A tal da felicidade


|por Franklin Oliveira|
Gente, ontem no Barradão a felicidade bateu a minha porta. Sofri há dois anos desde aquele jogo desgraçado contra o Atlético Goianiense que nos derrubou para o fim do mundo da Segundona. Ninguém merece o sofrimento que passei junto de toda aquela galera fiel ao leão que levou dois anos sem ter qualquer alegria. Passamos sete meses do ano passado lutando desbragadamente e acabamos morrendo na praia em Arapiraca perdendo o acesso para os pernambucanos por apenas um pontinho.

Esse ano foi dividido em duas partes. Na primeira perdemos o campeonato, a Copa do Brasil, mas em compensação matamos a pau no primeiro turno disparando em primeiro lugar e colocando cinco pontos à frente do Criciúma, que ficou em segundo lugar. Aí começou a miserável discussão sobre o “bicho” dos jogadores pela subida e o título que levou o leão para um verdadeiro inferno austral.

De líder fomos descendo a ladeira e foram subindo o Goiás, o Atlético Paranaense e até o São Caetano ficou mordendo os nossos calcanhares. Uma verdadeira desgraceira no caminho da feira e todo fim de semana que jogávamos fora de casa era um sofrimento. Passamos a virar saco de pancada. De título não mais se falava, mas pelo menos tínhamos de levar uma vaguinha do acesso. E foi isso que ocorreu no sábado.

Tive que pegar o dicionário pra tentar entender o que eu sentimos na Primeira Divisão. Lá diz que felicidade “é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, em que o sofrimento e a inquietude são transformadas em emoções ou sentimentos que vão desde o contentamento até a alegria ou júbilo”. Mas foi pior a emenda que o soneto! Que negócio é esse da felicidade ter que ser durável? Do jeito que o leão está qualquer pitada já serve! Depois que li a definição da tal da felicidade passei a ser mais ignorante. Nada posso dizer em relação á plenitude, equilíbrio físico e psíquico e outros bichos, mas confesso que não sei mais se estou sentindo contentamento, alegria ou júbilo!

E se agente for buscar na filosofia, religião ou psicologia as coisas só fazem complicar. Dizem que o ser humano sempre buscou a felicidade, embora os antigos gregos a chamassem por um palavrão, eudaimonia. Zoroastro dividia tudo entre o bem e o mal e livrou a cara da felicidade que vinha no primeiro, mas Confúcio estava mais preocupado em como atingi-la e aí inventou a disciplina das relações sociais. Imaginem que para o Dalai Lama ser ou não ser feliz é uma questão mental.

O que eu não concordo mesmo é com Aristóteles e Epicuro pois diziam que a felicidade está no equilíbrio. Eles estão por fora pois quando o Ceará empatou o jogo ficamos numa infelicidade desgraçada até o fim da partida. Só foi depois que o J. Cristo apareceu com essa de amor, que seria o elemento fundamental para atingir a tal da felicidade. Eu não tenho nada contra, pois já está provado que o amor ao leão, se leva anos de sofrimento, também trás dias como o de ontem de pura felicidade.

Tou mais com Maomé e Tolstoi, para os quais a felicidade seria obtida pela caridade, por fazer o bem e ter esperança de uma vida após a morte, afinal não foi isso que a torcida rubro negra fez, doando sangue ao HEMOBA e acreditando que sobreviveríamos mesmo ao inferno da Segundona por dois anos? Mas confesso que vacilo com outras definições. Não foi Rousseau que disse que agente já nasce feliz e que é a sociedade que nos desencaminha? Afinal, o torcedor do leão é feliz só por amar o seu clube desde nascença. E olhem que nem tem de se educar como prega o filósofo.

Augusto Comte diz que podemos alcançar a felicidade neste mundo, basta dominarmos a ciência e a razão, no entanto Marx joga a coisa pras calendas gregas, quando alcançarmos a sociedade perfeita, a tal comunista. Será que chegaremos um dia á igualdade entre os clubes brasileiros e acabaremos com tanta usura de empresários, jogadores e dirigentes da FIFA e da CBF? A felicidade é tão importante que inventaram até uma teoria, o utilitarismo, que prega que ela é quem move os seres humanos, e os governos não teriam outro papel do que maximizá-la para todos. Freud vai na mesma direção só lhe deu outro nome, o princípio do prazer!

