, que ando ansiosa nos últimos tempos. Tô aí pra acompanhar de perto, ser cúmplice e ser co-autora desse turbilhão que tem crescido debaixo das saias da Princesa Consumista Compulsiva.
Pois é. Estou empolgada com a idéia de transitarmos, todos e todas, mais uma vez, pelas salas do Museu, a partir da "idea" propagada pela Transa Revista.
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Lorena Aguiar, nascida ('malcriada', desde pequena) em Feira de Santana. Bacharela em Direito pela UEFS.
3 comentários:
Que delícia ler isso porque eu, como uma outra feirense "malcriada", me vi aí por essas linhas. E, vá, você escreve muito bem, né?
Maria, são típicas feirenses, doidinhas pra sair de baixo da saia e cair na roda.
P.S.: é lançamento da Transa. 'a nº 1'.
Gostoso de ler.
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