|por Carlos
Eduardo Iwai Drumond
e Cleiton
Silva de Jesus|
Ao
fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, tão urgente quanto à necessidade de reconstruir
prédios e casas era a necessidade de criar bases institucionais capazes de
evitar que a tragédia da guerra aconteça novamente. Em um continente marcado
por uma longa história de conflitos, a integração econômica parecia uma saída, o
passo inicial para a construção de um continente coeso. Foi assim, na tentativa
de usar a economia como fator de coesão, política e social, que passo a passo
se caminhou na direção da União Européia como se conhece hoje. Desde a criação
da Comunidade Européia do Carvão e do Aço em 1951 até a integração monetária,
com a criação do Euro em 1999, a história foi sendo escrita não apenas pautada
na racionalidade que ocupa a mente dos economistas, mas, sobretudo na intenção
de criar fortes laços políticos e sociais.
Contudo,
“no meio do caminho havia uma pedra” . . . Após as consequências da crise financeira de
2008, com todos os países da Zona do Euro (ZE) impelidos a gastar para tentar
evitar o pior, as dificuldades estruturais do projeto de integração monetária ficaram
mais escancaradas. O fato é que, a
despeito de toda tentativa de integração, o continente possui diferenças
econômicas e sociais ainda muito profundas. De um lado, países como França e
Alemanha, com estrutura industrial competitiva e alta produtividade e, de
outro, países como Grécia e Portugal, com menor produtividade e indústria menos
competitiva.
Em
geral, quando cada país tem sua própria moeda e, consequentemente, alguma
autonomia na condução da política monetária, tais diferenças estruturais podem
ser amenizadas através de desvalorizações cambiais. Essa estratégia de política
econômica, diga-se de passagem, foi usada em outras ocasiões. Já quando não se
pode fazer política cambial, como no caso da existência de uma moeda única,
pensando num modelo simples de dois países, o país mais competitivo começa a
exportar mais bens enquanto o menos competitivo, além de exportar menos, começa
a importar mais produtos. Em condições normais, tais diferenças já podem causar
bastante estrago, mas quando você coloca no jogo uma oferta de crédito
gigantesca, como foi no período pré-crise, isso tende a se aprofundar porque os
países menos competitivos, cujo símbolo nas manchetes de jornal é a Grécia, se
veem estimulados a consumir, de diversas formas, e aprofundam seus déficits,
tanto nas contas do setor público quanto nas transações correntes (os chamados
déficits “gêmeos”). Quando uma crise estoura, como foi
em 2008, estes déficits tendem a se aprofundar ainda mais, isso porque, na
tentativa de estimular a economia, para que postos de emprego não
desapareçam abruptamente e a renda da sociedade diminua de forma dramática, os
governos precisam gastar mais, ou, em outros termos, executar uma política
fiscal expansionista.
O
atual cenário é realmente muito grave, especialmente para a Grécia, que se vê
numa terrível encruzilhada: ao mesmo tempo em que a sua relação dívida/PIB
requer um ajuste fiscal drástico (caminho para o inferno) há uma sociedade que
sofrerá com uma recessão profunda caso isso seja feito. A Alemanha, ironicamente,
o país derrotado da guerra, se tornou um dos poucos capazes de fazer alguma
coisa. Caso a Alemanha, a economia com maior produtividade da ZE, decidisse
gastar mais, ampliando com sua demanda por bens produzidos em outros países da
ZE, as diferenças estruturais poderiam ser atenuadas, ao passo que as economias
dos outros países do continente seriam dinamizadas em alguma medida. Outra
alternativa seria a emissão de títulos de dívida de maneira conjunta, uma vez
que a Grécia, por exemplo, não tem condições de captar recursos, ao passo que a
Alemanha e a França ainda gozam de credibilidade suficiente para emitir títulos
com taxa de juros baixas. Sendo assim, caso se criassem os chamados eurobonds a Grécia e outros países de
baixa produtividade poderiam ter acesso a recursos de maneira mais barata e
ganhariam tempo e espaço fiscal para a realização dos ajustes necessários com
custos sociais menores.
Obviamente,
as medidas elencadas acima não têm, por si só, o poder de eliminar os problemas
estruturais existentes, mas dariam algum fôlego para o projeto do Euro. Contudo,
os líderes da ZE têm passado os últimos meses mergulhados em impasses e
divergências. A falta de um rumo para a crise fez a situação se tornar ainda
mais instável e incerta. Dada gravidade das coisas, a probabilidade da Grécia
sair da ZE é enorme e, caso isso aconteça, sofrerá não apenas a Grécia, mas o
resto do continente, contaminado pela incerteza e pela instabilidade. Mesmo o
Reino Unido, que está fora do Euro, deverá sofrer uma forte retração do seu PIB,
com a transmissão ocorrendo via comércio e sistema bancário. Na consolidação
deste cenário, a Europa viverá uma década de baixo crescimento, com
consequências sociais não desprezíveis.
Note
que nessa história não há cigarras e formigas, gastadores e poupadores
comedidos, o que temos é um continente, com significativa heterogeneidade na
sua estrutura produtiva, que tentou usar a integração econômica como ferramenta
de integração política e social. Quanto vale esse projeto? A despeito de todos
os problemas técnicos, que de fato são reais, a tentativa de construir um
continente integrado é algo que não se pode resumir em números. É bem provável
que a ZE como se conheceu até hoje deixe de existir em pouco tempo. Nessa
perspectiva, podíamos falar numa década perdida para a Europa, mas, por outro
lado, assim como a década de oitenta foi uma época de oportunidades de reflexão
da sociedade brasileira, culminadas na redemocratização e na Constituição de
1988, pode ser que o povo Europeu consiga usar as atuais adversidades para
construir uma “nova” União Européia. O que se observa, porém, é que os formuladores
de políticas públicas não têm ajudado muito para que tal transformação ocorra.
Carlos Eduardo é Doutorando em
Desenvolvimento Econômico – UFPR. Professor do Departamento de Economia da UESC.
Cleiton Silva é Doutorando em Desenvolvimento Econômico – UFPR.
Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da UEFS
2 comentários:
Rapazes... Gostei do texto, embora o diagnóstico e a sugestão de um possível caminho para a saída da crise seguem a dinâmica e tecnocracia do deus mercado, essa serpente medonha de muitas cabeças e infinitos tentáculos!
Olinto
Grandes Cadú e Cleitão aprensentam um dramático panorama de Peloponeso para a ZE: um projeto civilizacional maior diante da petrificação possível pela Medusa de Olinto.Dias piores virão pelo jeito, mas espero que não seja tão rápido e com impactos tão sérios para o mundo tudo, pois não é somente o Haïti que é aqui!
Caffé
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