|por Jhonatas Monteiro|
Vi, alguns dias atrás, em um site de grande acesso um comentário de um autointitulado “Pai de
aluno Consciente” aconselhando a saída das e dos professores da paralisação de
atividades porque a nossa greve foi considerada “ilegal” e, segundo o mesmo,
caberia apenas voltarmos à normalidade das aulas e discutirmos o aumento na
“justiça”. Afinal, ainda segundo o mui “consciente” comentador, “decisão
judicial se cumpre, pra discutir só na própria justiça”. Passado mais de um mês
de tal proibição “legal” do nosso direito de reivindicação, o fato não mereceria
atenção se não fosse utilizado pelo governo do senhor Jaques Wagner,
sistematicamente, como peça de propaganda (enganosa) e se não mais penetrasse
na “consciência” de alguns pais e mães “desavisados”. Realmente, a greve do
professorado da rede estadual foi considerada “ilegal” no dia 13 de abril, mas
e daí? Sinceramente, não creio que o parâmetro de um juiz seja o único metro
para medir o que pode ou não ser feito para alcançar uma reivindicação
legítima.
O argumento para decisão sobre a suposta
ilegalidade, como de praxe, foi que a greve “acarreta danos ao serviço público
e à coletividade”. O mais evidente é que a dita “coletividade” é tudo menos a
ampla maioria da sociedade prejudicada no médio e longo prazo pela ausência de
educação escolar de qualidade. E aqui, não devemos esquecer que a qualidade da escola
em qualquer lugar do mundo está diretamente relacionada às condições de
trabalho e remuneração do professorado. Dessa forma, a liminar do juiz da 5ª
Vara da Fazenda Pública de Salvador, Ricardo D’ Ávila, não correspondeu à
salvaguarda dos interesses da “coletividade”, mas sim à clara tentativa de supressão judicial de um conflito
socialmente instaurado. A questão já seria preocupante se fosse apenas um
casuísmo relativo à greve dos professores da rede estadual, mas se trata de
prática recorrente nos últimos tempos: quantas greves foram consideradas “ilegais”
recentemente? Comumente, a mídia e boa parte da população se referem à
corrupção dos poderes Executivo e Legislativo, mas esquecem de apontar o quão
problemático também é o nosso Judiciário. Faceta essa que se mostra evidente na
maioria absoluta dos processos de greve, mesclando reacionarismo, solidariedade
gratuita aos dominantes, conveniência com os governantes de sempre e
subserviência ao patronato.
Nesse caso, vemos mais uma vez o mundo de cabeça
para baixo: é o Direito que tenta moldar compulsoriamente
a realidade e não a realidade que define a legitimidade dele. Convenientemente,
essa preocupação com o aspecto “legal” das reivindicações deixa de lado o
fundamental do conflito instaurado: o flagrante
descumprimento por parte do governo estadual da Lei do piso salarial nacional dos
professores (Lei 11.738/2008) não seria a primeira e mais grave ilegalidade?
Até a presente data da greve, não vi nenhum pronunciamento judicial que determinasse
por parte do executivo estadual o óbvio cumprimento da Lei do Piso. Mais uma
vez, ao reproduzir a lógica de “dois pesos, duas medidas”, a realidade
brasileira dá uma demonstração cabal que direito
e justiça estão longe de serem
sinônimos. Como bem lembrou a “multidão” no belíssimo prefácio de José Saramago
para o álbum Terra, do fotógrafo
Sebastião Salgado, “Direito, já nós o temos, e não nos conhece", por isso
“o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite”.
Jhonatas Monteiro é professor (em greve) da rede
estadual baiana e Mestre em História pela UEFS.
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