|por Giliad Souza*|
A crise desengatilhada com o fenômeno do subprime[1] estadunidense não foi ainda superada. Neste sentido, chega a ser constrangedor a quantidade de asneiras e bobagens que lemos e ouvimos, no tocante a esta questão, na mídia, tanto dito por “especialistas” quanto por “neófitos”.
Permitam-me recorrer ao velho barbudo[2] para construir o meu argumento: Num sistema de produção em que toda a conexão do processo de reprodução repousa sobre o crédito [Crédito significa a realização de trocas sem necessariamente a mediação de dinheiro in cash. Por exemplo: eu vendi minha casa tendo como equivalente não um determinado montante de dinheiro, mas um pedaço de papel que me garante o direito de possui X unidades monetárias (u.m.) da venda futura de cachaça do Bar do Seu Fubúia. Assim, vendi minha casa contra uma promessa de pagamento], tem de sobrevir evidentemente uma crise, uma corrida violenta aos meios de pagamento [Fazendo uso do exemplo anterior, supondo que por alguma razão os agentes perderam a confiança na capacidade de Seu Fubúia em honrar suas dívidas, e.x., na medida em que a venda de cachaça no Bar do Seu Fubúia tornou-se um negócio atrativo, outros empresários resolveram deslocar seus capitais para investir em bares, criando, desse modo, um excesso de vendas de cachaça tanto em relação à sua “quantidade normal”, quanto à quantidade de consumidores que antes só tinha o Seu Fubúia como ofertante.
Seu Fubúia terá problemas em vender sua cachaça (uma parte considerável não será vendida), já que existe mais produção do líquido mágico do que até então era socialmente necessário. Meu papel que valia, então, X u.m., passa a valer, ex., X/2 u.m. num segundo momento. Logicamente que irei de modo desesperado tentar passar pra frente meu pedaço de papel – tanto vendendo para terceiro quanto realizando-o com o Seu Fubúia – antes que desvalorize ainda mais. Porém, esse comportamento não será apenas meu, mas de todas as pessoas que tem um pedaço de papel avalizado por Seu Fubúia, ocasionando uma busca alucinada por dinheiro in cash e uma repulsa ao pedaço de papel – uma rejeição ao crédito, em função da desconfiança na capacidade de pagar (baixa solvência)].
À primeira vista, a crise toda se apresenta portanto apenas como crise de crédito e crise monetária. E de fato trata-se apenas da conversibilidade das letras [de câmbio] em dinheiro [No nosso caso, o pedaço de papel do Seu Fubúia em dinheiro]. Mas essas letras representam em sua maioria compras e vendas reais, cuja extensão, que ultrapassa de longe as necessidades sociais, está, em última instância, na base de toda a crise. Ao lado disso, entretanto, uma enorme quantidade dessas letras representa negócios meramente fraudulentos que agora vêm à luz do dia e, finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou até invendáveis ou refluxos que jamais podem entrar. Todo esse sistema artificial de expansão forçada do processo de reprodução não pode naturalmente ser curado pelo fato de um banco, por exemplo o Banco da Inglaterra [que era uma espécie de banco central da época], dar a todos os caloteiros, em seu papel, o capital que lhes falta e comprar todas as mercadorias desvalorizadas a seus antigos valores nominais.
Estendendo um pouco mais no nosso exemplo, vamos supor que ao invés de eu realizar o meu pedaço de papel (lógico que isto quanto ainda estamos na época das vacas gordas), resolva comprar parte de uma empresa de carros ou parte da dívida de um Estado qualquer; e que outras pessoas que tinham um pedaço de papel parecido com o meu resolva fazer o mesmo. Desse modo, grande parte dessa economia estaria avalizada por Seu Fubúia, na expectativa de realização das vendas futuras de cachaça. Ou seja, haveria uma interação entre produção e circulação de riqueza vigente com a projeção e expectativa futura, uma mútua influência entre economia real e especulação. Na medida em que Seu Fubúia fica desacreditado, em função do excesso global de cachaça à disposição da venda (veja que Seu Fubúia nada pode fazer, a não ser continuar seguindo a lógica do lucro, mesmo que ela conduza a crises), não apenas ele quebraria, mas também eu e outros possuidores de um determinado montante de pedaços de papel, a empresa de carro que comprei parte de suas ações (na verdade, tinha trocado pedaços de papel por outros, no caso, o da empresa), o Estado que tinha transformado uma parte de sua dívida em papéis de Seu Fubúia, ou seja, seria uma quebradeira generalizada!
