Uma tragédia na solenidade


Ontem aconteceu o evento de premiação do Concurso Feirense de Poesia Godofredo Filho lá no CUCA. Integrei a comissão organizadora do concurso e, embora não acompanhando todo o processo, creio ter feito minha parte. O concurso foi feito para a nossa cidade, mas acho que faltou um apoio maior desta. Além disso, faltou também experiência da parte dos organizadores: eram apenas quatro marmanjos tentando realizar um concurso literário de âmbito municipal.


O número de falhas neste concurso foi incalculável. Mas nada me esperava para o que haveria de acontecer nesta noite. Tive poucos momentos de real prazer proporcionado pelo concurso, mas lembro de todos. Fiquei feliz em saber que tinha um vizinho, aluno da minha mãe, que era poeta, e que pretendia concorrer. No dia em que fechamos as inscrições e verificamo-las, constatamos um poema enviado de lá do Rio Grande do Norte (um feirense que hoje lá mora), que por sinal consta na antologia. E, nesta noite, quando anunciamos os três primeiros colocados, me emocionei com a vibração do 2º colocado, Ronaldo dos Santos da Paixão, quando este ouviu seu nome sendo chamado. Estava com três amigos que aplaudiram com entusiasmo, apertaram a mão dele, deram tapas fortes nas costas. Eu jamais poderia imaginar que alguém fosse dar tanta importância a um concurso tão pequeno, tão pouco divulgado, tão precariamente estruturado.






Antes do evento começar, aliás, um dos premiados veio me parabenizar pela iniciativa, e o fez com bastante sinceridade. Novamente quase fui às lágrimas. Porém, é sobre este mesmo premiado que quero falar.

Seu nome é Daniel Pereira Pondé e aconteceu uma tragédia com seu poema: este foi publicado com as estrofes trocadas; na hora da edição, sabe-se lá o que aconteceu, mas este erro crasso surgiu e não percebemos na revisão final. Ao final do evento, o rapaz veio me comunicar a desgraça, e em poucos momentos da minha vida me senti numa situação tão terrível. Fiquei mal porque lembro que o poema dele foi enviado em um disquete que não abriu, e tive de digitar todo o poema eu mesmo. Lembro que o digitei correta e perfeitamente, e enviei para o pessoal que editou o livro. Cheguei a pensar que o erro tinha sido meu, mas hoje abri o arquivo que mandei verificando nos "e-mails enviados" e vi que não era eu o algoz de Daniel Pondé.

Pedirei agora imensas desculpas nem em nome da comissão nem em nome dos editores/diagramadores, mas por mim mesmo, que senti muitíssimo por isso. Falei a Pondé que a comissão iria tomar todas as medidas possíveis para tentar amenizar o infortúnio. Utilizo agora o espaço do blog da Transa Revista para publicar o poema de Pondé integralmente e no seu formato original.

Longa metragem poética
Ela cheirou cola no Alentejo
Ele bafou carteira na Bahia
Ele só queria foda, não queria beijo
Ela não queria nada sério, só folia.

Ela queria ser amada e ser de muitos.
Ele queria traficar, ganhar muito dinheiro.
Ela não gostava dos sensíveis, só dos brutos.
Ele desafogava seus anseios num puteiro.

Quando ele a viu disse: será minha.
Quando ela ouviu exclamou: serei tua.
Trancaram-se no quarto e foi um escândalo
- Proibi meus filhos de passarem naquela rua.

Ela perdeu a virgindade com onze anos.
Foi um fuziê na pronvíncia portuguesa.
Ele com doze anos era mole:
Já jogava duro com sua vizinha Tereza.

Ela era linda e orgulhosa
Ele charmoso e indolente.
Ela já deixou mais de trinta caídos por ela.
Ele já deixou mais de trinta sem dente.

Trancaram-se no quarto e foi um escândalo.
A vizinhança em polvorosa.
O que era brisa transformou-se em vento.
O que era cravo transformou-se em rosa.

Não tinham nem vinte anos.
Essas interessantes criaturas.
Certo que viviam a vida intensamente.
Mas também viviam uma vida dura:

Ela era classe média em Portugal.
A rebelde da família.
Seu pai até hoje quando fala dos filhos
Subtrai da conta a existência de uma filha.

Ele, por sua vez, tinha um pai alcoólatra
E também uma mãe submissa
Que quando apanhava do marido bêbado
Não ia pra delegacia, ia pra missa.

Ninguém sabe os motivos pr’ela ter vindo
pro Brasil, mais precisamente pra Bahia.
Eu não sei, nem quero saber
E isso não é assunto de poesia.

Quem esperou final trágico
E cronológico, se deu mal.
Longa-metragem boa é
Aquela que “não tem final”.

Além do mais estamos
No mundo da poesia
E ela só mostra um pouco
(O mais é filosofia).

Ela só leva à fonte.
Pois quanto menos mostra
É quando menos
Esconde.

5 comentários:

29 de janeiro de 2010 às 11:00 Daniel Pondé disse...

Longa Metragem Poética.



Ela cheirou cola no Alentejo
Ele bafou carteira na Bahia
Ele só queria foda, não queria beijo
Ela não queria nada sério, só folia.

