O dia em que fui dormir na liderança do Brasileirão

|por Franklin Oliveira|

Gente, até que enfim o Vitória chegou no primeiro lugar da Segundona. Desde anteontem estou gozando das delícias de ser líder de um campeonato nacional. Mas vocês estão pensando que foi fácil? Necas de pitibiribas! Primeiro demorou cinco rodadas pro leão entrar no G-4. Depois foi subindo devagarzinho. Esperamos mais algumas rodadas pra chegar ao terceiro, e ficamos dez rodadas no segundo lugar. Os adversários aproveitaram pra nos encher o saco com o “complexo de vice”, isso só porque perdemos as duas finais nacionais que disputamos.

E o pior é que, logo quando agente montou um time e um técnico decentes, me apareceu o diabo do Criciúma pra atrapalhar. Será que é uma sina do Vitória? Em 1993, agente se deparou com o timaço do Palmeiras, que tinha um ataque formado por Edmundo, Evair e Edilson. Perdemos aqui por um a zero (graças ao juiz, que não marcou um pênalti escandaloso em Pichetti) e de novo no Morumbi (0 X 2).

Em 2010, depois de passar por tudo e por todos, demos o azar de pegar o maior time que o Santos montou nos últimos vinte anos, com Neymar e Ganso, e que venceria a Taça Libertadores da América. Perdemos lá por dois a zero (quando de novo fomos prejudicados por um injusto cartão amarelo que afastou o Viáfara, nosso goleiro titular) e aqui vencemos de dois a um, quando um novo pênalti deixou de ser marcado pro leão. Mas dessa vez ou vai ou racha. Já estou cansado de esperar na fila, esse título nacional tem que ser do leão!

Toda a torcida estava esperando que isso acontecesse esta semana. Afinal íamos fazer duas partidas dentro de casa e estávamos a apenas um ponto de diferença do chato do Criciúma. Aí inventaram o horário de 19h30min pros jogos de futebol. Isso é um conluio desgraçado entre a Globo e a CBF contra nós.

Na terça feira, quando enfrentamos o Guaratinguetá, pelo menos tivemos o meu sobrinho Diogo que apareceu de última hora e nos ensinou o caminho. Ele telefonou e acertamos o horário pra passar na loja do meu amigo e vizinho Carlos Bride. É coisa de louco, pois tivemos que chegar cinco horas lá na Baixa de Quintas pra dali sair pro Barradão. Mas Diogo sabe onde dormem as cobras e arranjou um caminho legal pra agente ir pela BR em pouco mais de uma hora. Passamos por Pirajá, São Marcos, e chegamos a Canabrava bem antes da partida. Deu até pra fazer um lanche. Mas muita gente chegou com o jogo iniciado, e isso até o fim do primeiro tempo!

Mas a noite parecia sorrir pro Vitória. Enfiamos dois com o estreante William ainda no primeiro tempo e no segundo foi só administrar o resultado. A defesa dos caras não era grande coisa, diferentemente dos Cêerrebês e Bragantinos da vida que passaram por aqui e botavam onze jogadores na grande área pra se defender. Â maior alegria mesmo foi quando saiu o empate do América de Natal lá em Santa Catarina. E virou festa quando os potiguares fizeram três a um.

Ah, até que enfim tinha acabado esse negócio do Criciúma ganhar todas dentro de casa. Mas qual nada, daqui a pouco eles diminuíram. Perguntei quanto faltava e o sofredor ao lado me informou laconicamente:
-Nove. 

Droga pensei com meus botões, ainda dá tempo de empatarem. Foi dito e feito, não se passou dois minutos pra anunciarem no radinho um gol na Segundona. Logo depois, vinha a voz sem graça do plantonista:
-O Criciúma empata em Santa Catarina, dois a dois.

Uma desgraça! E o pior é que ainda faltavam sete minutos. O jogo se arrastava no estádio e o Guará não pressionava, de maneira que eu, o colega de torcida, e “Seu” Carlos ficamos com o ouvido colado no radinho. Aliás, isso é o que estava acontecendo com todo mundo que estava nas cadeiras do Eu sou mais Vitória. Nunca um jogo demorou tanto a passar. E a banana da rádio, ao invés de transmitir direto, ficava falando do jogo daqui. Mas esse estávamos assistindo, o que queríamos saber era do outro! O jeito foi ficar contando o tempo no relógio. E, quando, já estava nos descontos o Gilmar (lembram-se dele?) que jogou aqui no Vitória, entrou pela direita e chutou sem ângulo e o goleiro tomou aquele “peru”. Pronto, quatro a três e o Criciúma continuou na liderança.

