Começou com Núbinha (Núbia Lafaette) comentando uma matéria (sobre Edson Machado e as edições MAC) que ela leu na Transa. Núbinha está sempre me vendendo projetos (e comprando os meus). Dessa vez era um livrinho com os meus desenhos editados pelo MAC. Estou sempre desenhando. Tenho dezenas de bloquinhos, cadernos, diários, moleskines e folhas soltas com desenhos feitos nos mais diversos locais e situações. São cenas que vejo, coisas que imagino, historias que eu leio, que eu vivo, que alguém me conta. A ideia de fazer um livrinho com esse material não me era estranha, mas algo distante. Objetivamente distante. Mergulhado numa crise pessoal que tirava o sabor das coisas não tinha ânimo para enfrentar outra vez uma produção independente (como fiz com “Cinco canções e um remix” e “Lucas-versão redux”, em 2006-2007), nem grana para fazer o livro por uma editora (como a BLISS, 2009). Achei a ideia de Núbinha simpática, mas para algum outro momento.
Até que, duas semanas depois, encontrei com o Edson Machado no MAC e falando sobre a matéria da Transa lembrei do projeto de Núbinha. Edson prontamente se animou e depois de uma olhada rápida em alguns desenhos do meu moleskine me perguntou se eu não topava entregar um livrinho para ser lançado no aniversário do museu que seria em 3 semanas. Topei. Maristela Ribeiro também comprou a ideia do livrinho e assim acabou nascendo a Coleção Rabiscos. Uma coleção que pretende publicar uma série de livrinhos com trabalhos de artistas plásticos contemporâneos, sob o selo das Edições MAC.
Minha primeira ideia para o livrinho foi editar um dos meus moleskines em sua sequência original. Com desenhos misturados com trechos de poemas, recortes de jornal, cifras de canções, telefones, endereços, pequenos poemas visuais e um pouco de diário intimo. As questões que estavam me mobilizando diziam respeito a essas migalhas de realidade. O valor gráfico da palavra. Vestígios do sujeito. Auto-ficção. Projeto. Processo. Tudo muito sujo de ordinária vida real.
O livrinho que por fim saiu traz muito dessas ideias mas é graficamente bem diferente. Os desenhos são todos recentes, feitos entre abril e junho deste ano. O branco da página impera sobre quase todos eles, criando espaços de silêncio que se contaminam. Tentei tirar toda citação, sampler e apropriação que não fosse essencial, ainda assim muitas ficaram. Não lhes tirarei o trabalho de descobri-las, mas sobre duas é fundamental que se fale.
A primeira diz respeito ao próprio nome do livrinho. “voilá mon coeur” é o nome de um bordado do Leonilson. Um pedaço de lona pintada de tinta acrílica dourada, com uma fina tira de feltro cinzento em sua borda superior, e vinte seis pingentes de cristal lapidado. Essa obra me instiga. Numa primeira leitura ela parece muito alegórica e literária (num sentido rasteiro e sentimental), mas de acordo com o que se volta à obra ela guarda uma serie de camadas inconciliáveis que parecem sempre frustrar uma compreensão total. Nessa frustração reside o enigma da obra, a chave do retorno. Ao menos para mim.
A outra apropriação também diz respeito ao trabalho do Leonilson. “O que você desejar, o que você quiser, estou aqui, pronto para servi-lo” é a frase bordada na barra de um vestido de voile branco deste artista. No meu caso ela vai nomear o único poema incluído no livro. Um poema muito informado pelas leituras de “malas prontas & asas pretas” (segundo volume das obras reunidas) do Roberto Piva e dos poemas da Kaváfis traduzido por José Paulo Paes. O desenho que emoldura o poema é o sampler de um dos desenhos feitos pelo Jean Cocteau durante sua desintoxicação de ópio.
Depois do livrinho pronto não resisti e ao modo do Caio Fernando Abreu coloquei na página que antecede os desenhos “para ler ao som de ‘berlim-texas’-Thiago Pethit”. Esse primeiro álbum do Pethit foi meu disco de cabeceira desde meados do outono. Vejo nele a mesma atmosfera de fragilidade e elegância que busquei para os desenhos.
Bico de passarinho, varinha de incenso, brasa de cigarro, garotos de nuvens, navalha afiada, sapato de sola furada, papel de seda, figo maduro, canção de Bethânia, pastiche. Vasto, vivo: eis aqui meu coração.
Marcio Junqueira, inverno 2010
Lançamento: “voilá mon coeur”(desenhos) – Marcio Junqueira
Data: 22 de julho de 2010, quinta-feira, 20hs
Local: Museu de Arte Contemporânea (MAC), Rua Geminiano Costa, 255, Feira de Santana.
2 comentários:
Eis aqui o MEU coração! que está completamente "na mão" como diz o dito popular... na mão por não poder estar no lançamento. E estará completamente aberto no dia que tiver o prazer de ver e rever essa obra de perto! Sucesso, sim! será um sucesso!
Um beijo!
Yohanna Assumpção
Estou muito curiosa para conhecer "o livrinho". Não fui para o lançamento por um imprevisto, mas gostaria de saber cmo posso ter acesso.
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