Vamos supor agora que o Estado, tentando superar a crise, transfira parte do dinheiro de toda sociedade, inclusive dos não consumidores de cachaça do Bar do Seu Fubúia, para Seu Fubúia, objetivando que ele salde sua dívida, recupere a credibilidade dos seus pedaços de papeis e amenize a corrida pelo dinheiro “in cash”, ou seja, injete liquidez e recupere o crédito. Vamos supor também que de fato Seu Fubúia use o dinheiro que recebeu para saudar suas dívidas, coisa que não necessariamente pode acontecer, já que ele pode, por exemplo, comprar outros pedaços de papeis que estão dando rendimentos melhores, isto é, entrar no repique da especulação, ou ainda entesourar. Então, Seu Fubúia paga as dívidas e faz a sinergia para toda a cadeia. Mas aí fica a pergunta: resolver o problema do crédito e da liquidez resolve o problema que deu origem à crise, ou seja, o excesso de produção de cachaça para venda em relação à necessidade social? Com certeza não, embora suavize.
Esta brincadeira que fiz nos faz lembrar bastante a Crise do Subprime que se iniciara em 2008, que ainda não teve seu problema originário superado, a saber, o excesso de produção. Para solucionar a crise nos marcos da lógica vigente tem que “destruir” o excesso, que no nosso exemplo era de cachaça, assim como dos capitais ali empreendidos, e por sua vez o trabalho empregado (gerando desemprego, queda dos salários reais, perca dos direitos sociais, etc.). Nem mesmo ampliando o número de consumidores resolve o problema, tendo em vista que o subprime é exatamente a extensão da venda de casas para pessoas que outrora não eram consumidoras. Por mais que haja “boa intenção” em solucionar a crise nos marcos capitalistas, que na nossa brincadeira foi injetando dinheiro e liquidez na economia via Seu Fubúia, não pode ser feita ao não ser seguindo sua lógica destrutiva e caótica. Ou alguém acredita que quem detém o capital não buscará invertê-lo nas atividades mais rentáveis possíveis, por mais que estas, de longe, cheirem a crise?
Para quem deseja uma saída menos corrosiva e beligerante da crise, não apenas a do nosso exemplo, que teria o vórtice em Seu Fubúia, mas da lógica que conduz à crise e à barbárie, a única possibilidade crível e factível é destruir por completo essa lógica e construir uma nova. Não existe uma terceira via! Ou é a Barbárie (necessidade de destruição de capital e trabalho), uma saída recorrente para as crises capitalistas, que inclusive está sendo utilizada atualmente – vide os eventos que estão ocorrendo na Grécia, Islândia, Portugal, Espanha, Itália, Japão, EUA, etc. –, ou é uma saída ainda não experimentada sistêmica e logicamente, no caso, o Socialismo.
* Giliad Souza é Economista pela UEFS e mestrando em Economia pela UFRGS.
3 comentários:
Quer dizer que a URSS, a China, Cuba, o Leste Europeu Socialista não eram SOCIALISTAS?
Depois de mais de cem milhões de assassinatos - GENOCÍDIO que o velho barbudo, o Mensaleiro-mor - www.EscandaloDoMensalao.com.br - preconizou com a extinção dos povos que "não tinham o nível de desenvolvimento necessário para se tornarem comunistas" - www.SovietStory.com - você AINDA quer que a saída "ainda não experimentada e sistêmica" seja o "socialismo"?
Quando você diz "Ou é a Barbárie (necessidade de destruição de capital e trabalho)" não se refere aos mais de 7.000.000 de Ucranianos EXTERMINADOS PELA FOME IMPOSTA POR STÁLIN - o extermínio de 25% da população de um País inteiro?
É isto que você considera um "paraíso": o extermínio, puro e simples de todos que discordam de você?
Também não participa das suas contas as centenas de novas profissões e atividades laborais CRIADAS pelo capitalismo e RECRIADAS quando novos paradigmas de produção são criados?
Tampouco o AUMENTO DE EXPECTATIVA DE VIDA derivado das novas tecnologias em medicina?
O Mensaleiro-mor foi um bom economista liberal enquanto explicava o capitalismo e tornou-se um GENOCIDA quando inventou o comunismo para EXTERMINAR com os que não concordavam com êle.
Vamos, então, à prática: você e seus comunistas recebem um porção de terra, por exemplo, o Norte e o Nordeste, SEM os capitais investidos lá até hoje, isto é, a terra nua e crua.