Por aí vocês já viram que procurar o que estou sentindo na filosofia, religião e psicologia não me leva a lugar nenhum. Voltei-me então para as artes e a música para ver se tinha mais sorte. Mas enguicei logo de saída com Shakespeare, pois ele diz (pasmem!) que é melhor viver sem felicidade do que sem amor! E que dizer do Millôr Fernandes que só pensa em grana e afirma que se o dinheiro não traz felicidade paga tudo o que ela gasta! Prefiro Goethe entre os literatos pois, para ele, “cada dia é uma vida inteira na plenitude da felicidade”. Pode falar quem quiser mas o dia de ontem valeu uma vida pros quarenta mil rubro negros que estavam no Barradão.

Na musica as definições são mais amenas. O Tim Maia é um infeliz pois fica afirmando que “hei de te encontrar mesmo se eu tiver de procurar”. Ora, bastava torcer pro leão que ele já teria achado a felicidade pelo menos nas cinco vezes que subimos para a Primeira Divisão. A banda Skank é uma perdidona que só fica perguntando o que é a felicidade. A Zélia Duncan é uma depressiva pois não entende porque está feliz, nem o motivo pra ter tanta felicidade. Chega a afirmar que perdeu o senso da realidade. Deve ser torcedora dos nossos adversários que ficam todo ano dependendo das últimas rodadas pra ficar ou não na Primeira!

Ontem foi um sufoco. Tive que almoçar ás onze e meia por causa desse horário desgraçado da Rede Globo de Televisão. Nem deu nem tempo pra papar a sobremesa. Quando chegamos ás quinze pra uma já haviam milhares de pessoas nas imediações do Barradão. O jogo começou a todo vapor e enfiaram a bola pra Willie que driblou o goleiro e foi derrubado. A torcida comemorou fartamente pois pensava que o juiz havia assinalado o pênalti, mas a porcaria do Sandro Meira Ricci não estava nem aí.

Mas o pessoal nem ligou pois o leão era o dono das ações e, até os vinte minutos perdeu três chances claras de gol, e ainda teve a batida de fora da área de Dinei que o goleiro Dionatan espalmou pra escanteio. Aos quatorze William passou a bola com açúcar pro mesmo Dinei que chutou mal nas redes pelo lado de fora. E, dois minutos depois, foi a vez de Mansur cruzar pra William que, frente a frente com o goleiro, chutou pra fora.

Comecei então a me preocupar pensando naquele velho ditado do futebol, o “quem não faz toma”. E olhem que o Ceará começou a gostar do jogo. Ah desgraçados, imagina um time desses que não tem mais nada a fazer no campeonato! Deve ter rolado mala branca do São Caetano e dos paranaenses!  Magno caía pela esquerda aproveitando as subidas de Nino, eles investiam pela direita com Apodi e com Mota centralizado no ataque e se defendiam com nove jogadores, mas praticamente não chutaram a gol no primeiro tempo.

Passaram mais uns vinte minutos nesse rami rame com a torcida cada vez mais preocupada, até que Willie enfiou a bola pra William e este entrou de cara com o goleiro chutando por baixo de suas pernas pra fazer um a zero. Foi um delírio no estádio, quase caio em cima do pessoal das cadeiras da frente. Um tal de abraça abraça que mais parecia missa. Logo depois terminou o primeiro tempo. Tudo parecia correr bem. O Vitória e o Atlético Paranaense venciam, o Criciúma perdia e não saíam do zero Guarany e São Caetano. Quer dizer, as coisas tinham que sair muito mal pra gente perder o acesso.

O segundo tempo porém começou com o leão mudando a filosofia de jogo, administrando, até parecendo que tinha gosto no resultado apertado. Só houve uma jogada perigosa numa falta cobrada por Pedro Ken no ângulo mas espalmada pelo goleiro pra escanteio. Pouco depois foi a vez de o Ceará chegar bem, pela primeira vez, num escanteio em que Mansur salvou a cabeçada.

Acho que PC Gusmão mandou os laterais não se arriscarem pois tanto Mansur como Nino passaram a não subir mais, e, quando iam, não acertaram mais os cruzamentos. O São Caetano fazia um gol lá em Campinas colocando nossa orelha em pé, mas logo depois o juiz expulsou o zagueiro Jailton do Ceará por falta desclassificante. Agora parecia que tínhamos tudo nas mãos e isso ficou claro quando os caras tiraram Magno pra recompor a zaga. O leão, assim, bastava dar mais velocidade ao ataque, ás custas de tirar Dinei, pra fazer logo o segundo gol e terminar o sofrimento.

