Dos que tentam e dos que conseguem Ou dos que se tem por satisfeitos



Imaginemos se Caetano Veloso ou Gilberto Gil decidissem parar de fazer música, seria tal o nosso espanto que chegaríamos a cogitar que eles estivessem sofrendo de ausência de lucidez, possivelmente devido à idade já avançada. O mesmo não acontece na literatura, os casos de escritores que deixaram o fazer literário de lado ainda em vida são recorrentes e todos muito cheios de fetiche. Alguns ficam anos sem publicar nada e de repente ouvimos os rumores de que ele voltará com as publicações, é uma espécie de ressurreição.

Existem muitos que não publicam mais e explicam o porquê, Raduan Nassar, por exemplo, diz que perdeu a paixão pela ficção e hoje nem lê mais livros, apenas “prospectos sobre agricultura”, hoje não faz nada mais além de se dedicar a plantações em fazendas. Exigiria a literatura de seu feitor alguma coisa que possa ser esgotável?


(Escritor Raduan Nassar)

Parece estranho e pouco provável. Em certa noite Nikolai Gogol, escritor russo, teria jogado toda a sua obra até então inédita na lareira do seu quarto e decidiu que não escreveria mais. J.D. Salinger parou de escrever em 1963, decidiu viver recluso com sua esposa, não dava entrevista e não se deixava mais fotografar. Salinger morreu no mês passado sem ter deixado nada publicado a partir da referida data.

Na Bravo! Especial Bahia o jornalista Ronaldo Jacobina inicia seu texto na coluna sobre literatura falando que “pelos idos de 1650, o poeta baiano Gregório de Matos, o Boca do Inferno, escandalizava a conservadora elite baiana com seus poemas que criticavam a Igreja Católica. Depois veio Castro Alves, o poeta dos escravos, defender com sua fiada pena a libertação dos negros...”. Gregório de Matos e Castro Alves não sofreram da síndrome dos escritores que não querem mais escrever. Não é isso. Simplesmente achei de pouco bom senso às designações que o jornalista fez da literatura desses autores, como se o que eles escrevessem nascessem de um desejo único e para um público direcionado. A literatura se destina a todos, perguntar sobre o quê que um autor escreve é uma das perguntas mais constrangedoras de se ouvir, o pior é quando vem acompanhada de resposta. Lembro de uma vez ter escutado uma história de uma moça da UEFS que ao ser questionada sobre o que o poeta estudado por ela tratava em seus poemas respondeu de maneira quase tão mais escrota que a própria pergunta: “Escreve sobre a efemeridade da vida.”.

Talvez alguns desses escritores acabassem por ficar insatisfeitos e de mal com as palavras quando descobriram que elas não eram suficientes ou talvez tenham sentido a sensação de que tudo já havia sido dito. O que ocorre é que ainda assim são eles, juntos com artistas de outras esferas de expressão, que conseguem dar cabo de falar de nossa débil e aprazível existência humana.

1 comentários:

11 de fevereiro de 2010 às 14:35 chocalhodecascavel disse...

Para alem dos utensilios tipicos da arte: penas, cordas, madeiras, pinceis, cameras etc... há um elemento metafisico quintessencial, a inspiração. portanto, essa substancia imaterial deve se esvair por algum motivo nao inteligivel do espirito desses trânsfugas da arte...

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