Ela queria ser amada e ser de muitos.
Ele queria traficar, ganhar muito dinheiro.
Ela não gostava dos sensíveis, só dos brutos.
Ele desafogava seus anseios num puteiro.

Quando ele a viu disse: será minha.
Quando ela ouviu exclamou: serei tua.
Trancaram-se no quarto e foi um escândalo
-Proibi meus filhos de passarem naquela rua.

Ela perdeu a virgindade com onze anos.
Foi um fuzuê na província portuguesa.
Ele com doze anos não era mole:
Já jogava duro com sua vizinha Tereza.

Ela era linda e orgulhosa
Ele charmoso e indolente.
Ela já deixou mais de trinta caídos por ela.
Ele já deixou mais de trinta sem dente.

Trancaram-se no quarto e foi um escândalo.
A vizinhança em polvorosa.
O que era brisa transformou-se em vento.
O que era cravo transformou-se em rosa.

Não tinham nem vinte anos.
Essas interessantes criaturas.
Certo que viviam a vida intensamente.
Mas também viviam uma vida dura:

Ela era classe média em Portugal.
A rebelde da família.
Seu pai até hoje quando fala dos filhos
Subtrai da conta a existência de uma filha.

Ele, por sua vez, tinha um pai alcoólatra
E também uma mãe submissa
Que quando apanhava do marido bêbado
Não ia pra delegacia, ia pra missa.

Ninguém sabe os motivos pr’ela ter vindo
pro Brasil, mais precisamente pra Bahia.
Eu não sei, nem quero saber
E isso não é assunto pra poesia.

Quem esperou um final lógico
E cronológico, se deu mal.
Longa-metragem boa é
Aquela que “não tem final”.

Além do mais estamos
No mundo da poesia
E ela só mostra um pouco
(O mais é filosofia.)

Ela só leva à fonte.
Pois quanto menos mostra
É quando menos
Esconde.

29 de janeiro de 2010 às 11:11 Daniel Pondé disse...

Desculpas aceitas rapaz, tenho perfeita compreensão da dificuldade de realizar um evento sendo do Movimento Estudantil.

Agora, é claro que fiquei bastante chateado. Espero, pelo menos, receber meus 05 exemplares corrigidos.

Veja, eu postei a poesia completa por que na digitação também existiram alguns equívocos.

1-Você colocou "fiziê" e é "fuzuê".

2-Você colocou "ele com doze anos era mole", quando na verdade o correto é "ele com doze anos não era mole".

De qualquer sorte, reitero os parabéns dados.
Poucas vezes vi um Diretório acadêmico propor tantas e tão interessantes coisas em pouco tempo.
Gostei, inclusive, da qualidade da Antologia.
Particularmente gostei muito da que foi classificada em 3º lugar e dos sonetos refinados de Silvério Duque e Thiago El Chami.
Abraços

Daniel Pereira Pondé.

30 de janeiro de 2010 às 10:49 Anônimo disse...

Poxa...Estou muito satisfeita por reler esse poema e por saber aqui mesmo, na Transa, que o poema de Daniel foi premiado. Lembrei da brincadeira que Dolores fez comigo: "tudo amigo meu!"
E não era para estar nessa tietagem toda? Tem muita gente sendo provocada e provocando a partir das iniciativas desse pessoal. No mais, gosto desse fuzuê à la Gregório de Matos que Pondé traz no Longa Metragem Poética. Saudações para quem esteve envolvido com esse concurso e aos novos pica-flores da Feira-Bahia.

8 de fevereiro de 2010 às 08:17 Daniel Pondé disse...

Caro João Daniel, como disse acima aceitei de bom grado o seu pedido de desculpas, mas não prescindo de uma comunicação pública e escrita por parte da comissão organizadora. É um direito que me assiste.
Mandei um email solicitando tal medida e não houve resposta.
No dia seguinte recebi um email seco, curto e grosso, solicitando que eu envie meu endereço para receber os meu exemplares.
Mas o que foi feito de efetivo para atenuar o erro grosseiro em relação aos livros que já estão "na praça"? Nada!!! Aboslutamente nada.
No mínimo este erro teria que ser avisado publicamente e por escrito, até mesmo diante da repercussão do concurso no município ( com divulgação no Portal da Uefs e em blogs da internet).
Procedi de boa-fé, me inscrevi em um concurso, tive meu poema selecionado e fiz jus a ser publicado.
Na hora da publicação por um erro crasso - que pode ter sido de qualquer pessoa(do reitor ao papa) menos deste que vos escreve - o meu poema saiu todo esculhambado.
Vocês prometeram fazer o possível para diminuir o que você acima denominou como "tragédia", mas descumpriram tal promessa categoricamente.
Estou me sentindo como o cara que é roubado e ainda tem que dar explicações ao chegar na Delegacia.

Atenciosamente.

Daniel Pereira Pondé

8 de fevereiro de 2010 às 18:30 Daniel Oliveira disse...

Caro Daniel Pondé, já te mandei um e-mail. Já providenciamos várias coisas, inclusive os exemplares corrigidos, só falta a UEFS nos entregar.

João.

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