O equívoco com a canção e/ou Gilberto Gil no Teatro Castro Alves - PARTE I


Parece ridículo alguém chegar e dizer que admira profundamente um artista. E o troço fica ainda pior se esse artista é um cantor/compositor. Porque é até admissível admirar um poeta, um contista, um romancista, um cineasta, mas é bestial admirar um compositor de música popular. E se trata de uma heresia total chamá-lo de gênio. Não pode, afirmam os imbecis.

Mas tenho uma ligeira teoria para isso. Se não corresponde à realidade, tanto faz, ao menos consiste numa tentativa de compreendê-la. Vejamos.

Porque o ato de ouvir uma canção não é aparentemente o mais polido ou afetado quanto o de ler um poema, um conto ou um romance, e isto muito se deve ao fato da canção poder ser experimentada enquanto uma pessoa faz tarefas aparentemente simplórias como lavar pratos ou tomar cerveja no bar (como se só o fato de estar vivo fazendo qualquer coisa não fosse em si espantoso e incrível), imagina-se que a canção seja uma arte menor que a literatura, quase sempre consumida de maneira silenciosa e solitária – o que recai mais uma vez naquele enganoso mito de que apenas os solitários e os taciturnos são os inteligentes e os iniciados, portadores de humanidades avançadas, e são suas práticas as mais significativas e civilizadas possíveis. Como a canção não está aparelhada de sofisticados museus ou salas de arte, quase sempre executada para um público numeroso que na maior parte das vezes não está ali exatamente por ela, a canção é menor que as artes plásticas e o cinema.


Enfim, como a canção é consumida em larga escala, facilmente executada por quem se arrisca em três ou quatro acordes no violão, ela é menor que as outras artes, porque as outras prescindem de um adestramento maior dos seus mecanismos criativos. Mas se adestrar é fácil. A questão está para além dos adestramentos de uma determinada linguagem artística. A questão está no indivíduo, e ele não pode ser julgado simplesmente pelo tipo de arte que produz, mas – e isto me constrange escrever porque é de uma obviedade fatal – pela sensibilidade humana que ele carrega e alastra em sua obra.

Cheguei a ouvir certa feita comentários de que na canção não há catarse. Será que não? Nas artes só não há catarse naqueles que a consomem debilmente, como exercício de vaidade e erudição vazia. Pra mim não existe arte menor ou maior: existe boa ou ruim.

Bem, dito isso, afirmo: admiro profundamente alguns cantores/compositores e não tenho problema nenhum em chamá-los de gênio. Dorival, João Gilberto, Bob Dylan, Caetano, todos gênios. E Gilberto Gil, para mim, está entre os maiores. Daí eu ter ido vê-lo apresentar seu novo show (Banda Dois misto Concerto de Cordas) no Projeto Acústico 2010 do Teatro Castro Alves com o maior prazer do mundo. Fui, vi e gostei – quer dizer, gostei mais ou menos. Teço-lhes agora minhas impressões.

1 comentários:

29 de janeiro de 2010 às 10:10 Raíssa Caldas disse...

Certamente meu querido.
Eder, seu texto ficou muito bom.

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