Em quanto tempo você acha que os capitalistas vão comprar tudo de vocês?
Já que o comunismo se baseia em apropriar-se do que os capitalistas têm, quando os capitalistas acabarem e acabarem os recursos roubados dêles, o que vocês vão distribuir?
A análise do sistema capitalista está correta e uma nova análise bem feita é sempre bem-vinda. A questão não é esta.
O problema nôvo é a velha solução, que não funciona, não funcionou mas que somente o ego capitalista dos socialistas e comunistas não permite seja enterrada junto com as vítimas do GENOCÍDIO de mais de 100.000.000 de sêres humanos exterminados para pôr em prática uma "idéia" imbecil de um recalcado assassino.
Além disto, a análise correta do capitalismo não se constitui, ela própria, uma justificativa para (re)criar o socialismo, apenas mostra que os comunistas e socialistas não pensam, apenas repetem as bobagens do Mensaleiro-mor que inventou um jeito de exterminar todos os que não concordam com êle e impor um "sistema" que não funciona na prática.
Se depois de exterminar mais de 100.000.000 de pessoas você se refere à crise do capitalismo como a "da lógica que conduz à crise e à barbárie" o que você considera o paraíso?
O texto é bem interessante, com exceção do último parágrafo. Apontar o socialismo como uma saída para as crises do capitalismo é muito estranho, principalmente quando observamos o retrospecto econômicos daqueles países que adotaram este sistema econômico. E nem vou mencionar as características políticas destes regimes. Aliás, por falar em crise nos países socialistas aqui mesmo encontramos um texto bem elucidativo: http://transarevista.blogspot.com/2011/04/apontamentos-sobre-as-mudancas.html
Caro Giliad,é este o futuro dos seus sonhos?
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http://algunsfilmes.blogspot.com/
Marcio Carneiro e Marcos Rosa.
Pois bem, fico satisfeito pela leitura do texto. Minha intenção ao escrevê-lo, inclusive me utilizando do bom humor, foi resgatar um trecho d'O Capital de Marx que consegue com toda propriedade não apenas antecipar a crise que ainda está em curso, mas desvelar a lógica desse sistema, apontando a crise como um momento fatídico.
Marcio Carneiro, não irei aqui abrir um debate muito grande e desgastante pq penso ser desnecessário. Recomendo vc que releia e interprete da forma que escrevi o último parágrafo. Para mim, o socialismo (ou qualquer outra formação econômico-social pós capitalista, hegemonizada pelos oprimidos de então) é uma experiência ainda não experimentada. E pq afirmmo isso? Pq, me utilizando de Marx, um modo de produção hegemômico é que o se superioriza a todos os outros. As experiências citas por vc executaram tal feito? Não. No entanto, isso não implica dizer que foram (e ainda são em alguns casos) fracassos históricos. Pelo contrário! Foi a prova cabal de que é possível uma organização social e humana alternativa ao capitalismo.
Sobre os dados e números trazidos por vc, meu caro, não queira insultar a nossa inteligência. A questão não é quem mata mais ou quem mata menos, porém se isso tem ou não haver com a respectiva lógica sistêmica. O que apresentei, enquanto uma experiência abstrata, retrata que logicamente o capitalismo é fadado à barbárie. Mas se vc quer colocar na ponta do lápis e fazer as contas como se deve, então lá: nunca houve tantas mortes frutos de guerra como após a hegemonia do capitalismo, ou seja, em pouco mais de 3 séculos, ocorreu mais mortes do que somado todos os outros séculos; nunca antes uma organização social teve por motivo de sua crise o excesso de produção, ao passo que mortes por escassez de alimentação apresenta indíces alarmantes; Nunca antes um modo de produção teve o meio ambiente como um impecilho ao seu desenvolvimento; enfim, eu poderia tornar ainda maior essa lista.
Sobre os avanços que vc aponta ao capitalismo,na maioria temos acordo. O capitalismo produz abstança, benesses, etc., no entanto isso não implica dizer que sua lógica seja produzir no intento de provê as necessidades e estimular as capacidades humanas. Se disso vc discordar, então meu caro, há aqui um ponto nevrálgico que nos dificulta o diálogo. Se vc crer mesmo que o capitalismo existe p gerar harmonia, bem-estar e melhoria contínua para os indivíduos em geral, eu não duvido que vc também acredite em coelho da páscoa, papai noel e outras "fantasmagorias"...
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