Cidade Nova, Feira VI, Novo Horizonte, pra rua, Getúlio, JSantos




Se você tem mais de 12 anos (ou seja qual for a idade em que passamos a discernir com clareza as coisas da vida) e mora em Feira de Santana e leu o título desse post e não teve uma sensação de familiaridade em relação a alguma coisa, é porque você está mentindo: ou não mora aqui ou falsificaram sua certidão de idade. Mas, se sentiu tal impressão familiar, então está ok. Sugiro a você que tente agora advinhar o que é. Eu te pediria para que postasse sua resposta na caixa de comentários, mas você vai ler o resto do texto e vai saber do que eu estou falando. Portanto, clique no “Leia mais” e mate sua curiosidade.


Para chegar aos lugares em Feira de Santana você pode ir a pé, de bicicleta ou carro, pegar um táxi, um ônibus, um motoboy ou... uma Van. Seja na Getúlio Vargas, seja na José Falcão, em algum momento do seu dia você vai ouvir um rapaz gritando de dentro de um veículo. Se seu destino (e o da Van) é o Feira VI e você estiver perto do Feira Tênis Clube, por exemplo, ele vai gritar “Cidade Nova, Feira VI, Novo Horizonte!”, se referindo aos bairros pelos quais atravessa no seu percurso. O moço que produz este brado é conhecido como “cobrador de van”. E se o seu destino é o oposto (você está no Feira VI), ele gritará: “pra rua, Getúlio, J Santos!”. Tente agora imaginar este clamor de guerra multiplicado por vinte vezes. A cada cinco minutos, você que espera o ônibus porque tem passe legal ou porque precisa entrar nos terminais norte ou central irá ouvir freneticamente o nome destes bairros, nesta exata ordem, inalteravelmente. Há alguns momentos em que chegam três Vans de vez no ponto e começa uma grande disputa para ver quem consegue fisgar mais passageiros. Todos agem segundo a ética dos cobradores de Van, que desconheço.


Van é “Carrinha” em Portugal e – pasmem! – “Chapa 100” em Moçambique. Para quem se refere às vans dizendo “Kombi” e “Topic” crendo que estas são sinônimos daquela, estão metonimicamente enganados: Kombi é uma marca produzida pela Volkswagen, assim como Topic é uma marca da Coréia; o nome que se dá ao tipo do carro é tão-somente “Van”.

O grande problema das Vans é você conhecer o nome dos pontos onde elas descem. Não adianta explicar geograficamente ao cobrador onde você quer descer, ele nunca vai entender. Eles nem sequer sabem o nome das ruas. Os cobradores de van lidam com imagem emblemáticas, com paradigmas. “Getúlio” para eles é mais que o nome de uma avenida ou de um presidente do Brasil. Getúlio é o significado de que um percurso se findará e que, por questões de sobrevivência de quem faz este percurso, ele será repetido inúmeras vezes, até que o dia se acabe. Por isso não adianta dizer o nome da rua, nem mesmo falar “quero parar na próxima esquina” – eles, quando vestem a farda e entram na van, esquecem-se até mesmo do conceito de esquina.

A Van, assim como as diligências nos tempos do faroeste, acaba criando um microcosmo. Outro dia tive uma descoberta que por pouco não me matou de angústia, caso ela viesse só muito depois. Me refiro a um dos pontos de van, cujo nome é Cajueiro. O feirense sabe que existe o Clube de Campo Cajueiro, e que Van nenhuma leva alguém para lá. Mas, quando você vai no sentido Feira VI-Novo Horizonte, depois de passsar a passarela da Cidade Nova, há um ponto chamado “Cajueiro”. Comecei a prestar atenção para saber o que tinha no local (porque o nome dos pontos surge a partir da referência mais nítida – geralmente os maiores estabelecimentos ou monumentos). Percebi que a Van sempre parava em frente a um Motel enorme chamado Karla. Pensei: ora, porque o nome do ponto não é “Motel Karla”? Será que é porque as pessoas teriam vergonha de dizer que querem descer num motel? Então ao menos dissessem apenas Karla, para não usar o nome “Motel”. Mas, ao mesmo tempo, chegar e dizer “Quero descer no Karla”, daria a entender que você freqüenta o lugar com tal familiaridade que já o chama pelo segundo nome. Logo, cheguei à conclusão de que tinha um cajueiro de verdade ali próximo, grande o suficiente para ser a “referência mais nítida”.

