| por Ederval Fernandes |
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Uma vez disse a um casal amigo que não bestializo minha ida ao TCA. Estávamos atravessando a rua defronte ao teatro e naquela noite iríamos ouvir Gilberto Gil no “Música Falada”, tipo de espetáculo promovido por uma rádio local que concernia em misto de entrevista e apresentação musical do convidado em pauta. Se não me engano, Marcelo Nova havia participado uma semana anterior e, depois de Gil, Margarete Menezes (fantástica, na minha opinião), fecharia a temporada 2009. Tinha boas expectativas em relação à apresentação porque até então não havia pego um show de Gil em condições favoráveis: leia-se devidamente acomodado numa poltrona e num lugar tão estimado, o qual, retifico, jamais bestializarei minha presença.
O show, no entanto, foi asséptico. A cada hora que Gil falava de si eu entendia cada vez mais que a sua verve criadora já estava dada por satisfeita em vista da obra que produziu. Percebi ali um Gil mais intérprete de si do que propriamente o cantor/compositor que tanto me admira. Quando perguntaram sobre os projetos futuros, ele fez uma demorada explicação para dizer que não tinha mais necessidade de criar desesperadamente e que não havia muita chance de chegar algo novo por muito tempo. “Estou começando a me recolher”, referindo-se a idade avançada e seu desejo por um fim de vida sossegado.
A minha queixa maior em relação ao “Música Falada” não foi propriamente esta constatação (que eu já vinha detectando de álbuns anteriores), e sim o fato de não ter ouvido Gil em voz e violão, formato que mais me agrada, haja visto que o álbum Gil Luminoso é o meu preferido na vasta discografia dele. Por isso, quando soube do lançamento deste disco Banda Dois, que mais uma vez (a exemplo do Banda Larga) tem a mão de ferro de Flora Gil no meio, muito por isso se parece mais a um “evento musical” do que a um “trabalho musical”, fiquei atento sobre a possibilidade de vê-lo finalmente tocar violão, muito embora seja contrário a esse tipo de “evento” que a GG Produções vem dando aos shows de Gil – com o consentimento dele, é claro.
Londrinamente às nove da noite, Gil chega ao palco vestido de branco, gasta uns três minutos afinando o violão (tempo suficiente para eu perceber que as condições do áudio seriam mil vezes melhores do que a apresentação do João Gilberto) e canta Flora num arranjo modesto e preciso. Depois Bem Gil e Jaques Morelenbaum chegam ao palco. Penso comigo: ele deveria agora encarnar o João Gilberto e gravar somente discos ao violão. Mas mesmo o formato que tanto me emocionara no disco Gil Luminoso carecia de certo entusiasmo ali no Palco do TCA. E talvez não seja bem “entusiasmo”, mas alguma idéia vaga que gire em torno desta palavra. Brio, talvez. Enfim, não sei.
Muitas canções se sucederam nesta redoma, e eu já estava arrependido de ter ido ao show, quando, num átimo, Gil, Jaques e Bem puxam Panis et Circenses e, a meu ver, foi consenso como a cumplicidade entre eles melhorou sensivelmente e as canções subseqüentes foram caminhos musicais onde os três passearam livres e entusiásticos. Por Deus que eu não sei o que aconteceu. A apresentação ganhou ares de Jam Session. E numa Jam que tenha Jaques e Gil conclui-se que dali sairá um instante histórico para qualquer pessoa que tenha sua vida alijada se não tiver música.
Acabado o show depois de duas horas, recebo uma ligação de Maurício para tomarmos umas cervejas e tecermos as mesmas conversas a despeito de temas abstratos como o capitalismo, a literatura, o futuro e estas coisas todas que agradam a ambos. Nesse meio tempo, encontro garotas encantadoras que me dão carona até a Barra e resolvo comer com elas numa lanchonete que jamais pus os pés. Enfim, estas coisas da vida onde a canção se alastra.
O que me recordo mais daquela noite foi que, no mesmo instante que assomei à rua impregnado pelos momentos finais do show, ocorreu-me um verso: “enquanto vivo/escuto minha biografia” e a certeza de que só os imbecis não entendem a magia da música.
todas as fotos foram retiradas do site do cantor.
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