Memorial do inferno

|por Franklin Oliveira|

Tenho a felicidade de ter um ex-aluno, poeta e grande batalhador pela literatura deste país, o Waldeck Almeida de Jesus, que me enviou ontem a sinopse do seu novo livro. O trabalho é eminentemente autobiográfico. Narra a vida de um brasileiro que não para de lutar por um lugar ao sol. Um rapaz pobre, nascido no interior da Bahia, cuja mãe era paralítica e o pai portador de várias enfermidades que o impossibilitavam de trabalhar mas mesmo assim tinha que sustentar oito filhos. A vida da família foi uma tristeza só, não tendo casa própria nem renda suficiente para o sustento dos filhos.

O resultado todo mundo já sabe, vida precária em casas de aluguel, falta do mínimo conforto “civilizatório”, incluindo água encanada e energia elétrica. O grande amor do pessoal era uma mãe sofrida, Paula, que manteve essa família unida até que cada um dos filhos pudesse sobreviver por si só, mas que não resistiu ao novo milênio.

Órfão, o personagem da obra (que desconfio ser o próprio autor) viu-se obrigado a assumir a família aos 16 anos, tendo vivido e trabalhado para sustentar e educar os irmãos. Contra tudo e contra todos, estudou, trabalhou e tem hoje seus esforços reconhecidos. Agora, todos os membros da família, apesar de suas vidas atribuladas ou da distância que os separa, encontram sempre uma data no calendário para se visitar e estar juntos, compartilhando momentos de alegria e tristeza.

A nova história de Waldeck lembra a vida real de muitas pessoas e é um exemplo de vida que pode servir de exemplo para muitos jovens das nossas grandes cidades brasileiras que precisam acreditar em seus sonhos. Mas é mais do que isso, lembra a própria vida do glorioso EC Vitória.

Ninguém merece mais esse título de Memorial do inferno que o leão. Foi meu pai que me legou esta tragédia. Quando me levou para entrar em campo com o time nos anos 50 na velha Fonte Nova não me advertiu da enrascada. O Vitória foi o único clube do mundo que conseguiu passar 44 anos sem ser campeão, e, apesar de há décadas terem sido criados os torneios nacionais, chegou perto por três vezes (1992,1993 e 2010) mas nunca conquistou nenhum, a não ser que consideremos o Torneio da Morte e o da Uva títulos nacionais.

Foi a sua torcida-mãe que sempre sustentou o time e foi fiel a ele mesmo quando estava na pior. E olhem que não eram só oito filhos mas onze em campo, os treinadores e assistentes, e ainda um monte de jogadores do come e dorme. O clube sempre dependeu dos Waldecks da vida para ir em frente, e não é que é o melhor clube dos Nordeste pelos novos critérios da CBF?

Esse ano mesmo o time tinha tudo pra dar certo. Montou uma boa equipe desde o início e entrou firme na disputa de tudo o que participou. Mas olhem que ficou no “quase”. A primeira foi o campeonato baiano, onde parecia que o seu arquirrival ia vencer de lavagem, mas, cresceu na fase final e só não levou a taça pra toca em função do goleiro Douglas ter tomado dois frangaços em Pituaçu!

Na Copa Brasil por pouco não foi a semifinal. Passou pelo poderoso Botafogo, com direito a vitória no Rio de Janeiro, mas tropeçou no eterno vice Curitiba. E o pior foi ficar no zero em casa e passar o maior vexame no Paraná (1 X 4) depois de abrir o placar! Depois disso começou a Segundona meio desacreditado. Mas pouco a pouco foi impondo um belo futebol que, entre tapas e beijos, destacaram Pedro Ken e Victor Ramos como os melhores do certame.

