Imagens sem fim

Ou a insignificância fotográfica

| Por Dolores Rodriguez






Pra quem não sabe, foi Barthes um dos precursores dessa história de falar que fotografia é arte, ou seja, foi esse cara que tirou a fotografia do reles papel de reprodução fiel da realidade para colocá-la como uma interpretação da realidade. Um tanto quanto óbvio, já que o fotógrafo é, como diria Boris Kossoy, um “filtro cultural” porque ele delimita de uma suposta realidade um determinado aspecto e além disso, ou por isso, dá um tratamento estético diferenciado a ele :

O registro visual documenta, por outro lado, a própria atitude do fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente naquelas que realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal”. Kossoy





Por isso que acho de uma profunda insensatez quem afirma que um desenho “dá mais trabalho que uma fotografia”, primeiro porque desmerece esse papel do, por momentânea ausência de termo melhor, fotógrafo. Segundo, porque o que seria esse dito trabalho? Até que ponto se pode elencar por ordem de “trabalho” o que viria a ser mais significativo? Além de ser uma observação arbitrária, claro, porque quem a reproduz coloca uma opinião pessoal como uma verdadeira postulação da verdade. Quem quer elogiar uma fotografia e diz que ela parece um desenho, envereda mesmo que inconscientemente pelos caminhos do não reconhecimento da fotografia como obra artística, e isso é ainda mais perigoso porque demonstra o quão arraigado está em nós esse conceito ao ponto de naturalizarmos que fotografar é uma tarefa fácil, e em tempos atuais ( tristes tempos), descartável . Fica evidente que quem fala dessa maneira, em absoluto, não concorda com Barthes e não concorda comigo.

Há ainda aqueles que acreditam que é possível chamar qualquer indivíduo com uma máquina considerada de qualidade para realizar um trabalho fotográfico, abnegando o papel do sujeito que tira a foto e optando por pensar em fotografia como uma mera realização técnica, desprovida de influências pessoais de quem a realiza, ou seja, bagagem cultural, sensibilidade e criatividade são coisas totalmente descartáveis quando se tem um bom equipamento: o pensamento seria mais ou menos esse. E acreditem, não é o pensamento de uma minoria, mas sim de uma maioria cheia de pessoas que se dizem apreciadoras desse conceito tão diluído e ordinário que hoje é atribuído a “arte”. Seja lá que conceito seja esse. (Como diria Rubinho Jacobina : “Gosto de cinema, gosto de dançar/ De fazer poemas em papel de bar/ Mas... artista é o caralho, é o caralho!").

E digo mais: pra mim não há nada mais fetichesco em fotografia do que a espera do filme sendo revelado. Infelizmente, em Feira de Santana encontrei apenas uma pessoa que conserta máquinas analógicas, ela se chama Zé do Flash e trabalha no subsolo do prédio Mandacaru, no centro da cidade (Isso mesmo, no subsolo! Pra você ver em que grau de importância chegamos, meus amigos). Nosso querido sobrevivente não soube dar cabo aos problemas da minha Zenit 122. Aproveitando o ensejo, quem tiver notícias de algum outro ser primata como eu e o ilustre Zé do Flash, tenha a bondade de me informar! 


Graciela Iturbide é uma fotógrafa mexicana e escolheu como um dos seus “temas”, se é que há algum tipo de escolha, a morte.É muito arraigado a cultura mexicana, o culto a Morte: o dia dos mortos é festejado de uma maneira quase carnavalesca porque, para os mexicanos, aqueles que já morreram vêm a terra neste dia para uma espécie de comemoração e é por isso que as pessoas se juntam pra uma verdadeira festa para os mortos na qual ofertam bebidas e comidas, dentre outra coisa. Além de saírem as ruas trajando máscaras e fantasias. O símbolo maior desta expressão da cultura mexicana é, sem nenhuma surpresa, a caveira. Iturbide é considerada um dos nomes mais expressivos em fotografia preto & branco e dedica boa parte da sua obra a tentativa de desvendar o que é ser mexicano. 















 
 







 (Clique nas fotografias para ampliá-las)












Fotografia e morte estão entrelaçadas e é quase que impossível separá-las, isto porque toda fotografia nada mais é do que um retrato da própria morte, de um momento passado, ou seja, de um episódio que não existe mais, está morto. Atingiu a eternidade, em certa medida. O perigoso aqui é dizer que a fotografia está submetida a ser apenas um registro imagético de um momento, de um lugar, de pessoas. Considerar a fotografia como uma expressão individual, é considerar também que ela “sempre se prestou a incursões puramente estéticas” (Kossoy). Se cria assim um binômio fundamental na arte fotográfica: morte e nascimento. Porque ao passo que se presta a registrar a fugacidade da existência, ela se presta também ao nascimento de uma obra através de um processo criador, logo, uma nova vida. É como a caveira, que significa não só a brevidade da matéria mas, sobretudo, a eternidade.


1 comentários:

25 de maio de 2010 às 20:22 Anônimo disse...

gostei muito do texto e de conhecer um pouco sobre o trabalho de Graciela Iturbide. a fugacidade da existência eternizada em uma fotografia é algo que aprecio muito. é maravilhoso quando nos tornarmos cúmplices de outros olhares, oscilando entre sentimentos de paixão e de ternura. é uma maneira de não esquecer jamais que estamos vivos.

Postar um comentário