Mas nesse fim de semana foi diferente. Primeiro foi a tortura de outro jogo sete e meia na sexta feira, desta vez contra o Joinville que estava em terceiro lugar. Meu dia estava atarefado mas deixei até de ir pra academia pra ver o leão jogar. Fui à casa do professor Cesar em Brotas, uma liderança da greve que está saindo candidato a vereador pelo PSOL, e de lá mesmo fui direto pra Baixa de Quintas.

Pouco antes de chegar, no entanto, meu sobrinho me ligou pra dizer que não poderia ir em função de ter que pegar o filho no colégio. Senti um frio na espinha, só amenizado com a afirmação peremptória de “Seu” Carlos:
-Eu sei o caminho!

AÍ fiquei despreocupado. Saímos da Baixa pouco depois das cinco e subimos a Cidade Nova em direção à BR. Não demorou muito pra estarmos em meio ao mar de carros que frequenta aquela artéria. Mas só me preocupei quando surgiu uma entrada á direita e meu vizinho disse:
-É essa aí?

Pô, mas ele não disse que sabia? Essa até eu saia que não era pois ali se ia pra BRASILGAS. Aí esperamos até a próxima, onde se subir pra Estação de Pirajá. E olhem que quando entramos no caminho faltou pouco pra gente não ser apanhado por uma caminhonete que vinha no mesmo sentido.

Após um engarrafamento na estação novo motivo de preocupação:
- Viro á direita ou á esquerda?

Aí meus amigos, foi tal de perguntar que nem lhes conto. Os primeiros que nós falamos disseram que era pelo outro lado que se chegava na Avenida Gal Costa. Já o próximo afirmava exatamente ao contrário. Durma-se com um barulho destes. Optamos por prosseguir e ir perguntando. Foi só quando entramos numa rua completamente esburacada (aliás do jeito que Salvador está) é que vimos que tínhamos cortado o baralho errado. Pra encurtar a conversa e não encher o saco de vocês acabamos voltando para a BR.

“Seu” Carlos me disse que ia pegar a entrada de Aguas Claras e indo por lá ele conhecia o caminho pro Barradão. Eu tinha que acreditar pra não me desesperar ficando sem ver o leão. Mas pegamos um engarrafamento monstro e foi um Deus nos acuda. Todos os meus tiques nervosos voltaram. O relógio era cruel mostrando que faltava apenas uma hora pro jogo começar.

O pior aconteceu de novo, “Seu” Carlos perdeu a entrada pra Aguas Claras! Mas não ia adiantar mesmo pois a entrada estava ainda mais engarrafada. Se fossemos por ali ficaríamos até o outro dia e não sairíamos no estádio. Agora eu não sabia mais onde estávamos, se estávamos indo pra Salvador ou pra feira de Santana. Tinha medo de perguntar, mas acabei por ouvir a terrível resposta do meu vizinho:
-A segunda.

A essa altura já apelava para todos os santos, mesmo sem ser religioso. Mas “Seu” Carlos apareceu com outra saída:
- O jeito é ir até a estrada do CIA e voltar pelo aeroporto.

Foi com esse objetivo que continuamos dirigindo até mais não poder quando vi a placa:
- Estrada CIA-Aeroporto. Entrar a direita.

Aí fomos coladinho na margem da rodovia até entrar na vereda da salvação e se livrar de ir pra Feira de Santana. Agora era só achar a Estrava Velha do Aeroporto pra pegar o caminho do Barradão. Olhei o relógio e ainda faltavam 45 minutos. E não é que depois de mil engarrafamentos, obras na estrada e um pedágio chegamos até o posto de gasolina da entrada da Estrada Velha?

“Seu” Carlos porém, não sabia transitar nela. Tivemos, portanto, de perguntar seiscentas vezes aonde era o Barradão. Vocês já passaram por lá? Não desejo ao meu pior inimigo frequentar aquelas curvas que mais parecem as da estrada de Santos de tão perigosas. Imaginem a cara das pessoas que num escuro desgraçado (pois lá não tem luz) são abordadas por uns homens mal encarados perguntando onde é o Barradão.

Que merda, nunca vi uma estrada tão cumprida! E ainda começou a chover, de sorte que não enxergávamos mais nada. Eu pensei que tinha chegado a minha hora e estávamos indo pro inferno mas pelo menos não havia engarrafamento. Quando vi um carro á frente com a bandeira do Vitória é que percebi que tínhamos pegado o caminho certo. Foi só seguir o desgraçado pra chegarmos ao estádio, isso umas quatrocentas curvas depois.

