Na estrada


|Franklin Oliveira Jr.|
Nos anos 60 o mundo se dividia entre duas potências, os EUA e a URSS, que se enfrentavam numa aparentemente eterna “Guerra Fria”. O Brasil absorvia e adaptava a penetração tardia da Era de Ouro hollywoodiana e, porque não dizer, iniciava sua própria indústria cultural que contribuía pra despertar novas atitudes de um público jovem que crescia em poder de consumo. De repente, não mais que de repente, vi adentrar, em meu horizonte, o jeans, um novo corte de cabelo, o cigarro, a bebida, o rock, e os filmes sobre direitos civis. Passei a curtir os Beatles e Elvis Presley quando as novas temáticas atingiam até Hollywood. Mostrar uma nova forma de poder voltada para a liberdade pessoal foi essencial para minha geração.

Foi com essa expectativa que entrei na era da televisão e da construção de Brasil e de todo tipo de desenvolvimentismo. O projeto de transformação da sociedade brasileira apoiado no Estado teve vida breve e o país entraria, politicamente, numa pior. Mas eu continuaria sendo um garoto que amava os Beatles e (bem menos) os Rolling Stones. No fim da década, o homem pisava na Lua, morriam Che Guevara, Jimi Hendrix e Janis Joplin, e viria o AI-5. Mas isso já é outro assunto. O que importa é dizer que nessa época estávamos on the road (na estrada).

Sempre que eu penso nesta época me convenço que um dos motivos pra que agente se insubordinasse com a situação foi a educação desinteressante, onde se adotavam a repetição como método de ensino, de vigiar e punir. Lembro-me de, no curso primário, ter tido que sair de um colégio por ter reagido ao receber uma reguada da professora quebrando a régua. Pouco tempo depois frequentei outro estabelecimento que tinha o costume de colocar os alunos de costas para a parede e dar bolos em suas mãos, quando erravam durante a sabatina. Num sábado, quando voltei com as mãos inchadas para casa depois de sofrer quinze bolos, meu pai me retirou dele depois de “dar a louca” no colégio.

Fiz a admissão e o primeiro ano do ginasial no colégio dos jesuítas, o São Bento. Mas não escapei do monopólio do saber dos professores. Ali fiquei conhecido como o aluno que “quis testar o professor” em função de ter feito uma pergunta sobre um assunto do qual conhecia a resposta. No tempo do saudoso Dom Norberto, minhas peraltices, além de levarem a não renovação da minha matrícula, fizeram com que meu primo Rafael Avena, anos depois, quase não fosse aceito no estabelecimento por confessar a relação familiar comigo. Mas aí eu já tinha conseguido chegar ao colegial numa década em que eu perambulei on the road por várias escolas como a de “Dona Vandete”, do Castanheda, o São Bento, o Ypiranga, Escola de Engenharia Eletromecânica, a Visconde de Cairu, o Instituto Valença e o Hugo Baltazar da Silveira.

Pouca coisa, também, ficou em minha memórias, do período do golpe. Da véspera só me lembro de ter acompanhado a excursão dos The Beatles aos Estados Unidos e do lançamento de I want to hold your hand, do futebol e do Carnaval. Nesse tempo, compareci à finalíssima do campeonato baiano quando vi, com satisfação, no Estádio da Fonte Nova, o EC Bahia perder o hexacampeonato para o Fluminense de Feira por dois a um, com dois gols de Renato.

No dia 31 de março foi festa em minha casa! Teve bolo e tudo. Mas, para que não se tenha a impressão de que éramos um bando de reacionários, devo dizer que isso aconteceu em virtude de ser aniversário de minha irmã Lena, que, para o seu azar, completava 18 anos. Mas meu pai e minha mãe pareciam mais sérios que de costume. É que nesse dia o rádio ficou ligado para acompanhar o deslocamento de tropas do general Mourão Filho de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro.

Após o golpe, centenas de pessoas ficaram presas (pelo menos até junho) e alguns tentaram se reorganizar em meio a grandes dificuldades. Enquanto isto eu continuava a minha via crucis nos colégios, intensificando o comparecimento ao futebol, passando a frequentar ligas de botão e aumentando a minha admiração pelo rock, particularmente dos Beatles. Enquanto eu frequentava as turmas escolares as redondezas de Salvador se industrializavam e se tornava evidente o anacronismo dos estabelecimentos de educação.

A droga da minha turma era o lança-perfume, que cheirávamos no período carnavalesco. Mesmo assim, “pongando” no dos outros, pois não tinha dinheiro para comprar. O pessoal “Durango Kid”, que nem eu e meu irmão “Toinho”, levava pequenas garrafinhas de uísque na cintura, embora eu nem gostasse da bebida. O lança-perfume e as máscaras foram proibidos algum tempo depois. Quando comecei a tomar cerveja, achei horrível, só continuando para ser sociável.

