|por Franklin Oliveira|
Os mercenários é um filme
norte-americano, lançado há dois anos atrás, que
foi recebido muito mal pela crítica, mas que, como sempre nesses casos, é um
sucesso financeiro. O filme
tem todos os ingredientes que costumam agradar aos aficionados por ação. A
violência campeia, tem pintadas de sexo, e, principalmente, muita, mas muita
porrada e tiro.
Também não podia deixar de ser. É dirigido e estrelado por
Silvester Stallone, com largo currículo nessas baboseiras, e ainda conta com o
“roteiro” de David Callahan. Pra coisa ficar mais eletrizante os produtores
colocaram como “atores” uma série de astros conhecidos por seus trabalhos em
filmes de ação, Arnold Schwartzenegger, Bruce Willis e Jason Statham, e ex -
atletas como Mickey Rourke, Stone “Cold” Steve Martin e Randy Couture. O
resultado é que já está sendo preparada a sua continuação,Mercenários II,
ninguém aguenta!
O “enredo” do filme é o seguinte. Uma equipe de mercenários,
altamente treinada, vai a Somália para uma missão tentando impedir que os
piratas locais executem os reféns de um navio mercante. A equipe, como não
podia deixar de ser, é liderada pelo próprio diretor Sylvester Stallone, que tem que administrar tudo quanto
é situação, inclusive retirar da equipe pessoas sem condições psicológicas e
fazendo uso de drogas. No frigir dos ovos, os mercenários só fazem se dar bem,
vendem qualquer coisa por dinheiro, derrotam os piratas e de quebra ainda
conseguem outras missões pra continuar sua vida sem graça.
Vi esse filme na Sky ontem à noite e confesso que sonhei com
ele. Mas, como outros já disseram, o sonho não é bem a realidade mas uma
metáfora dela, e olhem que tem muita coisa a ver com o mundo futebolístico. É
que fui assisti o filme pra relaxar pois estava com a cuca fervendo depois da
derrota acachapante do Vitória para o Atlético Paranaense, em pleno Barradão,
por dois a zero, acendendo a luz vermelha não só para as suas pretensões de ter
um título nacional como até de subir para a Primeira Divisão.
Imaginem que eu sonhei que a turma do céu, em função da morte de
muitos jogadores, resolveu organizar um campeonato de futebol. Foi um
verdadeiro sucesso, tanto que acabaram tendo que incorporar o inferno e o
purgatório. Da noite pro dia se formaram um montão de times e, lá pro terceiro
campeonato, tiveram que criar quatro divisões.
Anjos se tornaram comentaristas e demônios viraram juízes. O
próprio deus, Lucifer, Nossa Senhora, São Francisco, e outros menos votados
tentaram participar da coisa, mas sem muito sucesso. É que o “time do homem” ganhou
os dois primeiros campeonatos e todo mundo achou que foi na base da marmelada,
que comprou os juízes, que houve mensalão, um horror! Chatearam tanto Nossa
Senhora que ela acabou preferindo o futebol feminino, que vai muito bem
obrigado! São Francisco só não deu certo pela mania de se vestir como pobre, de
não dar bicho, e todo mundo sabe que jogador não gosta dessas coisas. O
resultado é que seu time não ganhou uma, pedia até para o São Cristóvão e o São
Paulo.
O céu, o inferno e o purgatório viraram de cabeça pra baixo. O
primeiro, pois lá não tinha o que fazer só ver o desfile de santos e querubins,
e era chato pra chuchu. O inferno se agitou por razões óbvias, é que lá a turma
faz qualquer coisa pra escapar do fogo eterno. E o purgatório pois a espera pra
saber se as pessoas sobem ou descem, convenhamos, é muito irritante. Com o
tempo Deus combinou com o Diabo tirar os deles da seringa e organizaram
entidades para administrar essa joça. Aí degringolou de vez, apareceram os
Ricardos Teixeiras, os Havelanges, a FIFA e a CBF, os empresários de jogadores,
o escambáu. Até um tribunal, superior aos que já existiam no céu, teve que ser
criado.