Entretanto, todos os dias que eu passava ali não via pé de caju e castanha nenhum. Cheguei a nova conclusão: cajueiro é um apelido do Motel Karla, que usam para não se referirem diretamente ao motel. Mas, não me contentei com isso. E comecei a ficar preocupado com meu estado de espírito. Eu precisava resolver essa questão.

Quando estava a ponto de perguntar ao cobrador o porquê do nome desse ponto ou mesmo evocar a presença do Detetive Johnny Boy, um dia reparei que ao lado do Motel existia um bar, e que o nome do maldito bar era Cajueiro! Um nome minúsculo, que mal dava pra enxergar, de um bar desses qualquer de bairro, que não possui diferencial nenhum! Enquanto grandes lugares são pontos, como a majestosa passarela da Cidade Nova, como o prédio gigante da Aro 10, como o próprio Fórum Filinto Bastos, como o grande ponto de impacto do centro de Feira, o lendário “Nordestino”, como o maior ponto da história do comércio e da indústria da Feira moderna, o mítico “Ponto da Brahma”, um estabelecimento humilde desses se transformou num ponto de van em Feira de Santana?!?!?! Só para que as pessoas não tenham que se referir a um motel quando precisam descer ali?!?!?!

Como diria meu colega Paulo Moraes: Pe-la-mor-de-deus, Feira de Santana!

Isso é o que eu chamaria, com toda a certeza, de força de um tabu.

12 comentários:

8 de fevereiro de 2010 às 07:12 M. Correia disse...

Os homens são 'moral'.
As mulheres são 'senhora'.

8 de fevereiro de 2010 às 10:22 Rodrigo D. disse...

Pelo que eu sei, do tempo em que morava no Campo Limpo e pegava van, o ponto do Cajueiro não é ou era exatamente no Motel Karla. Ele ficava alguns metros antes, imediatamente após o ponto do Posto Bahia — e eu até me perguntava o motivo de haver uma sequência de três pontos tão juntos um do outro (antes do posto Bahia, há o ponto que se chamava "do Campo Limpo", em frente a um ferro velho). Mas, enfim, o ponto do Cajueiro era realmente demarcado pela presença de um imenso cajueiro que existia ali (derrubaram? não sei, não prestei atenção nos últimos anos) — cajueiro este que serviu de nome ao bar e ao ponto (ao ponto antes do bar, se não me engano). De qualquer forma, o Motel Karla, Taj Mahal feirense, roubou o poder geográfico e demarcatório da pobre árvore, mas não conseguiu se impor como referência.

8 de fevereiro de 2010 às 15:17 Anônimo disse...

E o pior é na falta de opção ter que pegar a Van portando o passe legal e ter que perguntar: Pega meia?. E, por vezes, ouvir um belíssimo "não".

8 de fevereiro de 2010 às 16:07 Unknown disse...

Realmente existe uma enorme disputa entre os cobradores pra ver quem consegue mais passageiros. Eles deveriam considerar a educação como critério para isso.Nunca vi falta de educação maior, ficam a ponto de quase puxar pelo braço os passageiros e levar até a van... como se fossem mercadorias em promoção que se não comprar naquela hora, acaba o estoque e não se consegue mais. Ah sim, senhora quando não é "tia" (para as mais velhas) ou "menina" (para as mais novas). Aff!

10 de fevereiro de 2010 às 18:26 Marvin disse...