Fugia dos deveres escolares para “vadiar” na porta da Fundação Politécnica, da Loja Sloper, no “Relógio” (Piedade), Rua Chile ou Carlos Gomes. Criei bigode e uma costeleta enorme. Ficávamos o dia todo na porta da escola. A diversão era “pegar um lance” das meninas que subiam nos ônibus, “jogar conversa fora” e fazer traquinagens. Só consegui o colegial em 1969, aos vinte e um anos. O sentimento da família era de alívio. Ela e eu pensávamos que não voltaria mais a estudar.

É por isso que filmes como Na estrada de Walter Salles me lembram desses tempos que não voltam mais. Naquela época assistia a todos os que retratassem a nossa geração, assim como Sem destino. O de Waltinho levou para as telas o romance de Jack Kerouac, e conta a história de um jovem escritor (Sam Riley) cuja vida é sacudida pela chegada de um jovem libertário (Garrett Redlund) com sua namorada de 16 anos (Kristen Stewart). Juntos cruzam os EUA em busca da última fronteira americana e ultrapassam limites.

Mas quem viveu os anos 60 acaba achando o filme um pouco chocho. Afinal, o que vivemos foi muito mais do que isso. E, aqui pra nós, hoje muitos jovens já não quer contestar coisa nenhuma e preferem votar em Dilma e ACM Neto. Mas se o filme não passou o clima do passado acabou se ajeitando, tal como uma luva de pelica, no jogo da Segundona entre Vitória e Bragantino na sexta feira á noite.

A primeira coisa é que o leão é ainda jovem na Segunda Divisão, aonde chegou recentemente há apenas dois anos. Quanto ao tal do libertário que bagunçou a sua vida só pode ser mesmo o Criciúma que atrapalha o sonho do rubro negro ter um título nacional. Juntos, os dois estão cruzando não os EUA, mas o Brasil, de ponta a ponta, atrás do sonho de subir. E aí minha gente é tal de romper limites que nem te conto. Na sexta, todo mundo que eu vi falava que o jogo ia ser uma “barbada”. Eu ficava chateado em ouvir isso pois o Braga já foi vice-campeão paulista e, no ano passado, por pouco não sobe. Foi até a última rodada disputando. Se não fosse a “mala branca” não seria desclassificado pelo Paraná.

O jogo seria o primeiro sem Neto Baiano, mas o que se há de fazer, quem não tem Neto caça com Nicácio. Pelo menos é o que eu pensava até começar a partida. Na defesa ainda faltava Victor Ramos e Mansur estava voltando após vários jogos, ainda fora de condições físicas ideais. Cheguei ao estádio ainda ouvindo o otimismo inveterado dos torcedores. Esse pessoal é taca. Primeiro não acreditava nem no time nem no técnico. Depois que ganhou seis seguidas fica pensando que o time vai ganhar de todo mundo.

Fui com meu vizinho, o Carlos Bride. Imaginem que saímos de casa ás 18h30min e só fomos chegar ao estádio às vinte pras nove. Chegando às cadeiras do programa Eu sou mais Vitória tratei de convencer o pessoal que o jogo não ia ser fácil. Mas a turma queria porque queria ganhar de no mínimo três gols de diferença pra azarar o Criciúma e chegar à liderança.

Confesso que até eu tinha dúvidas. Quem sabe não dava? Desta vez já haviam mais listas vermelhas na camisa mas nos primeiros minutos já tinha visto que o jogo não seria fácil. É que o Bragantino foi pra cima e necas de pitibiribas pro leão. Aos dez minutos já tinha chegado umas três vezes em erros dos zagueiros do rubro negro.

Só nessa hora é que o Vitória chegou com Marquinhos mas este bateu mal e, teve sorte quando o zagueiro quase bota pra dentro. O Braga equilibrou a partida até pelo menos uns vinte minutos, e depois só deu Vitória em campo. Os paulistas se defendiam com dez e a coisa não era fácil. Mas pelo menos houveram ainda duas chances, uma cabeçada de Gabriel pra fora e uma bela jogada de Pedro Ken que o goleiro Rafael acabou defendendo.

Discutimos bastante no intervalo. Desta vez não havia mais outro centro avante pra botar. Então a solução seria colocar o atacante Marco Aurélio por ali retirando Michel. Aí pelo menos teríamos dois caras de linha de frente embora nenhum deles fosse centro avante de origem. A outra ideia que nos surgiu foi colocar Léo no lugar do lateral-esquerdo Mansur que subia pouco.

Mas quando veio o time nada de substituição. Considero que Carpegiani perdeu tempo demais, pois só veio substituir quando faltava menos de meia hora. Tirou corretamente Michel pra colocar Marco Aurélio, mas sacou também Marquinhos por Tartá. As substituições não deram em nada pois o Braga veio ainda mais fechado. Mas pelo menos haviam três na área pra enfrentar os nove do Bragantino.