Também não é pra menos. Aconteceram coisas que até Deus duvida.
Santo Antônio, por exemplo, com a desculpa de tinha que ajudar os casamentos
pobres, inventou de buscar jogadores nesse sofrido vale de lágrimas daqui de
baixo, antecipando sua morte para que pudessem reforçar seu time no céu. São Jorge
vendeu seu cavalo a um empresário, e São Sebastião o arco. Pra piorar a
história passaram a transmitir pela TV o campeonato do céu e tirar público dos
estádios que Deus e o Diabo tinham construído.
Independente da hierarquia da eternidade muitos jogadores
acabaram virando verdadeiros mercenários. O meu sonho foi sobre o Campeonato da
Segunda Divisão do céu que também já era transmitido há alguns anos e a rede de
televisão gostava de meter o bedelho. A turma se queixava de “juízes
encomendados”. Até Deus entrava na dança pois diziam que ele não tomava nenhuma
providência para apurar as denúncias que atingiam até o seu círculo mais
próximo de anjos. Mas Deus achava sacanagem, afinal de contas já tinha
problemas demais. Só nesta semana havia tentado levar Lewandowsky pro inferno
mas o PT não tinha deixado, será que ainda tinha que se preocupar com o
futebol?.
O campeonato desse ano parecia não ter graça pois dois times
começaram a passar o rodo, o de São Crispim e o de Santa Maria Vitória. O
segundo, então, nem se fala, passou o primeiro turno todinho só esculhambando
os adversários, embora perseguido de perto pelo primeiro. Mas aí o time de São
Golias encetou uma estranha reação ganhando de todo mundo e colando com os
líderes. Não faltou reclamação com a situação pois teve gente que viu muita
coincidência, pois o outro time da região central do purgatório estava muito
mal e deram como certo o seu rebaixamento. Será que a eternidade não pode viver
sem um time do Purgatório na primeirona?
Quando dobrou o turno a coisa rolou feia no céu. Times que
tinham maior torcida entre os anjos começaram a ganhar, o time todo arrumadinho
de São Caetano começou a ter a má vontade da turma da televisão, e o Diabo em
pessoa instalou um elevador para os vermelhos do Sul do inferno. Os jogadores
do time de Santa Maria da Vitória se reuniram e exigiram quatro milhões pelo
título e o acesso. Aí a santa estrilou e, o que se seguiu, deu muito pano pra
manga. De um dia pro outro, o time que jogava um futebol de estratosfera, e
tinha um santo japonês que era o melhor do campeonato, desaprendeu a jogar
bola, não conseguindo ganhar uma partida fora do céu e passando a fazer jogos
sofríveis no firmamento.
A turma reclamou pra Deus, pro Diabo, pro escambáu e nada
adiantou. Afinal, como pode se provar que a turma está dando mole? A própria
santa resolveu apelar pros jogadores, mas só conseguiu alguma coisa quando
acenou que iria atender os seus reclamos, e aí eles ganharam do São Golias. Mas
como nada se resolveu de concreto a coisa continuou mal e perderam três das
quatro partidas seguintes. A última foi mesmo decepcionante, quando o time da
santinha, em meio a um estádio lotado de santos e querubins perdeu pros
vermelhos do Sul do inferno.
É certo que era um clássico. Os que estavam no fundo dos
infernos queriam subir pro céu e o time de Santa Maria queria participar do
círculo entorno de Deus. Nesse dia deu pra ver que o técnico Stallone só tem
equipe da conta do chá. Tinha o desfalque de um zagueiro desde o dia de Ramos e
São William tinha problemas de preparo físico por estar voltando às lides após
contusão. Foi por isso que ameaçou durante a semana entrar com São Rodrigo como
terceiro zagueiro. Mas na hora preferiu seu temperamento de Professor Pardal e
confiou nos jovens santos pra resolver o problema da zaga.
