A construção de um clássico

|por Franklin Oliveira Jr.*|



BAVI um dos maiores clássicos do Brasil


Assim como a vida social e cotidiana é um processo de construção, o chamado “clássico” também é fruto de um processo e constitui um fenômeno sócio - esportivo histórico. Apesar de podermos falar de clássicos em geral cada um deles tem uma dimensão muito particular. Um deles é o BA-VI.

A pré-história
Nem todos os clubes e associações desportivas que existiam na Bahia no Século XIX evoluíram para a prática do futebol. Os que assim o fizeram, no início do novo século, iniciaram seus campeonatos na primeira década influenciados pela potência inglesa. A Bahia esteve entre os primeiros estados, originando suas equipes de estudantes, moradores de bairros próximos ao centro da cidade e de alguns clubes sociais.

Até a década de vinte não haveria propriamente “clássicos”, pois o esporte não apresentava consolidação suficiente. O intercâmbio era pequeno, eram usados vários campos para a prática do futebol. A polarização inicial entre São Salvador e Vitória, importada do remo, dá lugar na segunda a uma mais consistente, entre Ypiranga X Botafogo. Mas só a partir de 1922, quando é inaugurado o Estádio da Graça, é que o esporte teria um lugar destacado na sociedade.

Alguns fatores colaboraram para isto, particularmente a estruturação de cinco clubes. Baiano de Tênis e Associação Atlética transportaram para o futebol a rivalidade que já apresentavam como clubes sociais. Botafogo e Ypiranga, de tradições populares, disputavam camadas mais despossuídas. E o EC Vitória trazia certo público dada à condição de decano do esporte.

Diria que, nesta época, Associação X Baiano e Botafogo X Ypiranga eram aquilo que em pequena escala chamaríamos de “clássicos”. O intercâmbio trazido pelo estádio da Graça, ajudaria a formar os clubes tradicionais, cujos feitos mais notável seria a convocação do zagueiro Mica do Botafogo para a seleção brasileira(1923) e a obtenção do primeiro título para a seleção baiana no amadorismo(1934).

A chamada Revolução de Trinta traria consigo o profissionalismo no esporte. O processo seria concomitante com a extinção de dois dos maiores clubes existente, Associação e Baiano, que resolvem acabar seu departamento de futebol. O estrago só não foi maior pelo fato de boa parte desses jogadores terem se juntado e criado o EC Bahia que marcaria profundamente a história do esporte local. Mas ninguém notaria o primeiro jogo entre Bahia X Vitória, que estaria muito longe de ser um clássico, cuja foto divulgada á época mostra jogadores em surpreende atitude comunitária.

A entrada do Bahia e do time da colônia espanhola abriu novas possibilidades para o nosso futebol que iria ser coroada nos anos quarenta. Nascendo da fusão de dois grandes, o tricolor não teria dificuldades de ser o papa-títulos da cidade, embora chamasse a atenção o Botafogo (o clássico do pote), o Ypiranga (o mais querido), o Vitória (o leão da Barra) e o Galícia (demolidor de campeões) que chega a ganhar um tricampeonato na década.

O esporte baiano, porém vivia anos decisivos. Salvador experimentava ascensão econômica e crescimento da sua população que não deixaria permanecer um acanhado estádio com arquibancadas de madeira. O ritmo da sua construção, no entanto, só ganhou fôlego após a Segunda Grande Guerra quando o Brasil, aproveitando a conjuntura de reconstrução da Europa, obteve a permissão de sediar a quarta Copa do Mundo.

O clássico BA-VI
A inauguração da Fonte Nova em 1951 vai assegurar a identidade do clássico BA-Vi. Este surge num estádio moderno, projetado pelo escritório do arquiteto modernista Diógenes Rebouças, com capacidade de milhares de pessoas, quando o EC Vitória aceitaria definitivamente o profissionalismo, o tricolor alça voos nacionais, e os clubes tradicionais começam a perder substância, com seus torcedores se alinhando em torno desta polarização.

Na ocasião o estádio se repartia em dois. A direita das cabines de rádio ficava a torcida do Bahia e á esquerda as do Vitória (ainda sem grande peso próprio), Galícia. Botafogo, Ypiranga e até a do Guarany. Um primeiro momento marcante foi quando o rubro negro Natal Silvany coordenou uma orquestra de jazz, torcedores uniformizados e o uso de fogos em 1952 num BA-VI bastante concorrido. O clássico em construção iria beber das grandes equipes que seus clubes tiveram na década e que lhes possibilitariam revezar-se nos títulos de campeão entre 1952 e 1958. Oportunidade em que o presidente do EC Vitória Martins Catarino criaria diversas polêmicas para promover os jogos.

O clássico experimentaria reversão ao final da década quando o tricolor ganhou um inédito penta campeonato e sagrou-se campeão da Taça Brasil distanciando-se de seu rival. No entanto, ao sobrevir à grande crise no futebol 1965/1966 com o Vitória no epicentro, este voltaria á crista da onda obtendo seu segundo bicampeonato.
No início dos anos 70 a capital do estado expressaria definitivamente a atração de indústrias para o seu entorno. Sua população dobraria em apenas uma década. No futebol, inaugurava-se a grande era de massas do futebol baiano com a inauguração do anel superior da Fonte Nova, embora com uma inesquecível tragédia. A criação do novo equipamento coincidia com a indústria cultural e do entretenimento no país. 

O novo período irá liquidando um a um os clubes tradicionais nas próximas décadas e  inaugurariam uma enorme hegemonia do EC Bahia, onde o clube obteria o inédito título de heptacampeão baiano e de campeão brasileiro. Mas apesar disto o clássico sobreviveu, particularmente pela entrada do Vitória no seleto grupo que participaria do Campeonato Brasileiro atraindo em torno de si a torcida anti - tricolor que desaguaria no único clube que lhe fazia frente e, às vezes lhe arrebatava o cetro, o rubro negro. A fase que marcou o final da ditadura militar no Brasil levaria ao reerguimento do EC Vitória, que encontraria novas brechas para avançar, começando a construir o seu estádio particular e adotando critérios mais profissionais de atuação.

Em pouco mais de vinte anos ocorrem na Fonte Nova mais de vinte jogos com mais de 80.000 torcedores e, pelo menos quatro, com mais de cem mil. Destes pelo menos 70% foram BA-Vis. O EC Vitória deixaria praticamente de jogar no estádio em meados dos anos 90, embora ali conquistasse dois vices nacionais conseguidos em 1992(Segunda Divisão) e 1993(Primeira Divisão). Retomaria a hegemonia do futebol baiano por um período semelhante ao do Bahia, nos anos 90 e na primeira década do novo milênio, aonde chegaria mais uma vez a uma final nacional contra o Santos em 2010.

A segunda década do novo século inverte as coisas, agora é o EC Bahia que está na Primeira e o EC Vitória na Segunda Divisão, mostrando as grandes viradas do esporte. Hoje vivemos novos tempos, de cultura de massas e de entretenimento, de elitização do futebol, e das torcidas organizadas Os Imbatíveis e da Bamor. Os dois clubes promovem programas de fidelização de torcedores.

Longa vida ao BA-VI, para a felicidade do nosso povo, que se assegure a perenidade do nosso grande clássico. Quanto a nós só podemos esperar que o próximo período lhe traga a dimensão nacional tão sonhada. Isto, porém, não dependerá apenas do esforço dos clubes, mas também da capacidade de conquistar cidadania esportiva pelos seus torcedores.

*Franklin é Professor, desportista e historiador e Coordena o blog memóriasdafontenova.blogspot.com

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