A Olimpíada


|por Franklin Oliveira|
Todo mundo me diz que eu deveria escrever sobre a Olimpíada. Mas confesso que esse ano brochei pros outros esportes. Será que foi por causa da Globo que não transmitiu as competições e a Record pegar mal lá em casa? Ou será que foi decepção com tanta porrada que o Brasil tomou na Olimpíada passada? O que eu sei é que quando vi o nosso país cair pelas tabelas passei a só acompanhar quando ligava a TV.

Eu sei que tem gente que não largou da telinha, deixando até de se concentrar no trabalho. E de outros que adiaram viagens e planos pra ver se o Brasil desancava pelo menos nos tais esportes coletivos. Meu pai mesmo é um deles. Aliás a vida dele é quase uma olimpíada. Quando chegou a Salvador nos anos quarenta vindo de Ilhéus para estudar, competiu pelo atletismo, disputou no vôlei, remou, jogou basquete e futebol.
Hoje é que a maioria dos esportes deixaram de ser amadores e o pessoal vive do bom e do melhor. Hospeda-se em hotéis de quatro estrelas, viaja pras Orópas, o escambáu. Pode se dedicar a apenas um esporte e ainda ganha uma bela grana por fora. Pois é, mas no tempo de meu pai não tinha nada disso.
Imaginem que o papi acordava as quatro da matina e ia logo pras raias da Enseada dos Tainheiros em Itapagipe remar! Começou pelo clube São Salvador mas quando viu as cores rubro negras a paixão foi imediata e nunca mais deixou de acompanhar o clube. Voltava pra casa correndo pra fazer uma rápida refeição e se jogar pro estádio da Graça a tempo de pegar a preliminar.
Naquele tempo o transporte de Salvador já era o fim da picada. Meu pai pegava o bonde de Itapagipe equilibrando-se no estribo (pois sempre vinha lotado) até o Comércio, depois subia pra Cidade Alta com o Elevador Lacerda, descia a Ladeira da Praça, pegava o Gravatá e pronto...já estava em casa.
Morava num hotelzinho simpático que existia ali no entroncamento da Rua do Gravatá com a Ladeira da Independência, onde morava a minha mãe, que ele conheceu algum tempo depois. Como não tinha muita grana o almoço era frugal mesmo, não dando nem pra repor as energias do esportista!
Ai tinha que subir a ladeira correndo pra pegar o bonde pro bairro da Graça. Naquele tempo as preliminares com os Segundos Times começavam cedo, as treze horas, e com o sol a pino. Mas meu pai e meu tio não perdiam uma. Digo não perdiam mais para falar de comparecimento do que de resultado dos jogos, que na verdade não eram nada bons. É que meu pai experimentou essa vida nos anos de 1939 e 1940, antes de namorar com a mami, anos que o Vitória ainda era amador e seu desempenho no campeonato fazia dó.
Tudo bem com meu tio Zeca que, cansado de apanhar pelo São Cristóvão e Vitória, também passou pelo Ipiranga e até (cruz credo!) pelo rival Bahia. Aí ganhou muito mais do que perdeu. Mas meu pai não, foi fiel ao leão até o fim, sempre jogando com as cores rubro negras. Outro dia fui na casa de um pesquisador do Vitória e quis ver se ele era bom mesmo pedindo pra ver aqueles anos. E não é que estava lá o papi? Puxa, bacana! Contei a ele mas acho que ele não entendeu bem pois está cada vez mais surdo.
Mas, voltemos pro duro que meu pai e meu tio davam pra praticar esportes. Naquele tempo não tinha esse negócio de só jogar uma partida no dia não! O papi jogava a preliminar pelo Segundo Time e ainda ficava por ali, caso o técnico precisasse dele no jogo principal. Se bem que isso acontecia mais com meu Tio Zeca que com o papi. Mas, o certo é que passavam a tarde inteira neste lufa-lufa!
Mas está pensando que acabou? Que nada. No fim da tarde, quando terminavam os jogos (pois nem falar de iluminação noturna!) eles ainda iam jogar basquete no Clube Olímpico e na seleção universitária, pelo time da FUBE. Só chegavam no Gravatá pra mais de dez da noite. Mas não havia problemas pois a Independência era lugar onde morava gente “de bem” e o Gravatá nem se parecia com a cracolândia de hoje.
Pois é, era assim que se praticava esportes. Talvez tenha sido por isso que o Brasil nunca arranjou nada em Olimpíada! Meu pai casou com a mami em 1946 e virou um homem sério, abandonando esse negócio de praticar esportes. Só sobrou o basquete, o qual sempre que podia apitava partidas e chegou a ser um dos melhores juízes do país, apitando jogos importantes como a vinda dos Globe-trotters à Bahia e decisões do campeonato carioca de basquete!
