Pasión por La Cancha


|por Helen Fraga|
Admirável é a sensação de paixão que se transmite de um a outro no Estádio de Futebol. Uma multidão de destinos que se encontram no espetáculo do domingo cotidiano, para gritar gol. Não sabe o que é fronteira este ato coletivo de gente que se dedica a cultivar este esporte tão popular a diversos povos. Tão igual é ir ao Estádio para um brasileiro quanto ir a La Cancha para qualquer um dos nossos hermanos argentinos. E utilizo aqui o melhor sentido que posso expressar em “nossos hermanos” ou como diria Rolando Alarcón em sua sensível canção, lindamente interpretada por Inti-Illimani “Si somos americanos, somos hermanos señores, tenemos las mismas flores, tenemos las mismas manos. (…) Si somos americanos, no miraremos fronteras, cuidaremos las semillas, tiraremos las banderas”.

Pois é, ir ao Estádio aos domingos para nós brasileiros, em muito nos aproxima dos nossos hermanos argentinos quando vão a La Cancha (ou como eles denominam Estádio). Em muito relaciona esse nosso passado de colonizados, de constituídos pelas diversas culturas do dominante e do dominado. Ou de outra maneira, o que tornou tão popular entre estes dois povos esse gosto por este esporte de inglês?

No momento em que a bola passa pela trave e uma voz precisa grita gol sentimos a alegria dessa celebração entre gente companheira de uma mesma paixão reunida num Estádio, numa Cancha. E assim foi que o futebol na Argentina deixou de ser um esporte praticado por descendentes de ingleses em seus colégios ricos e teve suas primeiras equipes organizadas nas oficinas de trem nos bairros populares. Uma história bonita de rememorar dentro do universo da gente comum.

O nascimento dos clubes argentinos remonta a pequenos grupos de bairros que foram conseguindo se organizar e aos poucos transformando o esporte de ricos em esporte do povo. Entretanto, não é difícil perceber a forte relação com as tradições inglesas manifesta nos nomes dos seus atuais times como, Boca Juniors, Argentinos Juniors, Chacarita Juniors, River Plate, Racing de Avellaneda, Newell’s Old Boys (que na grafia local se escreve “Ñuls”, time do Bielsa), Banfield, All Boys entre outros.

Também tiveram importante influência, por seus pensamentos anarquistas e socialistas, os imigrantes operários europeus, que na Argentina passaram a trabalhar nas oficinas de trem e nos portos. Tanto que o primeiro nome da equipe Argentinos Juniors, foi “Mártires de Chicago” em homenagem aos trabalhadores anarquistas enforcados nos Estados Unidos em um primeiro de maio. Assim também foi em um primeiro de maio o dia escolhido para dar nascimento ao clube Chacarita fundado por um grupo de amigos do Partido Socialista. Também o Boca Juniors é nacionalmente conhecido como o time do povo, pois sua origem remonta aos imigrantes pobres de Gênova, sendo um time que ainda permanece instalado perto do cais, no bairro proletário La Boca.

A popularização do futebol por todo o território não tardou em crescer, o que resultou na aquisição de importância não somente pelo país, mas também em competições internacionais a partir da Seleção Nacional, que ganhou duas vezes a Copa Mundial (1978 e 1986), e por suas equipes que, dentre muitos títulos, foram os que maior número de vezes ganharam a Taça Libertadores da América.

De uma longa lista de grandes jogadores argentinos podemos destacar Redondo, Maradona, Caniggia, Di Stéfano, Gatti, Messi, Batistuta, Ayala, Valdano, Kempes, Ortega, Zanetti, Verón, Crespo, Saviola, Tévez, Riquelme, Passarella, Fillol, Sorín, Simeone, entre tantos outros que o leitor mais atento poderá reivindicar uma justa atenção por estes homens que nos emocionam com um panorama de recordações memoráveis.

As competições no país são estruturadas em três divisões. O torneio principal reúne vinte times na Primeira Divisão que competem em dois torneios por ano, que são denominados Torneios de Clausura e de Apertura. O maior clássico do país é disputado por Boca e River, os dois times mais populares, concentrando mais de 70% dos torcedores, que são chamados de hinchas.

Atualmente a maioria dos clubes argentinos encontra-se com dificuldades econômicas e dentre os motivos podemos destacar a má administração financeira e as negociações entre venda e compra de jogadores. Por serem deficitários, os clubes recebem aporte do Estado para conseguirem saldar suas contas.

Como Galeano cita em seu bem humorado livro “El futbol a sol y sombra” o futebol profissional condena o que é inútil, e é inútil o que não é rentável! Nesse sentido podemos ressaltar a lógica de mercado na relação entre os times latino-americanos e os europeus em suas milionárias negociações de transferência de jogadores, que podem ser facilmente transformado em uma rentável mercadoria, ao passo que na Europa têm a chance de consagrar sua efêmera carreira de milionário.

O caso do River talvez seja o mais emblemático da administração comercial dos times argentinos. Foi a equipe que nos últimos anos mais se desfez de seus jogadores, dos quais podemos destacar Hernán Crespo, Matías Almeyda, Ariel Ortega, Marcelo Gallardo, Pablo Aimar, Javier Saviola, Andrés D´Alessandro, Fernando Cavenaghi, Maxi López e Javier Mascherano. Mascherano comprado pelo Corinthians ainda na administração do homem de negócios ou do corrupto Kia Joorabchian. Em 2011 no torneio de Clausura desceu à segunda divisão, para desalento de uma imensa torcida que seguiu pelos dias depredando o Monumental de Núñes, Cancha dos rio-platenses.

Aqui ficou registrado o resultado desse jeito canhestro que os cartolas têm para atravessar e trair a paixão por um time. Uma equipe de renda astronômica pela venda de seus jogadores, mas sob uma administração escusa. Rebaixado, o River tenta se recuperar mantendo as multidões no seu encalço, aos sábados de noite, perto do Rio de la Plata.

Por certo há alguma tristeza nessa minha fala deste futebol mercadoria e também muita nostalgia do tempo em que, nesta Terra, essa libertária e criativa brincadeira de bola representou uma atitude de rebeldia e resistência para um homem, o trabalhador.

Helen Fraga é Economista pela UEFS e mestranda na Argentina em Economia.

0 comentários:

Postar um comentário