Noite bluseira em Feira de Santana - Primeira parte


Breve comentário sobre os roqueiros e o 
ambiente rocker em Feira nos últimos 10 anos



Estava sentado ao lado de um amigo de meu irmão, e por tabela meu também, o ilustríssimo William, numa das mesas do bonito Antiquário Pub, assistindo ao show da Valentina, banda soteropolitana que fazia então sua primeira apresentação na cidade. Comentávamos ali sentados como dois sexagenários as mudanças que a “cena” rocker em Feira sofreu nos últimos dez anos. Em certo momento, observei: “é, William, pelo menos hoje em dia uma banda pode facilmente ‘postar’ uma foto na internet, não precisa scannear primeiro... e fora isso, esse Antiquário dá dez a zero no Mc Rei!”. William acrescentou que a sua primeira guitarra fora uma “falsa Tonante”, comprada a época por 50 reais de segunda mão, e hoje em dia possui uma Epiphone SG, ou seja, está mais fácil ter melhores instrumentos, tirar melhores sons. Lembro aqui do primeiro show que fiz com o meu incipiente conjunto de rockabilly, eu tocava uma “Gianninni” modelo jazz master do tempo do meu avô. Tive de fazer o show parado porque caso me movesse demasiado, corria o risco da guitarra falhar em pleno palco. Os fios dos captadores além de oxidados, estavam toscamente presos por fitas isolantes. Embora pareça agora um fato isolado, a questão que essa era a realidade da maioria das bandas em Feira: a escassez completa de recursos. Bateria era artigo raro. A única que a minha banda conseguiu comprar havia pertencido ao Beuzerblues (mítica banda de R&B feirense de meados dos anos noventa), salvo engano era mais velha que a média de idade minha e dos meus amigos.


Sentados ali William e eu, constatamos que muito melhorou em Feira nesses 10 anos, e se o rock saiu da clandestinidade para atracar em bons espaços da cultura alternativa aqui, como o bonito Antiquário, e o recente festival de música independente, muito se deve (além do “avanço econômico”) a coesa trajetória e ao bom trabalho de algumas bandas daquele tempo, que trouxeram e incorporaram a ferro e fogo toda uma geração roqueira. Não estou falando em número, falo de certo em “qualidade”: as apresentações perderam o seu característico amadorismo e hoje aspiram alguma organização, e no mais das vezes têm conseguido, o que é maravilhoso.

O Clube de Patifes é uma das principais bandas, senão a principal, a trazer ao ermo universo roqueiro de Feira alguma luz profissional. Além de possuírem o trabalho mais sólido de qualquer conjunto da cidade, são eles também responsáveis pela realização de festivais e shows de bandas de algum respaldo na cena independente brasileira. Por exemplo, os soteropolitanos do Cascadura tocaram aqui por causa do Clube.

Então ontem à noite estávamos ali revirando as páginas de nossa memória coletiva e percebendo que, embora silenciosa e lenta, a “cena” rocker em Feira mais ganhou do que perdeu nesses últimos 10 anos.


Valentina

                                                           Foto Divulgação

A proposta da banda é interessante: fundir o R&B com o ambiente de cabaré, da pin-up. E é preciso dizer que eles o fazem com alguma competência. Na apresentação, os timbres das guitarras soaram adequados (em geral esse é o ponto onde as bandas “retrôs” pecam) e a vocalista, embora tenha se mostrado um pouco acanhada no começo, é afinada e sedutora. Enfim, cumpre com sobras os requisitos da proposta estética da banda. Ao restante do grupo, dou destaque ao baixista, que possui muito vigor e pouca vaidade (não gosto de baixistas vaidosos e barulhentos) e à baterista, que não hesitou em encher o braço nas peles e nos pratos de seu kit. Talvez isso tenha lhe custado umas duas saídas do tempo em uma ou outra canção, mas em contrapartida sua “pegada” rocker que não deixou a banda estancar em nenhum momento.

Do repertório, acrescento que preciso ouvir mais o EP (Rascunho, lançado há cinco meses) para ter uma opinião mais clara sobre a produção da banda, mas no geral tive uma boa impressão. Das releituras, confesso que não gostei de Pagu (de Rita Lee e Zélia Ducan), achei um pouco previsível. A versão para o clássico brega Garçom, do imortal Reginaldo Rossi, não pareceu funcionar no arranjo arrastado que a banda fez: a linha melódica da voz ficou um tanto perdida dentro do andamento.

 
Mas é preciso parabenizá-los por abrir o show com Blue Suede Shoes e sobretudo pela excelente releitura de Come Together dos Beatles. Outro aspecto que destaco na apresentação da banda soteropolitana foi a participação em duas ou três canções de Tonton e sua harmônica endiabrada. Ele tem uma verve bluseira que salta aos olhos.

Após o show, eu e a caravana da Transa batemos um papo agradável com o grupo. As suspeitas sobre o estilo de cabaré e das pin-ups foram confirmadas, assim como a revelação de que o nome fora inspirado mesmo na HQ italiana Valentina.

Algo inusitado, não só pra gente da revista, como também para o restante da banda, foi um dos guitarristas apontar as pornôs-chanchadas brasileiras como uma de suas influências estéticas. Muito coerente, aliás.

As impressões do grupo sobre Feira foram as melhores possíveis, elogiaram bastante o local do show e em especial o público feirense, que se mostrou muito receptivo e acalorado.

Espero duas coisas: que essa primeira impressão não mude e que eles possam vir aqui mais vezes.

Mais informações sobre o grupo aqui na página deles: http://www.bandavalentina.com.br/


Leia segunda parte do show de lançamento aqui:

http://transarevista.blogspot.com/2010/02/noite-bluseira-em-feira-de-santana.html

3 comentários:

21 de fevereiro de 2010 às 19:18 Daniel Oliveira disse...

A baterista da banda Valentina se parece muito com a atriz Maria Luisa Mendonça... incrível!!!

21 de fevereiro de 2010 às 19:19 Clara Marques Campos disse...

Valeu, galera.
Bom texto.
Apenas duas correções: a banda não tocou "Rock Around The Clock". A música que abriu o show foi "Blue Suede Shoes". E o EP foi lançado em setembro, portanto, há 5 meses.

22 de fevereiro de 2010 às 04:36 Ederval Fernandes disse...

Clara, faremos as devidas correções. Obrigado.

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