Quem se lembra de Marighella?

|por Manuela Muniz*|


Tarde de terça e de sol. No Fórum, gente indo e vindo num ritmo que a burocracia nunca alcança. Na praça em frente ao Fórum, uma mulher de pernas de pau rodeada de homens e mulheres cantando com máscaras. Pessoas que estavam só de passagem, chegando perto, curiosos... E na outra ponta da praça, outro grupo de mascarados, também cantando.

O teatro trouxe a Feira o inusitado, reproduzindo o encontro entre negros e italianos, para começar a contar a história do baiano Carlos Marighella, comunista gauche, amante da vida e, por isso mesmo, da revolução. Um grupo de brancos do longínquo Rio Grande do Sul vestidos de contas, búzios, empunhando o machado de Xangô, tocando berimbau e pandeiro, cantando com sotaque inconfundível. E cada vez mais pessoas se aproximando, se movimentando ao longo da grande praça/palco, acompanhando as peripécias dos atores durante quase duas horas. Em pé. Reagindo a cada gesto e dividindo olhares para as múltiplas ações no chão, nível-a-nível com os atores, que nos atravessavam a cada vez que iam e voltavam das mudanças de cena.

O mais inusitado foi o objeto da peça: a trajetória de um comunista guerrilheiro durante a ditadura, em tempos de “cidadania” e ”somos todos iguais”. O amargo santo da purificação é sim uma apologia. Mas em nada parecido com os panfletos de textos chatos e as caras carrancudas dos que acham que a revolução é “séria” demais para caber em uma música ou encenação. A beleza das músicas, dos penteados, do figurino e as piruetas circenses eram na medida para que não esquecêssemos a repressão. No fim do espetáculo, o que parecia ser uma “chuva de prata” era uma chuva de pequenos papéis-jornal, contendo nomes e informações sobre mulheres e homens presos, torturados, assassinados, desaparecidos durante a ditadura civil-militar.

As palmas de satisfação, os olhos cheios d’água e os sorrisos no final só me fazem pensar que a grande sacudida no tapete do capitalismo e suas opressões sensibiliza muitas pessoas, inclusive aquelas que estão só de passagem. Depende de como faremos seus olhos brilharem.

Para quem quiser saber: www.oinoisaquitraveiz.com.br

* Mestranda em História pela UEFS e pesquisadora do LABELU.

2 comentários:

13 de outubro de 2010 às 10:54 Anônimo disse...

Uma pena ter perdido isso, Manuela. Gostei muito dessa resenha.

'O teatro trouxe a Feira o inusitado'

"... dos que acham que a revolução é 'séria' demais para caber em uma música ou encenação."

Sobre isso, acho que o processo de alienação nos chegou em um nível tão profundo que esquecemos de criar.

Como já havia comentado antes, mas não aqui: um alento mesmo com este nó em nossas gargantas.

que essa chuva ácida nos sirva pra revelar o passado e possibilite a construção de tempos melhores.

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