No primeiro tempo até que deu pra melar. Os diabos eram
perigosos, e chegaram algumas vezes na frente envolvendo a zaga da santinha e,
até, acertaram a trave. Pra piorar São Uéliton tomou uma porrada feia e acho que se
ressentiu na proteção por ali. Mas o time de Santa Maria deu testa, usando
as pontas com São Marcos e puxando a bola pro meio, numa dessas o santo japonês
quase broca. Mas aí chegamos ao intervalo.
Todo mundo da arquibancada queria meter o bedelho na escalação
do italiano pois os diabos tocavam a bola mais rápido e mostravam que tinham
mais conjunto. O que rolava no céu era a saída de São Willie pelo seu homônimo
São William. Mas o italiano Stallone perdeu um tempo precioso enquanto os
diabos continuaram pressionando a zaga da santinha.
No segundo tempo os times partiram pra cima pra decidir o
importante jogo. O pessoal de Santa Maria foi o primeiro, mas faltava
criatividade. Bastou marcar São Elton(que por sinal não vem nada bem)que
neutralizou suas ações ofensivas. A bola ia pro ataque mas voltava para o
rápido meio de campo dos diabos, e, numa delas, enfiaram pra São Elias chutar
forte na esquerda de São Deola tirando o zero do placar. Os querubins, que eram
a maioria do estádio, ficaram vermelhos de raiva. Mas, sabe como é no inferno,
os diabos querem sempre ganhar com alguma maracutaia, e aí São Botelho tentou
encenar um pênalty e acabou expulso pelo juiz São Márcio, que, por sinal, de
santo não tem nada.
Só aí é que o técnico Stallone trocou os santos que tem W no
nome. Com os diabos com dez jogadores o time da santa tomou conta do jogo uns
dez minutos mas a bola não entrava, e aí, num contra ataque, a defesa deu um
incrível mole e a bola foi passada pra o clone de São Marcos, que mesmo
chutando mal, a bola bateu na trave e entrou.
Stallone tentou de tudo. Botou São Eduardo e até uma tartaruga
em campo, mas nada deu certo. Os jogadores, que não tem nada de santos, como já
tinham no bolso o dinheiro da missão do mês, resolveram passear em campo. Foi
uma coisa de dar dó, até os anjos vaiaram. Houve querubim que pediu olé e o
próprio Deus foi embora pra não ver a vitória do Diabo.
Foi o fim da picada! A coisa agora embolou na Segundona do céu.
Estão ali, coladinhos, São Crispim, São Golias e Santa Maria da Vitória, com o
agravante de que esta só está conseguindo vitórias contra os que estão na
requenguela. Os querubins estão com o pé atrás. Será que não tem direito também
de estar na Primeira Divisão?
A santa não entra em acordo com os jogadores, parece que só deu
a metade do que os santos-mercenários queriam. Stallone arranja a cada dia um
problema com eles, alegando problemas psicológicos, farras, má vontade, etç. A
torcida dos querubins vai ter que pagar a conta do bicho dos
santos-mercenários. Quanto a santa tem que arranjar urgentemente outro zagueiro
já que dispensou São Rodrigo. Porque não entra em acordo com São Dankler? Será
que não é o caso de Santa Maria enviar a mala branca para os adversários de São
Caetano? O time da santinha só contará com a boa vontade do esquema CBF/TV
ocupando a vaga do time de seu estado se este perdê-la para São Palmeiras. Só
Deus sabe o que vai acontecer agora, aliás nem Deus, pois esse já tirou há
muito tempo o seu da reta do campeonato do céu.
Franklin Oliveira Jr. é desportista, professor universitário, escritor, e criador do
blog Memórias da Fonte Nova e da WEB TV Pra que política?
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