Nenhum de nós a menos

|por Helen Fraga*|

Em um desses dias de sol quente, em Feira de Santana, uma reunião em uma praça marca a saída de um ato em mobilização contra o aumento da tarifa do transporte na cidade. São muitos de jovens corações. Muitos braços erguidos, pernas aos tropeços e olhares atentos. Mais um dia de abril de dois mil e onze, quente e um redemoinho de emoções. Mas o que motivaria estes jovens a saírem às ruas, numa quarta-feira de abril, quando o aumento da passagem era um fato consumado, como bem nos perguntavam quando passávamos pelas ruas? Para quê?

Antecede a esta resposta outro fato. Uma outra reunião, mas esta às portas fechadas e com cadeiras marcadas. O Conselho Municipal de Transporte, em assembléia, delibera o aumento da passagem do transporte, de R$2,15 para R$2,37. O prefeito da cidade, em um ato de compromisso com o povo, lança uma contraproposta de R$2,35. Segunda-feira, quatro de abril, e o povo e muitos dos jovens que ora participam da caminhada são vitimados com o aumento da tarifa do transporte.
Ao andarmos em mobilização lado a lado, percebemos, através dos gritos contra o aumento da passagem, o que dos jovens se rouba cotidianamente; a despreocupação de suas juventudes. Pois ao pagarmos 2,35 de tarifa de transporte, há, simultaneamente, uma notória redução da qualidade de vida e o aprofundamento das condições precárias de trabalho da grande maioria da população.

Assim, quando nos questionam sobre o que pode ser feito depois que o aumento da tarifa já é um fato, os gritos dos jovens nos dão a primeira pista. Fazer com que as pessoas comecem a se questionar sobre as condições de injustiças a qual estão submetidas e que precisam fazer algo para que estas condições se revertam. Por isto, sempre há muito de simbólico em mobilizações onde a juventude alardeia a possibilidade de mudança, mesmo com a tarifa do transporte já sorrateiramente reajustada. O alerta nos ajuda a desvelar os meios de alienação que perpetuam o mecanismo de inversão da realidade na sociedade.
Enquanto os meios de comunicação, desta cidade, passam a relatar as mobilizações como um ato de vandalismo, sugiro um rearranjo de idéias. Sugiro falar do ato de vandalismo, que mantêm as condições de escravidão remunerada de centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras feirenses.

Além da denúncia do ato de reivindicação popular, uma nota da prefeitura municipal se repete nos noticiários, em que manifesta as boas intenções da administração e sua disponibilidade para o diálogo com os manifestantes. Ora, sabemos com quem o diálogo é aberto nesta prefeitura e com quem ele foi estabelecido para permitir com celeridade mais um substancial aumento na tarifa do transporte.
Os meios de comunicação, dessa cidade, passam, assim, cumprindo sua missão de descrever a realidade social sob a perspectiva daqueles que eles representam. O que para muitos não fica tão claro, entretanto, é o manejo do contexto dos fatos e as motivações financeiras por trás deste contexto.
Os desdobramentos das mobilizações, que continuam e crescem em participantes e simpatizantes, ainda são incipientes, mas seguem sempre nos encorajando a mudar a direção da história ao tratarmos, em particular, da luta do transporte público e, em geral, da vida da população feirense que, via de regra, tem o debate miseravelmente desperdiçado e dolosamente desfocado nos decadentes meios de comunicação.

* Helen é estudante de Economia da UEFS

2 comentários:

15 de abril de 2011 às 08:50 Gil disse...

Poha! Parabéns Helen pelo texto. Confesso que suas palavras me emocionaram.
Abraços

15 de abril de 2011 às 09:53 Jhonatas disse...

Belo texto! As pessoas conseguem perceber os problemas, pelo menos em sua aparência mais imediata, mas acham que não vale tentar mudar – “não vai adiantar” é a primeira frase que vem à boca de muitos. Ante a resignação conservadora, é sempre bom lembrar que mesmo a esperança é construída pela prática.

Postar um comentário