Como disse, nunca deixou de acompanhar a Olimpíada, primeiro pelo rádio e depois na era da TV. Assisti com ele as competições alguns anos, mas depois foi rareando a minha presença. Como meus irmãos moram em outras cidades e a mami não está mais entre nós, agora ele assiste mesmo é sozinho.
Esse ano, talvez pelo fato da próxima Olimpíada ser no Brasil, acompanhei alguns esportes. Mas foi até o Brasil passar do décimo lugar. Poxa, tá bem a China, a Rússia, os EUA, ou mesmo Cuba ficar em nossa frente. Afinal, nesses países a prática de esportes acontece desde pequenininho. Vá lá que a Inglaterra, a França, a Itália e a Alemanha, fiquem na frente do pavilhão nacional, mas o Cazaquistão? A Jamaica? O Irã? A Ucrânia? Assim também é demais também!
E como choram os jornalistas! Também, a elite brasileira é fissurada nessas medalhas e fica atazanando todo esportista que se destaca. Na seleção de futebol ganhar a medalha virou complexo. Passaram a semana toda dando a medalha de ouro como favas contadas, sem nem olhar pro México. O resultado foi o que se viu, e exatamente no dia em que eu me animei a ficar na frente da telinha!
É que ontem fui um dia muito esportivo. As onze da manhã o Brasil jogava com o México. As duas a seleção de vôlei feminina jogava com os EUA. As 16h20min o Vitória entrava em campo. As 17 o boxeador brasileiro iria disputar o ouro. E ainda tinha de quebra o Bahia contra o cruzeiro as seis e meia. Ufa, era muito esporte num só dia. Me lembrei do papi.
Quase me passo pro jogo da manhã. Quando liguei o México já tinha feito o primeiro gol. O Brasil não conseguia nem entrar na área. Cadê Neymar, Leandro Damião, Oscar e Cia? O goleiro Corona só foi fazer algum esforço quando Mano Menezes (que técnico chinfrim, hein!) botou Hulk. É que ele tinha entrado com tal de Alex Sandro que ninguém entendeu.
O time até que foi pra cima no segundo tempo, e aí Neymar resolveu jogar...sozinho. Mas quando os mexicanos iam ao ataque era uma verdadeira polvorosa. Botaram uma bola na trave, perderam um gol de cara, e acabou o tal Peralta fazendo mais um. Só Hulk fez a honra da firma fazendo um gol no finzinho, e foi só! Mais um sonho de medalha de ouro furado.
As duas da tarde até que as brasileiras se deram bem. Também, já eram campeãs olímpicas, numa das poucas medalhas que o Brasil ganhou em 2008. Depois de um início claudicante, as norte-americanas baixaram a guarda e entraram pelo cano. Acabou sendo mais fácil do que pensávamos.
Agora eu estava pronto pra ver a verdadeira olimpíada, a do Vitória pra subir pra Primeira Divisão. E olhem que o jogo era num estádio que suscitava lembranças da Copa do Mundo de 1950. É que ali foi realizado o jogo que passou para a história como a maior zebra das copas, quando a fraquíssima seleção dos EUA venceu o poderoso English Team por um a zero. A partida virou até filme de Hollywood. Mas a do Vitória contra o América Mineiro não merecia tanto.
Os Américas até que começaram bem a Segundona.  O mineiro estava em primeiro lugar até a 13ª rodada, mas depois caiu pelas tabelas perdendo três partidas seguidas e dispensando o técnico Givanildo. É que, graças a Deus, perdeu três de seus melhores jogadores para o futebol europeu!
Foi mais um jogo que me preocupou. Afinal de contas o leão estava sem Uéliton, os dois laterais que estavam jogando, e, de quebra, com um ataque novo. Esse Carpegiani não é brincadeira, quando tem de mudar muda mesmo. Mesmo que tenha que fazer isso com metade do time que há duas partidas não fazia gols!
O jogo em Belo Horizonte começou pegado e com o leão com mais iniciativa. Aos cinco minutos Carlinhos subiu pela direita e passou pra Willie, mas este foi flagrado no impedimento. Cinco minutos depois o bandeirinha marcou novo impedimento quando o mesmo Willie entrou de cara com o gol. Oito minutos depois foi a vez de uma bola ser cruzada perigosamente para a área mas o goleiro Neneca saiu bem e segurou.
Aí o América melhorou e começou a gostar do jogo. A defesa rubro negra, porém, reagia bem, até o momento em que uma bola foi cruzada da esquerda pro centro avante que ajeitou com o braço e colocou no fundo das redes. Eu e meu vizinho ficamos revoltados. E o pior mesmo foi quando o marreteiro do juiz ainda expulsou o goleiro Deola por reclamação, tendo que tirar Willie pra poder botar o goleiro Douglas.
