Uma nota sobre o Banco Central de Dilma

|por Cleiton Silva de Jesus|
A condução da política monetária em tempos recentes parece mostrar que está se consolidando uma nova gestão no Banco Central do Brasil (BCB), uma gestão que olha, com pesos e medidas parecidos, a inflação e o crescimento. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), por exemplo, a taxa básica de juros foi cortada em 0.75 ponto percentual, baixando de 10.5% para 9.75% a.a. Essa decisão, embora não tenha sido uma unanimidade entre os Diretores do BCB com direito a voto, parece confirmar o objetivo do atual governo em colocar a taxa de juros em níveis civilizados, posto que essa mesma taxa, em setembro de 2011, era de 12,5% a.a.

A ata desta reunião explicitou algo interessante: “Considerando os valores projetados para a inflação e o balanço de riscos associado, o Copom atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares ligeiramente acima dos mínimos históricos, e nesses patamares se estabilizando”. Esse trecho da ata sugere que o Copom pretende, já no curto prazo, executar um deslocamento para baixo de mais 0.75 ponto percentual na Selic (passando de 9.75% para 9% a.a.), haja vista que a mínima histórica foi de 8,75%, entre julho de 2009 e março de 2010.

Assim, levando em conta que outros instrumentos poucos ortodoxos para o desaquecimento da economia tem sido testados com mais frequência/intensidade em tempos recentes, como o caso das “medidas macroprudenciais”, não é exagerado e nem equivocado afirmar que o BCB de Dilma tem ousado na gestão da política monetária.  

Sabe-se que ainda é bastante difundida a idéia de que um Banco Central não deve ter outro objetivo a não ser zelar pela estabilidade de preços, e, diga-se de passagem, a maior parte dos Bancos Centrais do mundo, inclusive o do Brasil, considerava essa premissa verdadeira até recentemente. No entanto, após a crise dos subprimes nos EUA transformar-se numa crise internacional de grandes proporções, várias “verdades” acerca do funcionamento do sistema econômico passaram a ser fortemente questionadas por um grande número de analistas, formuladores de política e acadêmicos, sendo que algumas dessas verdades referiam-se à gestão da política monetária (incluindo aqui a regulação financeira) e seus impactos na economia real.   

Nesse sentido, parece que na atual gestão a inflação não é a única preocupação do BCB, embora não se tenha negligenciado completamente a estabilidade de preços, o que evidentemente é desejável do ponto de vista social (os mais pobres têm maiores dificuldades de se proteger de uma alta nos preços). A diferença é que desde 2011 objetiva-se uma convergência para o centro da meta (4,5% a.a. do IPCA) no médio prazo, o chamado “pouso suave”, o que implica numa maior flexibilidade na determinação da taxa básica de juros (Selic). Consequentemente, com uma política monetária mais flexível, é possível dizer que o BCB está dançando conforme a musica do governo, que tem como prioridade promover a retomada do crescimento. 

O crescimento da riqueza nacional, mesmo sabendo que este não implique automaticamente em desenvolvimento socioeconômico, é algo extremamente necessário, posto que a conjuntura internacional, especialmente dos países desenvolvidos, é desfavorável: as perspectivas de recuperação são bastante incertas para o médio prazo. Ademais, é evidente que o crescimento econômico robusto implica em melhoras nas condições laborais, na arrecadação do governo e na probabilidade de uma maior parcela da população pular/permanecer na piscina da “nova classe média”.

Observa-se então que a gestão da política monetária, embora seja algo bastante pontual, é algo que afeta a vida de milhões de pessoas, inclusive com interesses antagônicos, como o caso dos sindicatos e do mercado financeiro, por exemplo. Se o cenário de diminuição da Selic se consolidar, com a inflação permanecendo sob controle e com crescimento econômico razoável, os recursos utilizados para o pagamento da dívida pública serão diminuídos e o próprio orçamento da União para períodos subsequentes será incrementado, o que evidentemente liberará recursos para a manutenção e ampliação das políticas sociais estruturantes.

Portanto, entendemos que uma “boa” gestão da política monetária não deve negligenciar o crescimento e, ao mesmo tempo, não deve divergir significativamente dos demais objetivos do governo. Não é demais lembrar que esses dois pontos foram ausentes no Banco Central do governo Lula, quando as divergências entre a Fazenda e o BCB eram recorrentes e explícitas.

Cleiton é Economista e Professor da UEFS.

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