Mais uma vez um espectro ronda a Europa

|por Giliad Souza|
O Espectro que ronda a Europa já chegou na Islândia! Este espectro vem com outra forma, em relação à do século XIX, porém com o mesmo conteúdo, ou seja, do povo à frente da condução política e cientes da consequência econômica. Não é atoa essa forte insubordinação popular nos países europeus e nos yanques. É uma inquietação contra a ordem contemporânea do capital, capitaneada pelo neoliberalismo. Contra os ditames do mercado, entronizado no capital financeiro. Contra o status quo e contra os pareceres dos apologetas desse sistema excludente.

Ontem se os neoliberais tinham a Islândia como a principal referência de como fazer política econômica, hoje o povo, a esquerda, tomam a Islândia como fonte fundamental de que é possível resistir às reformas em prol do capital, dos bancos, das indústrias.

Para compreendermos o que tem acontecido recentemente no País do Gelo necessário se faz retrocedermos uns 10 anos. Desde o início da década passada que a Islândia implementara um dos mais ousados planos de reestruturação financeira, tornando o setor bancário privado responsável pelo financiamento de curto e longo prazo, além de dotar o setor financeiro especulativo das mais variadas benesses e privilégios. Em 2003 não havia mais bancos públicos e, visando atrair capital externo, abriram-se as chamadas “icesave”, que eram linhas de empréstimos com custos ínfimos e altas taxas de retorno. No entanto, na medida em que cresciam os investimentos, aumentavam a pari passu a dívida bancária e financeira privada. Em 2007 a situação já beirava uma crise de solvência (capacidade de pagamento das dívidas) e crise bancária, que se consumou em 2008. Foi nesse ano que o país em questão declarou-se como falido!

Quais as possíveis saídas? A apresentada pelo FMI, Banco Europeu e os diversos credores internacionais era de aumentar a austeridade, aumentar os impostos sobre o consumo (sem mexer nos impostos sobre as grandes fortunas) e “comprar” as dívidas dos bancos, medida que vem sendo implementada pela Grécia, e em algum grau pela Espanha, Itália e Portugal. Outra possibilidade seria estatizar os grandes bancos e executar políticas expansionistas, em detrimentos das austeras. “Insensatezmente” a escolha do governo foi a segunda, o que implicou numa série de retaliações da comunidade financeira internacional, tendo o FMI na vanguarda, e uma proposta de empréstimo que teria como contra-partida um aumento na carga tributária da população. Cada cidadão deveria pagar algo em torno de 100 euros por mês durante 15 anos. Como resposta o povo foi às ruas, derrubando em 2009 o Primeiro-Ministro, que era a favor do tal empréstimo, e convocando às pressas uma nova eleição que empossou um mandatário contrário a orientação neoliberal e, seguindo às pressões do povo que se negava a pagar pela dívida contraída pelos bancos e indústrias, convocou um referendo em 2010 sobre o pagamento da dívida e teve o “não” ganho com nada menos do que 93%. O FMI congelou imediatamente as contas e empréstimos islandeses.

A resposta popular foi imediata, que deu “governabilidade” política para o governo islandês investigar os crimes e culpar os responsáveis pela virulenta ciranda financeira. Ordens e mais ordens de prisão foram emitidas. Banqueiros de diversos estipes foram presos. Uma nova constituinte, de base popular, foi implementada e, mesmo com os embargos, retaliações e bloqueios da comunidade financeira internacional, a reconstrução da Islândia foi levada a diante, sob a orientação do povo que não se deixou intimidar. Antes, a principal referência política da ilha islandesa era os Estados Unidos. Hoje se referencia em outra ilha, a de Cuba, que a décadas resiste aos diversos e incontáveis bloqueios e restrições internacionais e mostra que um outro sistema e mundo é possível.

Se a saída para a crise seguida por diversos países tem sido salvar os bancos e banqueiros, em detrimento do povo, a Islândia segue outro paradigma, que é o de ampliar as possibilidades de amparo e proteção social. Se outros países fazem medidas austeras, desregulamentam ainda mais a economia, visando atrair investidores internacionais, a Islândia controla o movimento de capitais. Se antes Minskin, um economista conhecido por sua enfática defesa ao novo consenso macroeconômico (metas de inflação, superávit primário e câmbio “semi”-flutuante), arvorava na defesa da Islândia como referência de um bom país para se fazer negócios (finanças públicas controladas, sem controle de capitais de curto prazo, setor bancário nas mãos da iniciativa privada, metas de inflação, dentre outras) hoje a Ilha do Gelo é uma grande referência para esse militante socialista que vos escreve.

Um espectro ronda a Europa!

Giliad Souza é Economista formado pela UEFS, com Mestrado em Economia pela UFRGS e Doutorando em Economia pela UFRGS.

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