O leão chegou a botar cinco pontos na frente do Criciúma, oito do Goiás e 10 do Atlético Paranaense e do São Caetano. Quem foi naninha! Ontem, quando terminou a rodada, esse esforços foram debalde. O Goiás é o virtual campeão, com cinco pontos em sua frente, o Cri – cri está em segundo, o furacão está em terceiro, e nosso rubro negro disputa melancolicamente a subida com o time do São Caetano, que está a apenas dois pontos e mordendo seus calcanhares.

Ontem quando cheguei à casa de meu vizinho estava preocupado, afinal o São Caetano e o Atlético Paranaense tinham ganhado na véspera.  Mas aí “Seu” Carlos tentou me animar. Lembrou que o Goiás e o Criciúma ainda iam jogar e que o Guaratinguetá estava arrastando lata.

O leão saiu com Gilson a todo vapor pela esquerda obrigando o lateral a jogar a bola pro mato. Depois disso foi a vez do Guará subir e até conseguiu um escanteio, mas a bola não parou em nenhum atacante. Tudo isso em apenas dois minutos. O rubro negro tomou a iniciativa outra vez quando Nino subiu pela primeira vez e cruzou, mas não havia ninguém no meio pra aproveitar.

Aos cinco minutos o Guará consegue novo escanteio e ao cobrá-lo a bola foi passada para o lateral que a cruzou na cabeça do número 11, Jonathan, que a acertou no fundo das redes enquanto Victor Ramos ficava pregado no chão. O mesmo filme de quase todas as partidas do segundo turno. Começávamos perdendo de um a zero e tendo que tirar a diferença.

Meu vizinho xingou a beça mas acabou lembrando que o jogo estava só no início. E realmente o leão melhorou, não aparentou estar abalado com o gol. Choveram oportunidades, na primeira William cabeceou num escanteio. Na segunda Marquinhos (que estava bem) cobrou falta nas mãos do goleiro.  Mas, logo em seguida, novo susto quando Gabriel deu um encontrão com o atacante paulista na área e graças a Deus o juiz não apontou pra marca fatídica. O lance abriu momentos de apreensão quando Nino, nosso melhor atacante, tomou cartão amarelo e, a seguir, pra não complicar pro seu lado, deixou o cara passar e ele deu pro Alemão que chutou pra fora. Assim realmente não dava!
Mas o leão voltou a iniciativa. William subiu bem mas a zaga tirou. Nesse momento o jogo está lá e cá embora sem perigo de gol. Minto, na verdade gol era o que acontecia com os nossos concorrentes. E para nossa desgraça o locutor anunciou dois, o do Goiás contra o Barueri, e o do Cri - cri contra o América de Natal. Nada podia ser pior do que isso!

O rubro negro continuava se virando. Nino cruzou pra Elton mas esse cabeceou alto por cima do gol. O lateral insiste e sobre de novo conseguindo um escanteio. E na cobrança Gilson perdeu um gol cara a cara com o goleiro. Uéliton chuta da intermediária, mas o goleiro pega fácil. Alemão toma cartão amarelo, ainda bem. Logo a seguir o mesmo Uéliton, no único lançamento que acertou, bota Marquinhos de cara e este chuta pro goleiro espalmar.

Uma boa estocada de Nino termina em mais uma falta que o juiz não coíbe, e, a seguir, novo gol catarinense lá em Natal: dois a zero. Uma desgraça mesmo, todo mundo ganha e só o leão que não se ajuda! Elton até que quase tapou minha boca entrando pelo meio e fazendo um golaço mas o desgraçado do bandeirinha na anulou prejudicando o nosso time.
  
Outro cartão amarelo para os paulistas, mas não adianta que PC Gusmão não buscava explorar os que estavam pendurados. Aos 33 Marquinhos faz sua melhor jogada, numa passagem pelo zagueiro, ficando de cara com o goleiro e chutando no canto pro cara fazer uma defesa sensacional. Era mais uma tarde de azar! Nino sobe mais uma vez mas com usura chuta por cima do gol. O jogo começa agora a equilibrar e não surgem mais lances de área, a exceção de uma falta da intermediária cobrada pelo Guará no finalzinho, mas a bola vai à barreira.

