Mulher sob o reinado do Momo

|por Jamile Silveira*|

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, ocorrerá no feriado da terça feira de Carnaval, festa de rua mais popular do Brasil. Apesar das críticas existentes ao estabelecimento de uma data no ano em que se comemora o dia da mulher, como se os outros não o fossem, este marco tem sido importante para maior exposição de lutas e bandeiras em defesa de seus direitos e combate ao preconceito, violência e exploração sexual. O choque da comemoração do Carnaval e do Dia da Mulher nos traz algumas reflexões. Pensemos sobre a presença feminina durante a festa em Salvador.

Como são tratadas pelo público masculino? Foi estabelecido ao longo das décadas que o espaço do Carnaval é da liberdade para exacerbação de vontades libertinas. Esse clima faz com que muitos homens acreditem que as mulheres estão completamente à disposição da sua vontade. É como se o pensamento feminino fosse o seguinte: “nós, fêmeas, estamos na festa à espera de um macho (ou mais de um) que passe a mão em nossa bunda e que agarre à força nossos corpos, em uma atitude de pura demonstração de dominação máscula”. Algumas mulheres têm o direito ou fetiche de querer passar por essa situação/fantasia, mas acredito que muitas são obrigadas a se submeter à ação masculina contra a sua vontade, para poder aproveitar a festa. Este é um ato de violência em todos os seus aspectos e da coisificação da mulher.

Quais espaços as mulheres ocupam? Temos as folionas que estão nas pipocas, blocos e camarotes; as policiais, que estão ali para manter a segurança; as vendedoras ambulantes, trabalhando durante os festejos e dormindo nas calçadas, para não perder seu ponto; as catadoras de latinhas, que também levam seus filhos para ajudar na coleta; as artistas, atração principal do Carnaval; e as cordeiras, muro humano que divide os pagantes dos blocos dos foliões pipoca. Claro que muitas mulheres no Carnaval não cumprem só um desses papéis, mas os conflitos de classe as diferenciam e definem previamente o lugar que devem ocupar.

O maior símbolo dessa segregação sócio-racial são os cordeiros e cordeiras, que batem, apanham e empurram para manter a divisão entre o bloco e o folião pipoca. Apesar disso, os trios, como o do Chiclete com Banana, são disputadíssimos pelos cordeiros, pois para muitos é a única oportunidade de sair no Bloco. Mulheres também ocupam essa função, onde seu corpo serve como barreira humana para proteção daqueles que vestem o abadá. Uma condição de trabalho degradante, sem condições adequadas, com sandálias nos pés, sem luvas para segurar a corda, proteção sonora e completamente expostas a toda forma de violência, em troca de R$ 10,00 por noite, que às vezes nem recebem – ferindo frontalmente a dignidade da pessoa humana, valor fundante do Estado brasileiro.

A prefeitura de Salvador perdeu a oportunidade de escolher a Mulher como tema do Carnaval e de provocar uma campanha publicitária sobre o respeito à mulher, os abusos e a violência vivenciados em seu cotidiano e exacerbados na festa.

*Jamile Silveira é Historiadora pela UEFS e Mestre em História pela UFBA.

2 comentários:

9 de março de 2011 às 06:22 Rodrigo Wanderley disse...

Uma festa de descontração, brincadeira e alegria que perde cada vez mais espaço para a "pegação" gratuita. Na quarta-feira de cinzas conta-se o número de conquistas (ou beijos) e esquecem-se os nomes, os momentos, as pessoas...
Neste cenário, a mulher é transformada em objeto de desejo (mercadoria), tanto que alguns blocos chegam a dar abadás para as meninas que consideram bonitas para que os homens paguem caro por seu harém privatizado.
Pena para essas belas meninas que pensam estar exercendo uma conquista feminista, enquanto caem, literalmente, nos braços de uma indústria do sensualismo "que se chamava carnaval,ó carnaval..."

Belo texto e feliz dia das Mulheres Jamile.

12 de março de 2011 às 07:02 Carolis disse...

Jamile,
Você foi muito feliz em abordar como o Carnal nos coisifica, não temos vontade e quando rejeitamos o macho passamos de gatinha para puta, ou seja, ou nos submetemos a vontade deles ou somos violentadas moralmente e fisicamente.
E vamos a luta.
Beijos

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