Mas foi só quando Carpé botou Eduardo Ramos é que a coisa degringolou. Agora, sem o Nicácio, não haviam mais atacantes de área. No frigir dos ovos ele tirou a dupla de ataque que iniciou a partida e a substituiu por Tartá e Marco Aurélio. Só conseguiu melhorar o toque de bola colocando Eduardo Ramos.

A emenda saiu pior do que o soneto, pois, se o Vitória não tinha Neto o Braga tinha Lincoln. E logo no início do segundo tempo o cara bater Michel na corrida e mandou bala pra boa defesa de Deola. Pelo menos agora temos goleiro. Foi só isso por enquanto da turma de Bragança e levou meia hora em que só dava o leão, mas só tentando entrar pelo meio.

Nino meteu uma bomba de fora da área mas o tal do Rafael defendeu. Depois foi a vez de Uéliton cobrar uma falta, deu uma tamancada danada mas o goleiro espalmou. Eduardo Ramos cobrou uma falta quase da lateral e a bola só não entrou por muito capricho, bateu na trave e nas costas de um zagueiro e foi aliviada da área.

Nesse interim alguém levantou uma bola pra grande área e não é que Dankler pensou que estava jogando vôlei? Cortou com a mão, graças a Deus que o Heber Lopes não viu! A essa altura eu não estava mais achando tão ruim o empate, deixando pra passar o Criciúma em outra oportunidade.

Mas, qual, o juiz acabou compensando mais tarde. E aos 34 minutos Gabriel meteu o pé entre as pernas de Lincoln pra tirar uma bola e esse se jogou no chão num lance digno de canastrão de novela da Globo. E aí o Heber apitou incontinenti para a marca do cal. A torcida até que tentou azarar. Nunca vi tanta confiança num goleiro. Até que Deola pulou certo mas o diabo do pênalti foi muito bem cobrado.

Daí em diante foi um tal de olhar relógio que ninguém aguenta. Ainda teve uns dois lances perigosos, uma falta na entrada da área que o miserável do juiz não deu, e foi só. Depois do jogo foi aguentar subir a rampa, descer a ladeira e caminhar até o carro metendo o pau no time. Meu vizinho ligou logo o rádio pra ver como o técnico “explicava” o resultado. Não faltava radialista que, ao invés de analisar a partida, pra ser vivandeiro de crise. O time que havia ganhado seis jogos seguidos agora não servia pra nada!

Levei algumas horas nesse dia me remexendo na cama pra entender o que se passou e, até domingo, pra conseguir escrever pra vocês. Dos males o menor, graças a Deus os Américas se deram mal, o Criciúma perdeu e continuamos com cinco pontos á frente do quinto lugar. Continuamos na estrada. Mas é preciso ajustes no time pra seguir adiante.

A Segundona entrou na sua terceira fase. Até a oitava rodada o G-4 parecia coisa de japonês, com uns oito times se revezando por lá. Depois o Criciúma e o Vitória dispararam na frente. Recentemente o negócio mudou. Todo mundo está se reforçando, até em Arapiraca estão desembarcando quatro jogadores esta semana. E os que estão em cima estão perdendo jogadores.

Não é à toa que o América Mineiro vem caindo, o atacante Bruno Meneghel foi pras Europa e acompanhado de mais dois titulares. O de Natal se ressente por não ter reservas á altura, e quanto ao Criciúma corre o risco de ficar sem seu artilheiro, o Zé Carlos, por quem Santos e Inter já fizeram propostas. O Vitória, além de perder o Neto pro futebol do Japão, ainda corre o risco de ficar sem outros jogadores.

Estamos em apenas 40% do Brasileirão e a equação é dentro e fora do campo. Quem irá resistir ao assédio dos clubes da Primeira Divisão cuja maioria dos jogadores não podem mais trocar de clube? Ficou evidente no jogo de sexta feira que todos os clubes que jogarem aqui vão botar dez jogadores dentro da área pra se defender, e se não tiver centro avante e bons alas não vamos mais ganhar de ninguém.

O novo contratado William deu certo no Avaí, será que vai funcionar no Vitória? E esse lateral Gilson que não serviu pro Cruzeiro? Não temos mais tempo de errar pois o Goiás e o São Caetano estão mordendo os nossos calcanhares. Nesta semana já tem o América Mineiro fora, menos mal que é só jogar nos contra ataques. Mas depois jogamos duas vezes seguidas dentro de casa e o salve-se quem puder da falta de atacantes vai voltar de novo!


Franklin Oliveira Jr. é desportista, escritor, professor universitário há quarenta anos, e criador do blog Memórias da Fonte Nova e da WEB TV Pra que política?

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