Cara, até onde sei o ponto é realmente antes, na frente do cajueiro, como já dito, e também sempre achei que o bar tivesse tal nome por estar em frente a um ponto de referência de tal magnitude, tipo um merchandising do dono mesmo.
De fato, os cobradores são barulhentos e tudo o mais, mas daí a praticmente chamá-los de ignorantes são outros quinhentos, não entendo o pq de um cara de tal função não conseguir entender simples explicações de localidade e sobretudo de não ter a capacidade de saber por onde anda, acho que é julgar uma pessoa por sua posição social.

10 de fevereiro de 2010 às 18:54 Daniel Oliveira disse...

Haha, Marvin, o que eu quis dizer (fazendo esse drama que é típico meu) é que os cobradores assimilaram tais pontos como imagens fortes da vida profissional deles. Aí disse aquilo apenas como exagero para dizer o quão forte é a questão dos nomes dos pontos.

Não vamos dar uma de Boris Casoy novamente!

Abraço.

10 de fevereiro de 2010 às 20:28 Marvin disse...

saheuhsuheuhasuheuhasuheuahsuheuasue
Boris tbm cê tá forçando!!

Mas juro que interpretei assim, agradeço pelo esclarecimento ^^

Abraço.

11 de fevereiro de 2010 às 14:27 Paulo Moraes disse...

Andando hoje na de Van (sentido Feira VI - Centro) tive a certeza que o amigo Daniel (ou é João para os homens - eu sempre me confundo)sobre o fim do conceito de esquina dos Trabalhadores do transporte altenartivo de Feira.

14 de fevereiro de 2010 às 17:34 Anália Lima disse...

Enquanto “nativa” do bairro Feira VI há 21 anos e que, segundo o autor do texto em questão, aos 12 pude vislumbrar “o discernimento” o que me dá aproximadamente 10, notórios, anos de crítica sobre as coisas da vida, afirmo que antes mesmo de existir o MOTEL KARLA o ponto de referência em questão já era conhecido como CAJUEIRO, pois há um exemplar desta planta neste ponto da margem da Transnordetina. Mas quem pode ter sido o ABENÇOADO que percebeu que tal planta era um cajueiro??? Para os não-feirenses ou desinformados esta área da cidade que fica fora do seu Anel de contorno além de não ser tão “povoada”, na época, é rota dos trabalhadores rurais e por tanto pessoas mais humildes e “puritanas”. Por tanto que acontece é que a referência de uma localidade não vai mudar porque o MOTEL é maior e mais visível, pois esse tipo de mudança é gradual e depende do nível cultural da região.
OBS: Qual a relação entre a imagem e o texto? Feira de Santana não tem mar!!!

14 de fevereiro de 2010 às 18:26 Marcos Rosa disse...

Se você estiver em um bom dia até se diverte com as peripécias dos trabalhadores de van desta linha: pressa para não ser ultrapassado por outra van, esperar e esperaar no ponto para não perder o passageiro que vem atravessando lentamente a passarela, lotar a ponto do cobrador ir em pé(agachado) com a bunda na janela ou no rosto de algum passageiro, dá uma volta no feira VI pra pegar um passageiro e atrasar sua viagem...

15 de fevereiro de 2010 às 05:51 Daniel Oliveira disse...

Assim como acontece com o ponto da Brahma, minha querida Anagé, onde a referida não existe mais, porém, justamente, ainda existe enquanto referência.

Centenas de leitores me perguntaram sobre a relação da imagem e do texto. Deixei para que vocês matassem a charada, porém, como ninguém conseguiu, revelarei o grande segredo... confesso que o enigma era de tal complexidade que eu mesmo tive de anotar para não esquecer.

Enfim: não quis focar o mar na imagem, mas sim a vista do horizonte. Por quê? Porque um dos bairros citados no título é exatamente NOVO HORIZONTE!!!!!!!!!

17 de fevereiro de 2010 às 02:12 Anália Lima disse...

Huhauhuahuahuauha!!!!
Novo horizonte... Muito complexo.
Juro por Jah, pensei em várias coisas menos nisso!

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