Mas qual! O técnico deixou Dinei e ainda aproveitou pra ficar rolando a bola organizando raríssimas jogadas ofensivas. O Guarani acabou empatando ocasionando outra festa no estádio. A única chance real do leão foi aos 28 minutos quando Willie chutou de fora da área e a bola pegou na trave. O resto foi de enrolation. Até aí tudo ia bem quando começarem a acontecer as coisas ruins que só rolam com o Vitória.

Primeiro foi o São Caetano desempatar acendendo de novo a luz amarela no Barradão, e segundo, a defesa do leão começar a claudicar. As bolas levantadas para a área rubro negra sempre foram sofrimento neste campeonato levando nossa defesa á polvorosa, ao bate cabeça, ao escambau. E ontem não deu outra coisa quando aos 34, numa bola besta levantada por Leandro Chaves, Victor Ramos resolveu dar uma de artilheiro cabeceando contra as próprias redes, o jogo estava empatado 1 X 1.

Um verdadeiro pavor se apoderou da torcida do leão. Todo mundo se lembrou do jogo do ano passado contra o São Caetano quando perdemos o acesso nos últimos minutos. Esse mesmo clube vencia em Campinas e qualquer gol que tomássemos faria com que o acesso fosse pro brejo. Passamos a contar os minutos, 10, 9, 8, 7, êta tempo demorado pra passar! A torcida passou a jogar, incentivando o time a botar a bola pro mato. Levávamos meia hora pra bater um tiro de meta, falta ou lateral. Ficámos passando a bola um pro outro. Os caras com dez homens e nós numa covardia dessas!

Aí houve uma sequencia de laterais em favor do Ceará do nosso lado esquerdo. Nunca vou esquecer. Apodi tentou avançar, mas Mansur colocou a bola lá em Pituaçu. Dispararam o foguetório reservado para o fim do jogo quando xinguei os responsáveis por todos os nomes, pois o desgraçado do juiz ainda tinha dado dois minutos de descontos. Mas até que foi camarada! O cara do Ceará bateu o lateral e Fernando Bob e Cia botaram a bola nas nuvens. Outro lateral e outra bola fora mas dessa vez a cobrança era nossa.

Mansur ficou ganhando tempo quando o juiz se dirigiu a ele e a massa estourou pois, ao contrário de lhe advertir, foi pedir a bola e com ela deu o jogo como terminado! Era a glória, a tal da felicidade que todo esse pessoal que falei não conseguiu definir. Eu não aguentei e desatei a chorar. Não demorou nem um minuto e um rapaz já estava chorando ao meu lado e logo o seu pai também. Meu vizinho, “Seu” Carlos Bride, é mais durão, e resistiu a emoção, mas com a moça que estava sentada ao seu lado não se deu o mesmo.

Fiquei com os olhos enevoados vendo a festa dos jogadores mas não deu pra gravar tudo pois havia também a festa das arquibancadas. Outro momento emocionante foi quando as torcidas organizadas viraram as faixas de cabeça pra cima. Subimos a rampa naquele dia com o sentimento de dever cumprido. O trio elétrico que estava na porta ensaiava os primeiros passos de uma multidão desejosa do prolongamento da festa. Por sinal alguns bares já haviam sido alugados para festas particulares de torcidas. Nesse dia bebi todas a que tinha direito comemorando na Orla com Cybele e minhas duas cunhadas Thelma e Hebe. Até onze da noite quando voltamos passavam carros buzinando em Ondina, e isso deve ter continuado pois ainda ouvi barulho quando cheguei a casa. Foi nesse dia que descobri que quem é feliz também não dorme.

Desculpem-me mas estou cagando pro dilema se a felicidade veio pra ficar ou não, quantos anos ela sorrirá, e outras bobagens filosóficas. Afinal, não foi Tom Jobim e Vinicius que disseram que tristeza não tem fim, mas felicidade sim? É por isso que não estou ligado no dia de amanhã. Não foram os poetinhas disseram: a felicidade do pobre parece, a grande ilusão do carnaval. Agente trabalha o ano inteiro, por um momento de sonho pra fazer a fantasia, de rei, ou de pirata e jardineiro, pra tudo se acabar na quarta feira. É bem verdade que quero que esse time que nos levou a Primeira se exploda e que o Vitória contrata gente em condição de atuar na divisão de elite do nosso futebol, pois, afinal de contas ninguém merece ficar na Primeira Divisão um ano só!

Franklin Oliveira Jr. é desportistas, escritor, professor universitário, e criador do blog Memórias da Fonte Nova e da WEB BTV Pra que política?

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