Cúpula dos Povos: Outro mundo é urgente, mas ainda temos muito trabalho a fazer.

|por Hundira Cunha|

Rio de Janeiro, calor de dezembro acompanhado de chuvas outonais, entre os dias 15 e 22 de junho diversas entidades, movimentos sociais, religiosos, jornalistas, pesquisadores, estudantes passaram pelo aterro do flamengo, zona sul carioca, para participar das atividades da Cúpula dos Povos. O evento tinha um espírito próprio e por diversos momentos poderiam ser vistos bonés da Via Campesina dançando de mãos dadas com belos turbantes de Povos de Terreiro ao som de mantras Hare Krishina, isso para ilustrar a riqueza de encontros proporcionada pelo evento.

Estima-se que cerca de 14 mil pessoas transitavam todos os dias pela estrutura montada no aterro, com tendas que levavam nomes de grandes símbolos de lutas sociais como Tupac Amarau, Milton Santos, Flora Tristàn, Dorcelina Folador, Caetité, dentre outros. A participação no evento não se resumia apenas a acompanhar as atividades auto gestionadas, cumprir a programação. A Cúpula dos Povos aconteceu exatamente no que não estava programado, nos diálogos na grama, nas articulações de última hora para as marchas, na troca de mensagens SMS ou no velho estilo boca a boca avisando que a Rede Globo junto com a PM iria fechar a rádio da Cúpula. Foi nesses momentos de coração na boca que se concretizava o sentido de ser povo, de ser todo mundo.

Diversas marchas foram organizadas ao longo da CP, e embora a maioria tenha sido marchas temáticas, havia a adesão de diversos movimentos, a luta por justiça ambiental social era, de fato, a discussão transversal que agregou camponeses, sindicatos, feministas, artistas, religiosos. Durante o evento, em quase todos os dias, as ruas estavam coloridas por bandeiras e ocupadas por palavras de ordem. A Marcha em Defesa dos Bens Comuns e Contra a Mercantilização, agregou mais de oitenta mil pessoas, que protestavam contra a economia verde, as grandes corporações e o governo Dilma.

No entanto, há de se observar que se por um lado a Cúpula dos Povos foi importante para promover encontros que dificilmente ocorreria em outros espaços, havia, por outro lado, uma dificuldade de se propor ações mais efetivas. Por muitas vezes a impressão foi de que seria necessário mais dias, ou mais encontros para acertar os ponteiros, afinar as violas e caminhar para construção de um novo projeto, uma nova alternativa. Ao final da Cúpula foram programadas campanhas e formuladas agendas, porém a sensação é de que faltou algo mais, faltou sem-terra na marcha de sem-teto, quilombolas na tenda de indígenas, faltou mais iniciativa popular do que pautas institucionais. A construção de outro mundo urgente ainda é dificultada por burocracias e um certo individualismo na hora de se estabelecer encaminhamentos.

Outro mundo é urgente e necessário, mas ainda há muito trabalho para fazer. Acredito que muita gente já colocou a mão na massa, uns de maneira mais arrojada, outros mais tímidos, agora chegou a vez de cada um de nós nos mantermos alerta e dar continuidade em algo que foi tão grandioso, haja vista o fiasco da Conferência Internacional Rio+20 e a grande visibilidade que conseguimos dar às nossas ações. Devemos agora fazer funcionar os contatos, as campanhas, enfim, dar dinâmica a luta. Tomamos as ruas do Rio de Janeiro, poderemos tomar as ruas de qualquer lugar. Traga a bandeira de luta, deixa a bandeira passar, essa é a nossa conduta, vamos unir pra mudar!

Hundira Cunha é agente da Comissão Pastoral da Terra e de volta à Bahia depois de dias de emoção, indignação, estranhamento e muita esperança, cultivados na Cúpula dos Povos

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