Pra completar a volta por cima

|por Juliano Medeiros|

A Copa América não é a Eurocopa. Assim como a Copa Libertadores não é a Liga dos Campeões da Europa. Cada uma tem suas qualidades, limites, e à sua maneira enfeitiçam os apaixonados pelo futebol. As primeiras promovem o encontro de equipes tradicionais do futebol sul-americano, as segundas reúnem num mesmo campeonato os principais jogadores do planeta. A discussão sobre quais são os melhores campeonatos é antiga. Em termos de campeonatos nacionais, não há o que discutir: a Europa está anos-luz à frente da América do Sul. O poder econômico fez do velho continente o lar de alguns dos melhores jogadores e treinadores do mundo.

Quando o assunto são os campeonatos continentais de clubes, o debate começa a ficar mais difícil. Há quem faça de tudo para abreviar uma tarde de trabalho só para assistir a um Barcelona x Manchester United – sem dúvida, um clássico. Mas há também aqueles que não trocam um Nacional x River Plate por nada no mundo e vejam muito mais glamour numa Bombonera lotada do que em vinte Old Trafford juntos.

Agora, quando o assunto são os campeonatos continentais de seleções, aí a coisa fica mesmo complicada. Se por um lado a Eurocopa é um grande campeonato, com dezenas de seleções de ponta disputando o título – o que não seria possível sem a divisão geográfica da Europa e seus mais de 50 países – por outro, a Copa América é uma competição com a cara da América do Sul: três ou quatro potências do futebol disputando um título que já foi por elas conquistado várias vezes, partidas que podem se transformar em verdadeiras batalhas campais, raça, paixão, história.

Imagine, porém, se na Eurocopa uma das grandes seleções que sempre desponta entre as favoritas fosse tratada como mera coadjuvante. Imagine uma Eurocopa em que a Itália não mete medo em ninguém. Em que a Alemanha é lembrada mais pelas décadas de ouro do passado do que pelo futebol do presente. Onde a Holanda ou a França não sejam relacionadas entre as seleções favoritas ao título. Pois isso aconteceu nas últimas edições da Copa América com um campeão peso-pesado: o Uruguai, dono de dois títulos mundiais e de duas medalhas olímpicas (na época em que as Olimpíadas eram, na prática, a Copa do Mundo – 1924 e 1928) vinha figurando nas últimas edições da Copa América como mero coadjuvante no torneio.

Bruno Porpetta, colunista de futebol do site Vermelho, em artigo publicado recentemente, esboçou uma explicação para esta situação:

“(...) Com uma população empobrecida, depois de anos de tortura militar e desmandos administrativos que jogaram o Uruguai em uma duradoura crise econômica, seus jogadores de futebol passaram a deixar o país cada vez mais cedo.
O Campeonato Uruguaio chegou a um nível técnico baixíssimo, pois dispunha somente do que “sobrou” em atividade no país. Os dois grandes clubes estavam à beira da falência, o que abriu espaço para equipes menores passarem a frequentar mais os torneios sulamericanos de clubes.
O título da Copa América de 1995 foi o último suspiro do que, durante longo período, foi um gigante adormecido. A última boa participação em Copas havia sido em 70, derrotados pelo Brasil e sua constelação de craques nas semifinais. A última vitória na Libertadores, em 88, com o Nacional. Depois disso, uma série de frustrações.”

O ano de 2010, porém, marcou o início de uma grande virada no futebol uruguaio. A Celeste Olímpica, depois de uma classificação suada nas eliminatórias contra a inexpressiva seleção da Costa Rica, conquistou o quarto lugar no mundial da África do Sul, dando trabalho às favoritíssimas Holanda e Alemanha na semifinal e na disputa do terceiro lugar, respectivamente. Tendo Diego Forlan à frente do elenco uruguaio, a Celeste fez uma grande Copa do Mundo, tendo seu camisa 10 sido eleito o melhor jogador do torneio. Quem poderia prever, antes do mundial, um resultado tão positivo?

Em 2011, nova surpresa: o Peñarol, uma das equipes mais tradicionais do futebol mundial, dono de cinco títulos da Copa Libertadores da América e três mundiais, chega à final do mais importante torneio de clubes do continente após um longo período longe das competições internacionais. A equipe uruguaia, derrotada pelo Santos de Neymar e Ganso na grande final, venceu nada menos que o então campeão continental (Internacional), o campeão chileno (Universidad Católica) e um dos mais importantes elencos do futebol argentino (Velez Sarsfield). Detalhe: tudo isso com apenas um estrangeiro numa equipe formada quase toda por uruguaios.

Assim como não se pode pensar Eurocopa sem lembrar de seleções como Itália, Alemanha, Inglaterra e França, como imaginar uma Copa América sem listar Brasil, Argentina e Uruguai como favoritos? Como pensar o mais importante torneio de seleções das Américas sem considerar a Celeste uma forte postulante ao título? O renascimento do futebol uruguaio deixa a Copa América com mais cara de Copa América. Pra completar a volta por cima, basta agora uma boa campanha no torneio. Com isso ficarão para trás os anos de tristeza e amargura que acompanharam a apaixonada torcida uruguaia nas últimas décadas. O Uruguai merece e o futebol também.

Juliano Medeiros é Editor do site Unamérica, apaixonado pelo futebol uruguaio e por aquele rincãozinho da América do Sul chamado Uruguai.

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