O time perdeu totalmente o controle, durante cinco minutos só deu América, ao ponto de um atacante perder um gol incrível da pequena área em novo cruzamento. Mas o que há de ser nosso ninguém tira, e aos 30 o lateral esquerdo Gilson que estreava faz um cruzamento e Pedro Ken domina, corta o beque e chuta pro fundo das redes mineiras. Ufa, nunca vi um gol tão oportuno!
Foi a vez então do América perder o estilo e só não tomou o segundo gol, numa linda jogada do estreante William, graças a uma defesa milagrosa de Neneca. Aí o jogo equilibrou e nem parecia que o Vitória tinha menos um jogador. Mesmo que o América tivesse maior volume de jogo o leão passou a fazer contra ataques rápidos que obrigavam os mineiros a não deixar subir os zagueiros.
As reclamações do banco rubro negro continuaram a um ponto que o péssimo juiz ainda interrompeu a partida pra expulsar o médico do Vitória. Veio polícia, o diabo! Agora, eu só imagino se alguém do time se contundisse. Como fariam? Deixava de prestar atendimento ou dariam um jeitinho como tudo no Brasil?
A essa altura eu já estava feliz com o resultado e não tinha nenhuma mudança pra fazer pro segundo tempo, a não ser a de imaginar que William ia cansar. Bastaria só orientar o posicionamento da rapaziada, manter a mesma pegada e se poupar em algumas jogadas para o preparo físico durar até o fim. Até que Carpé me atendeu não fazendo alterações.
Não deu outra coisa. O mecão veio pra cima. Desde o primeiro minuto a bola já era cruzada perigosamente para a área. O Vitória só descia, corretamente, na certa. Aos quinze, novo cruzamento para a área pra zaga tirar. Um minuto depois Carpé botou Marcelo Nicácio no lugar de William.
Os próximos minutos foram dos mineiros atacando, mas não conseguindo acertar o último passe, e do leão sem prender a bola no ataque. Aos vinte lá vem cruzamento pra defesa rubro negra tirar. Quatro minutos depois, graças a Deus saiu Carlinhos entrando Rodrigo em seu lugar.
O time ganhou três vezes com essa substituição, colocou alguém experiente na direita pra barrar as entradas do mecão (Gabriel) e passou a jogar com três zagueiros acertando mais a zaga. Os contra ataques se tornaram, assim, ainda mais rápidos, com o Vitória ganhando em ousadia. Mas o América botou mais um atacante, o perigoso Fábio Jr.(não é o cantor) no lugar do ex - leão Tiago Humberto que já ia tarde.
Mas não há quem aguente com as saídas malucas de Douglas, como a que ocorreu aos 25, mas ainda bem que o juiz deu falta no goleiro. Nos próximos seis minutos o leão encaixaria dois bons ataques. No primeiro o ataque desceu bem e chutou de fora da área por cima do travessão. E, no segundo, Rodrigo Mancha perdeu boa oportunidade ao bater pra fora. O mecão atacava mas a zaga tirava a bola. E aí o menino Leilson quase faz um gol sensacional chutando da esquina da área pro goleiro Neneca fazer a defesa do jogo.
Faltavam dez minutos pro fim do jogo, fora os descontos do juiz marreteiro. Comecei a contar os segundo nesta hora. Bola pro ataque do mecão e é falta perigosa mas o juiz não deu, também estava a fim de compensar o erro clamoroso que deixara o Vitória nesta situação. O time estava quase funcionando na base da ligação direta á exceção do desempenho de Pedro Ken.
Mas foi do pé do experiente volante Michel que veio o cruzamento salvador para a pequena área onde estavam Leílson e Marcelo Nicácio. Ai o goleiro Neneca dormiu e marcelão deu de cabeça pro fundo das redes. Era a alegria geral aos 40 do segundo tempo. Abri a janela do apartamento do vizinho pra gritar mas meu grito acabou se confundindo com os outros que vinham da rua. É saco, mais uma vez fora de casa. Foi uma tortura os minutos finais mas o juiz acabou não dando muito desconto e o time fez passar o tempo e a zaga segurou o trinfo. Nem me preocupei com o gol do Criciúma empatando o jogo contra o São Caetano no finzinho e permanecendo na liderança da Segundona, mas agora só com um pontinho de diferença.
Bem, se na Olimpíada em Londres não ganhamos, a raça do Vitória salvou as coisas por aqui no Brasil. Me aguarde Criciúma, seus dias tão contados. Agora é faturar o Guará e o Joinville nesta semana. Quero ver se o Carpé não vai botar dois centro avantes logo de saída pra que agente não sofra mais dentro de casa.
Franklin Oliveira Jr. é desportista, professor universitário, escritor, criador do blog Memórias da Fonte Nova e da WEB TV Pra que política?

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