“Seu” Carlos só encontrou vaga pra estacionar longe do estádio e assim tivemos que pegar uma boa corrida debaixo de chuva até o Barradão. O jogo tinha começado e já podíamos ouvir os gritos da torcida. Não tínhamos nem um radinho pra saber do andamento da partida. Perdi-me de meu vizinho e subi correndo a ladeira pra entrar esbaforido no templo do leão. Fui um felizardo pois ainda consegui chegar com sete minutos do jogo começado mas “Seu” Carlos só chegou aos quinze.

Consegui um lugar apertado nas cadeiras e vi o time apertar o Joinville. Dei sorte pois logo depois Pedro Ken entrou pela direita e serviu Uéliton que chutou forte e o goleiro largou a bola molhada a tempo de William enfiar pro fundo das redes. O Vitória ainda apertou outras vezes mas o goleiro catarinense salvou. Numa dessas Elton deu de calcanho pra Uéliton que bateu de novo pro goleiro fazer uma defesa sensacional. Mas quando Nino chegou á linha de fundo e cruzou nem mesmo ele pode evitar a batida de primeira de Elton pro fundão do gol. E o que já está bom pode ainda melhorar graças a catimba de William que acabou agredido por um zagueiro do Joinville que foi tomar banho mais cedo. Juro que pensei até em goleada, mas no finzinho do primeiro tempo Willie foi cortar uma boa e acabou dando um pênalti bobo que Ricardinho converteu. 

No segundo tempo não foi fácil assistir o jogo em meio a um mar de guardas chuvas. Eu e “Seu” Carlos tomamos chuva de dar dó, mas não foi isso o que mais nos incomodou. È que o leão mais uma vez esqueceu o futebol no vestiário e de novo só fez administrar. Passamos por um verdadeiro sufoco pois o Joinville foi pra frente, pressionou, e tudo isso com dez homens. Imaginem se tivesse com o time completo!

Carpé até que fez alguma coisa, colocando Marco Aurélio pela ponta esquerda e Artur Maia e Tartá pra prender a bola, mas nada deu certo pois os jogadores só queriam garantir o resultado. Mas o que é que houve com o Marco Aurélio hein? Não acertou um passe! O jeito foi ficar contando o tempo pra que ele passasse mais depressa. O Vitória ainda deu uma estocada ou outra com Pedro Ken, Willie e Arthur Maia mas os caras apertaram até o fim. Aos 26 minutos ficaram de cara e perderam. Foi com alegria que a vi o juiz apitar o fim do jogo.

Chegamos a casa mais de onze da noite, molhados mais felizes. Foi uma das noites mais bacanas da minha vida a que dormi em primeiro lugar. Havíamos garantido pelo menos 18 horas na liderança. Mais ainda tinha mais no sábado. É que o Cri cri amargou desde o início com o Atlético Paranaense. Tomou um gol logo no primeiro tempo e quase sem querer. Felipe chutou e a bola bateu em Marcão e entrou devagarzinho com eu soprando até que passou a linha.  Depois foi só segurar pra ajudar a campanha: coloque um leão em primeiro.

A coisa melhorou ainda mais com a expulsão de um jogador catarinense que fez falta desclassificante quando já tinha cartão amarelo. No segundo tempo os catarinense ameaçaram dar testa. Chegou até a perder um gol de cara da pequena área no início. O Atlético, porém, retomou o controle da partida e deixou para o ex-líder só a opção dos contra ataques. Num desses, aos doze minutos, se não fosse Manoel a vaca ia pro brejo.

Mas com a entrada de Paulo Bayer, e a fixação de dois atacantes pra jogar pelas pontas, o Atlético passou a dominar a partida e teve algumas chances preciosas de marcar. Aos 40 e 46 minutos Paulo Bayer e Maranhão quase ampliam a vantagem. O jogo estava definido e só faltava o apito do juiz pra consagrar a liderança do leão, o que aconteceu pouco depois.
Agora não dependíamos de mais nada. O Vitória era o líder do Brasileirão e estava a oito pontos do quinto lugar. É só nos mantermos na frente pra faturarmos o primeiro título nacional de nossa história. Podem falar o que quiserem mas durante uma semana ostentamos esse “título”. Pelo menos até a próxima sexta feira quando pegaremos o Ceará no Castelão!

Franklin Oliveira Jr. é professor universitário, desportista, escritor, e criador do blog Memórias da Fonte Nova e da WEB TV Pra que política?

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