No intervalo foi o maior banzo. Um desespero começava a me bater, e até “Seu” Carlos não parecia tão otimista. Que fazer com um ataque cardíaco desses onde Elton e William não produziam e os caras ganhavam todas na cabeça? É certo que Dinei e Marcelo Nicácio estavam no banco, mas como tirar um volante pra colocar mais um atacante com uma defesa como a nossa? Será que o América reagiria lá em Natal?

Estávamos absortos nessas divagações quando recomeçou nossa tortura, digo o segundo tempo, com PC fazendo a mesma substituição de terça feira, Fernando Bob no lugar de Uéliton, ajudando a apoiar mais o ataque. Foram 10 minutos onde o leão retomou a iniciativa. Logo no primeiro minuto Gilson cruzou e William cabeceou em cima do goleiro. O Guará chegou logo depois mas Deola interceptou o cruzamento.

Aos 3 minutos foi a vez de Gabriel cabecear alto um escanteio, e, dois minutos depois, o zagueiro tirou em cima da linha um gol de William num cruzamento de Marquinhos. Outro cartão amarelo para o Guará, desta vez pro lateral-esquerdo capitão do time. E aos dez, Deola deu rebote e o atacante pegou fora da área e ainda bem que chutou mal. Aos 12 William pegou de cara com o goleiro, preferiu não passar pra Elton e deu um chute bisonho pra fora. Assim também é demais também!

Os caras chegam de novo ao ataque, mas Deola intercepta o cruzamento. Os paulistas então mudam e só aí é que PC dá o ar de sua graça, tirando o mau William por Dinei. Mas, do jeito que este está fora de forma foram seis por meia dúzia. O Goiás faz o segundo gol enquanto tudo em Guaratinguetá continua na mesma. Mas viria a única alegria do dia, o gol do América. Ah como vibramos, agora vai!   

Elton não consegue girar na área mas pelo menos é outro escanteio, como de hábito, mal cobrado. Estamos já no meio do segundo tempo e o mau comentarista da Rede Bahia insiste em dizer que o leão “fatalmente, vai empatar”. Aos 24 minutos PC, enfim, resolve tirar Tartá, mas ao invés de colocar mais um atacante prefere colocar o delegado Artur Maia que disseram a ele que joga bola. As coisas estavam tão ruins que um estouro maluco da bola de um jogador do Guará consegue chegar ao gol de Deola.

Faltando quinze minutos pra acabar o desespero é total e nada de empate do América. Foi tal de puxar cabelos tanto na casa do vizinho como lá em Guará. Gabriel se joga em cima do goleiro num escanteio, é falta. Victor Ramos sobe nos escanteios, mas não consegue ganhar uma na cabeça. Dinei ainda não pegou na bola. E, pra culminar, vem a desgraceira no caminho da feira, o Cri - cri mete um e logo depois outro gol lá em Natal mostrando que o que está ruim sempre pode ser pior.

O Vitória continua insistindo, mas sem produtividade. Nino bate cruzado mas a bola sobe, Fernando Bob chuta em cima do goleiro. Artur Maia, enfim, bate uma falta tentando surpreender o goleiro, mas esse bota pra escanteio. O Goiás enfia o terceiro em flagrante impedimento. Marquinhos faz uma boa descida que termina com uma falta. Aí o tempo fechou com os caras ganhando pelo menos um minuto. Na volta Maia chuta na barreira. Marquinhos ainda bate de longe no finalzinho mas o goleiro pega.

Na casa do meu vizinho uma tristeza só. Acabou nosso fim de semana. Para completar fui assisti ao filme Tudo que desejamos, mas disso conto outro dia pois não estou conseguindo nada que desejo, pois a vida do Vitória é um verdadeiro Memorial do inferno.

Franklin Oliveira Jr. é desportista, escritor, professor universitário, e criador do blog Memórias da Fonte Nova e da WEB TV Pra que política?

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