La Roja

|por Helen Fraga|

Antes de ser solicitada pelo editorial da Transa Revista para falar da seleção chilena eu somente me interessava pelas notícias acerca do seu ex-técnico, o argentino Marcelo Bielsa. Também é necessário, que o estimado leitor tenha claro que todos os meus conhecimentos sobre Copa América, até então, se resumiam em uma competição de futebol que ocorria na América e por seleções “americanas”. Talvez um fenômeno do acaso ou de um destino usurpado da discussão de milhares de mulheres, de acesso e prazer restritos na participação assim no esporte quanto na cultura e na política, para não falar de sexo e religião. Então, o que fazemos com isso? La Roja pode ser um começo alvissareiro.

O fato da tônica que domina o futebol ser a competição per se, não apaga algumas repercussões interessantes de sua prática, como o interesse em saber mais de um país, de sua história e de sua cultura, por meio dos seus atletas. Pois, se aqui no Brasil, alguns nomes como Jorge Valdivia, Iván Zamorano, Marcelo Salas, Roberto Rojas, Elias Figueroa o Carlos Caszelly, para os mais interessados por futebol, sejam sinônimos de identificação de jogadores chilenos, no Chile, é quase unanimidade que o que as pessoas conhecem do Brasil seja o futebol e seus mais famosos jogadores, dos quais dispenso citações. Isto reconhecendo que as odiosas novelas globais também se alastram pela América Latina, como um importante produto subimperialista brasileiro no campo da “cultura”.

A seleção chilena, também conhecida como La Roja, pela cor vermelha de sua camisa, nunca apresentou resultados expressivos em competições de futebol, mas como toda seleção nacional tem um histórico interessante a ser contado, dado que remete ao histórico de sua gente. Em competições mundiais, seu melhor resultado, fora o terceiro lugar em 1962, quando o país foi sede da competição, o ano do bicampeonato brasileiro. Em competições olímpicas, uma medalha de bronze em 2000. E na Copa América, o vice-campeonato nos anos de 1955, 1956, 1979 e 1987, apresentando em geral grandes dificuldades em passar para a segunda etapa desta competição.

A seleção chilena enfrentou a brasileira pelas eliminatórias no Maracanã em 1989. Corriam os quinze minutos do segundo tempo, a oncena chilena tentava o empate, após o gol de Careca. Eis que, no lado oposto ao que a bola se encontrava, um sinal luminoso, daqueles refulgentes em tom azul, caiu no campo, a poucos metros atrás do goleiro. Ele percebeu, agachou-se lentamente (assim testemunham fotografias captadas na época na lateral, nunca divulgadas no Chile), pegou uma lâmina de barbear que escondia nas luvas e fez-se um corte na sobrancelha, originando uma das maiores surpresas esportivas da história do futebol, que culminou com a suspensão da seleção por oito anos e o banimento de goleiro, capitão e treinador do esporte. Algum tempo depois, o goleiro Rojas, reconhecido o erro e reivindicado como atleta, indicou que havia pressões na época do final da ditadura de Pinochet para trazer de volta a classificação a qualquer preço, voltou a São Paulo a ser treinador de goleiros.

Nos quatro anos passados a seleção chilena passou a apresentar melhores rendimentos em suas últimas participações em competições, devido, em grande medida, ao trabalho de rearticulação feito pelo seu ex-técnico Marcelo Bielsa, também conhecido como “El Loco Bielsa”. A biografia esportiva desse treinador vale mais uma crônica detalhada. Brevemente, o rosarino (o argentino nascido em Rosário, a mesma cidade onde o Che nasceu, a 500 km da capital) não se dedicou somente à diagramação de esquemas de 4-3-3 ou 3-4-3 ou escalações valorizando jogadores que atuavam no país, senão que a ações de rearticulação como a remodelagem do complexo desportivo da seleção e a busca pela valorização salarial dos atletas. A época dele é a da disposição ofensiva dos jogadores em campo.

Por exemplo, em junho de 2009, no jogo contra o a seleção de Dunga em Salvador, sob intensa chuva e longa expectativa da torcida local, coloca em campo três atacantes. Três atacantes contra o Brasil? Acaso não seriam três zagueiros? O empate até meados do segundo tempo fazia supor que o apelido de “El Loco” iria atingir o objetivo. Após a eleição do atual presidente da Federação Chilena de Futebol, Bielsa, discordou de manipulações e renunciou, para tristeza dos torcedores do país, que ofereceram a nacionalidade chilena em reconhecimento.

Foi sucedido por outro argentino, Cláudio Borghi, além de ex-jogador do Flamengo do Rio também foi ex-jogador do time de maior torcida no Chile, o Colo-Colo, (cujo nome, replicado pelo time de Ilhéus, é uma homenagem a um líder da insurgência indígena à ocupação espanhola no século XVI). O atual treinador manteve a mesma base técnica planejada por Bielsa, a escalação continua sendo a que passou à segunda fase na África do Sul, mas ainda substitui com pouco brilho o ex-treinador.

Com Alexis Sánchez e Humberto Suazo como atacantes e os meio-campistas Jorge Valdivia (embora lesionado com o drible-no-vácuo, recém inventado) e Matías Fernandes, a seleção chilena vem garantindo a liderança do Grupo C na Copa América, com uma vitória e um empate, em uma equipe que vem ganhando entrosamento gradativamente.

No ínterim alguns jogadores valorizaram-se em níveis internacionais, ao ponto de Alexis Sánchez, ponta direita nascido no norte grande, no porto de Tocopilla, está sendo tido como a próxima contratação do time do Barcelona. Se não está sendo a copa de Neymar, nem de Messi nem de Forlán, aparentemente há possibilidade de que seja a jornada de quem cavou o pênalti do empate 1x1 em Pituaçu.

Em uma copa que elimina apenas um terço dos participantes iniciais na primeira fase, os confrontos mata-mata serão os que definam se os três favoritos e cabeças-de-chave, que até agora somente empataram, poderão sobrepor-se aos vitoriosos inesperados, como Chile e Venezuela, convergindo com o comentário freqüente de que as equipes nacionais tendem atualmente a se nivelarem. Na medida em que sejam outras seleções e não a brasileira a que continue passando de etapas, provavelmente perderá o futebol a preponderância que a mídia normalmente lhe atribui, criticando no caminho o técnico e os jogadores mais cotados.

Helen Fraga é estudante de Economia pela UEFS

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